27 de dezembro de 2009

Tecnologia Natalina



Jornal O Estado do Maranhão, 27/12/2009

Uma das consequências da expansão do uso da internet, pelo menos no Brasil, foi a adoção do hábito do envio de mensagens de Natal e Ano Novo via e-mail. Como esta poderosa ferramenta de comunicação permite que elas alcancem simultaneamente várias pessoas, os remetentes preferem, em geral, usá-la, em vez de postar cartões impressos em papel, evitando o gasto e o trabalho de mandá-los pelo correio, do modo antes costumeiro. Assim, com o simples clique de um mouse, 20, 30, 100 destinatários os vêem quase instantaneamente, não sem antes o remetente criar em seu computador um grupo contendo os e-mails daqueles que devem recebê-los.
É possível, com a utilização do programa Outlook, da Microsoft, mandar a mensagem (com o mesmo texto), a cada destinatário, individualmente, de maneira parecida com o envio de correspondência com a utilização do recurso de mala direta do editor de texto Word, também da Microsoft. Isso permitiria a cada recebedor ver seu nome na primeira linha do texto da mensagem, algo como "Caro Fulano de Tal". Seria uma forma individualizada de o remetente manifestar aos amigos, individualmente, seus sentimentos no Natal e Ano Novo. Mas, tal procedimento requer um conhecimento mais aprofundado do programa do que a habilidade da maioria de seus utilizadores permite.
Prática semelhante ocorre com os chamados torpedos usados em telefones celulares. Grupos podem ser formados e mensagens com múltiplos destinatários disparadas, poupando a quem as envia o trabalho repetitivo de mandá-las a cada membro de sua lista, tarefa longa e tediosa.
Não digo isso tudo a fim de condenar o novo hábito, mas apenas para apontar como a tecnologia pode resolver alguns problemas e criar outros, reforçando a ideia de que a história da humanidade se nutre desse processo dialético. Pelo menos a história do capitalismo tem sido a de criação e destruição, como aspectos inseparáveis de um único processo. Tomemos como exemplo, o avança tecnológico em geral.
A reflexão inevitável é esta: Quantos empregos são destruídos com o surgimento de novas tecnologias e quantos outros são criados nos novos setores nascidos com elas, causadoras, no entanto, da morte dos antigos? A longo prazo, há um equilíbrio, mas, com certeza não é consolo para os trabalhadores que perdem seus empregos em setores tecnologicamente atrasados e não podem sequer, devido a fatores como idade e falta de ação do governo, saber que não houve perda de emprego, quando a economia é vista como um todo e numa perspectiva histórica. Se fosse verdade que a novas tecnologias provocam desemprego permanente, então desde muito tempo o desenvolvimento delas já teria chegado ao fim ou teríamos regredido à economia de trocas, tal crise de desemprego que se abateria sobre a sociedade. Um exemplo. A introdução de tecnologias na agricultura, origem de espetacular aumento na produção e, em especial na produtividade do setor, levando à conhecida revolução agrícola, levou ao êxodo de milhares de pessoas do campo para as cidades. Nestas, empregos estavam sendo criados no setor industrial, inclusive na construção civil, e de serviços, mas não no ritmo necessário, por diversas razões.  A introdução dessas tecnologias deveria ser evitada? O x da questão é a forma pela qual a absorção desse avanço se dá. A discussão é longa e já levou ao consumo de toneladas de papel utilizados nos estudos até agora publicados.
Mas, eis o que eu queria dizer. Com certeza, os recursos tecnológicos ligados à internet, referidos no início, resolvem a dificuldade que a maioria de nós tem de encontrar tempo e paciência na batalha do envio de cartões no fim do ano. Resolvi adotar então um meio termo. A um grupo de amigos, inclusive os membros da Academia Maranhense de Letras, mandei um cartão impresso que elaborei junto com o fotógrafo Edgar Rocha. A outro, de cujos membros eu não tinha o endereço postal ou por outro motivo digitalizei o cartão e o enviei, devidamente personalizado, por e-mail. Penso ter conciliado no Natal a tecnologia antiga e a nova.

13 de dezembro de 2009

Cores, Cheiros e Texturas



Jornal O Estado do Maranhão, 13/12/2009

O Natal está aí e com ele a temporada de compras mais longa e intensa do ano. Os entendidos em finanças recomendam ao consumidor nesta época um comportamento praticamente impossível de ser adotado: não consumir o dinheiro extra do décimo terceiro salário e pagar dívidas antigas. É contra a natureza humana, se houver mesmo tal coisa.
Mas, o tempo é do Bom Velhinho, que de uns anos para cá anda soltando um ho, ho, ho meio ridículo, no estilo do Papai Noel americano (tenho certeza da existência de um Papai Noel em cada país, conhecedor das peculiaridades de suas crianças). Diferentemente do nosso, ele viaja em trenó puxado por renas em meio a muito frio e neve. O gritinho deve servir de ajuda no enfrentamento do mau tempo. De qualquer modo, ele não deixa de ser um sujeito muito simpático que habitou minha imaginação infantil e ainda hoje me dá a sensação de que o altruísmo existe e não é apenas um disfarce do egoísmo em sua permanente luta pela preservação da espécie.
E por falar em preservação da espécie, acabo de saber que o comportamento de homens e mulheres quando vão às compras é semelhante ao da tribo humana em eras primitivas, quando os machos arrastavam as fêmeas pelos cabelos, pelo menos na visão dos cartunistas. Conclusão com base na evolução das espécies pela seleção natural, princípio descoberto por Charles Darwin e uma das maiores sacadas na história do pensamento humano. Com o passar do tempo, aumenta seu poder explicativo e mais sólidos se tornam seus fundamentos, na mesma proporção em que novos achados paleontológicos o confirmam e se somam à já volumosa massa de evidências a seu favor. Não há nada alternativo no horizonte capaz de competir com o darwinismo. A explicação religiosa é outra história.
Perguntarão os leitores: qual, afinal, a relação entre compras e esse princípio? Segundo o serviço noticioso do site da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, os estilos masculino e feminino de fazer compras estão nos genes e é melhor dar uma olhada na evolução para achar a razão. "De uma perspective evolucionária, tudo se resume às habilidades que as mulheres usavam na coleta de vegetais comestíveis e os homens na obtenção de carne". Estudo publicado na Revista de Psicologia Social, Evolucionária e Cultural, feito pelo professor Daniel Kruger, pesquisador da Escola de Saúde Pública daquela universidade, examinou o jeito de fazer compras de homens e mulheres no quadro da psicologia evolucionária com o fim de entender as diferenças de comportamento dos dois grupos.
Por que, afinal, tantas mulheres adoram passar horas examinando as roupas das prateleiras das lojas com as amigas enquanto os homens acham tudo uma chatice e não vêem a hora de dar o fora? A explicação, depois de achada, parece simples, um ovo de Colombo. As mulheres nas sociedades primitivas sempre voltavam às trilhas anteriormente identificadas como capazes de oferecer bons resultados em termos de coletas de frutas e vegetais. Elas tinham de ser especialmente habilidosas nessa tarefa, pois deviam escolher alimentos com as cores, cheiros e texturas certos, a fim de evitar os venenosos. E é isso que fazem ainda hoje. O pesquisador observou que elas estão o tempo todo avaliando exatamente essas características dos produtos a serem adquiridos, operação demorada.
Os homens, em contraste, tinham quase sempre um objetivo mais específico. Eles queriam chegar, conseguir a carne, fonte de proteína crítica à sobrevivência do grupo, muitas vezes em lutas com predadores de outras espécies, e se retirar tão rapidamente quanto possível, sem ninguém para atrapalhar, as crianças, por exemplo, que ficavam sempre na companhia das mulheres. Mais uma vez, ainda hoje eles fazem algo semelhante.
Portanto, se você faz parte da metade masculina da humanidade, quando sua mulher disser que vocês dois vão demorar só um pouquinho no shopping, não se irrite se ela, depois de horas de entra e sai em lojas, perguntar: Demorei? Ela estava apenas testando com muito cuidado as cores, cheiros e texturas de bolsas, vestidos e sapatos.

29 de novembro de 2009

Escassez ou Excesso?



Jornal O Estado do Maranhão, 29/11/2009

Há semanas em que a síndrome da página em branco, cuja etiologia tem origem na falta de assunto, acabrunha e assombra o cronista e o leva a amaldiçoar o compromisso assumido com o jornal e a encher linguiça textual. Ele fala então justamente da falta de assunto. Em seguida, fingindo-se surpreso, declara o esgotamento de seu espaço e de imediato finaliza o texto. Mas, eu não quero encher linguiça. Vamos aos fatos.
Nesta semana, o problema é de natureza oposta. Não há escassez de assuntos, mas excesso e pouco espaço para sobre eles dar informações. Primeiro, a Academia Maranhense de Letras elegeu na quinta-feira passada a Diretoria a ser presidida por Mílson Coutinho no biênio 2010-2012. Tivemos a 3ª Feira do Livro de São Luís, que se encerra hoje. Só pelo fato de ter sido realizada, em meio às dificuldades naturais na organização de eventos como esse na passagem de uma administração pública a outra, a iniciativa já merece elogios, porque lança a mensagem da continuidade e, por conseguinte, mantém São Luís no calendário cultural do país.
Tivemos também, e ainda temos, pois ele ainda não deixou a cidade, a presença entre nós do jornalista, romancista e roteirista José Louzeiro. Ele, que reside no Rio de Janeiro, é um dos homenageados da Feira e vem a São Luís pela segunda vez este ano, já que, a convite da Academia, onde ocupa a Cadeira 25, esteve aqui em agosto. Recebeu naquela ocasião merecidas homenagens.
Ontem, sábado, dia 28, a Federação das Academias de Letras do Maranhão – Falma foi instalada na nossa sede, o mesmo local de sua fundação no ano passado, no mesmo 28 de novembro. Ali funcionará provisoriamente. É a realização de uma ideia antiga, de amplo curso e já realizada em outros Estados. Somente no ano passado pode ser levada adiante por academias do interior do Estado com o nosso apoio e coordenação. Sua primeira diretoria, presidida por Álvaro Melo (Vavá), com mandato de três anos, foi empossada na ocasião.
Por fim, dos eventos da Feira, chamo a atenção do leitor para o lançamento de Breganejo Blues, de Bruno Azevedo, romance com uma prosa atual, ambientado em São Luís. Além do texto, usado criativamente por um prosador original e moderno, Bruno, se utiliza da linguagem do quadrinho, estando familiarizado tanto com a tradição quanto com os movimentos literários contemporâneos.
Volto à AML. A despeito das sugestões de muitos acadêmicos de que eu deveria me candidatar à reeleição, preferi não continuar na Presidência, por razões puramente pessoais. Está entre elas o desejo de dispor de tempo – hoje usado no cumprimento das tarefas acadêmicas em tempo integral e dedicação exclusiva – a fim de me aplicar, sem, claro, abandonar a convivência acadêmica, aos meus próprios interesses intelectuais, à leitura mais consistente e aprofundada da literatura contemporânea, à produção de meus próprios textos, que não crônicas, a conhecer outros países, a maior e melhor convivência com a família e amigos. As responsabilidades de meu cargo de Presidente, em especial no ano do Centenário da AML, comemorado com uma programação rica e diversificada, empreitada a que não faltou apoio da Diretoria e dos acadêmicos, não me permite a realização de tais desejos. Neste ano de 2009, muitas coisas foram feitas e teremos, ainda, até janeiro, lançamentos de livros e abertura do nosso site na internet.
A nova Diretoria, cuja posse se dará somente no dia 4 de fevereiro, será liderada por um acadêmico que por repetidas vezes deu demonstração de apreço pela instituição a que pertence há 28 anos. Sua trajetória é a de um disciplinado intelectual e um historiador em busca permanente das fontes primárias, avesso à mera compilação de bibliografia ou paráfrase de trabalhos alheios. Seu espírito, voltado para o exercício da paciência, é garantia da continuação do espírito de harmonia na Academia.
Uma Casa como a nossa é construção coletiva, obra de gerações que o tempo se encarrega de transfigurar em túnica inconsútil. Esse, o significado profundo da passagem de uma administração a outra.

15 de novembro de 2009

Pela USP, contra as diretas



Jornal O Estado do Maranhão, 15/11/2009

No imenso lago de mediocridade formado pela educação superior do Brasil, a Universidade de São Paulo é ilha que resiste à ofensiva da barbárie autonomeada de esquerda, cuja orientação ideológica caracteriza-se pela intransigente defesa de privilégios corporativistas e outras sandices desmoralizadas no resto do mundo civilizado e próspero.
Em meus anos de estudo de Economia nos Estados Unidos, na Universidade de Notre Dame, no Estado de Indiana, na região dos Grandes Lagos, pude, mais de uma vez, testemunhar o prestígio da Usp. Era a única instituição brasileira de ensino superior cujos créditos Notre Dame aceitava como bons  para completar as exigências curriculares das diversas disciplinas, pelo menos no Departamento de Economia, no programa de doutoramento.
O método de seleção dos dirigentes adotado pela Usp, ao privilegiar o mérito acadêmico, contribui para a formação de tal conceito no exterior. Ela ainda não foi e, espero, não será contaminada pelo fetiche da eleição direta como a maneira "mais democrática" de chegar-se ao melhor reitor. A universidade adotou regras semelhantes às utilizadas na escolha de um primeiro-ministro no parlamentarismo – indireta, pelo parlamento –, parecidas com as amplamente utilizadas em países reconhecidamente democráticos, como a maioria dos europeus.
Como são feitas as coisas na Usp, afinal? Do primeiro turno, participam os membros do Conselho Universitário, dos Conselhos Centrais e das Congregações das Unidades. São representantes do corpo docente, discente e dos funcionários, com peso maior atribuído aos primeiros, como deve ser. A votação é secreta, devendo cada eleitor escolher três nomes de professores titulares em atividade. Ora, estes representam o saber e, nesse sistema, como se vê, ficam com o poder, pela razão óbvia de trabalharem numa casa de produção de saberes. É um procedimento de fato democrático Ele evita não a politização, mas a partidarização da instituição. Esta não corre o risco de eleger tão só o mais hábil politicamente ou de maior capacidade de fazer promessas irrealizáveis dirigidas á corporação de professores, alunos e funcionários, de forma convincente, segundo lógica e interesse partidários e sem preocupação com a competência acadêmica, qualidade em falta na maioria dos políticos, em especial dos minúsculos grupos revolucionários de passeata ou piquete.
Escolhidos oito nomes, a disputa vai para o segundo turno. Nessa fase, o Colégio Eleitoral é formado apenas por membros do Conselho Universitário e dos Conselhos Centrais. São eleitos então os nomes da lista tríplice a ser encaminhada ao governador do Estado, que faz a opção final. O modelo uspiano garante a qualidade do ensino e pesquisa pela ênfase na meritocracia e não na companheirocracia.
Foi com a intenção de impedir a realização do pleito que um grupo de duzentos manifestantes (existe um corpo de 106 mil alunos), majoritariamente ligados a uma tal de LER-QI – Liga Estratégia Revolucionária, uma dissidência PSTU, partido, como todos sabem, de eleitorado avaliado em dezenas de milhões de votantes, bloqueou as entradas do prédio da reitoria, local da eleição, realizada, no entanto, no dia seguinte. A justificativa das ações antidemocráticas era de ser antidemocrática a forma de escolher.
Pesquisa feita na própria Usp, com a utilização de informações de 27 estabelecimentos universitários situados entre os melhores do mundo mostrou que nenhum adota eleição direta. Não existe exemplo de universidades dirigidas por reitores eleitos desse modo que desenvolvam melhores e mais relevantes pesquisas do que as adeptas de métodos diferentes. As melhores seguem, sim, um modelo semelhante ao da Usp.
O investimento anual do governo de São Paulo nessa instituição, de R$ 2,6 bilhões, só terá justificativa se ela mantiver a qualidade, reconhecida internacionalmente, de sua pesquisa e ensino. Não será com piquetes, esquerdismo infantil e partidarização que prestígio como esse, com origem na qualidade de sua produção, será preservado.

1 de novembro de 2009

Assim, não Vale



Jornal O Estado do Maranhão, 1/11/2009

O pessoal do PT não estava brincando quando falou em reestatizar a Vale. É um posicionamento  explicável, mas não justificável, porque, caso tal besteira prevalecesse, estaríamos frente à criação de milhares de boquinhas em forma de cargos estatais a serem colocados nas mãos – em verdade, também nos bolsos e nas contas bancárias – dos companheiros do partido. Como, aliás, já se comprovou repetidas vezes pelo já realizado em outras estatais, agências reguladoras e assemelhadas.
Pois agora é o próprio presidente da República quem resolve agir como se a Vale continuasse a ser empresa do governo. Lula decidiu, num acesso de chavismo que, tenho esperança, será temporário, ditar estratégias e táticas empresariais e escolher as áreas em que a empresa deveria investir. Sugeriu, por exemplo, que a Vale deveria fazê-lo em siderurgia, com certeza respaldado em detalhados e sofisticados estudos de mercado. Ora, tal linha de ação empresarial levaria a uma ilógica concorrência da empresa com seus atuais clientes, que dela compram minério de ferro. Também, a Vale passaria a atuar num ramo cuja tecnologia, expertise gerencial e outros fatores estratégicos ela não domina e cuja aquisição demanda tempo e gastos adicionais.
Há mais, porém. Como o bê-á-bá da economia nos alerta, investimentos já realizados, neste caso na exploração do minério de ferro, não se transferem, total ou parcialmente, com facilidade ou em prazo curto, de um setor a outro. Isso requer um tempo longo o suficiente para permitir a conversão dos ativos atualmente utilizados na exploração do minério (máquinas e equipamentos, em especial) em ativos adequados à área siderúrgica. Inversões novas nesta exigiriam recursos adicionais não disponíveis de imediato. Ou será que os economistas de araque pensam nos recursos da Vale como infinitos? Em termos práticos, atender ao pedido de Lula seria como criar uma nova e gigantesca empresa, com prazo dilatado de maturação. Mas, qual palpiteiro se importa com isso se os recursos dele não entram no jogo?
Por ironia, os gastos em programas do governo andam claudicantes e são mal feitos, com cronogramas atrasados e denúncias de má aplicação de recursos. De quem, a culpa? Responde o governo: do Tribunal de Contas da União e do Ibama. Este porque supostamente faz exigências ambientais descabidas, aquele porque exageraria na fiscalização. Os dois se tornaram os vilões dessa história. A incompetência gerencial pública, não.
Alegam os estatizantes que a Vale foi construída com dinheiro do povo e, assim sendo, deveria voltar a seu controle. Confundem, com essa pobre visão, uns de boa, outros de péssima fé, burocracia estatal com povo e se esquecem de que a empresa, depois de privatizada, multiplicou empregos, receitas, lucros e impostos para as já abarrotadas burras governamentais em quantia muito mais elevada do que a dos parcos dividendos pagos antes por ela ao erário, como estatal.
O que a trajetória estatizante no Brasil e no resto do mundo torna evidente, senão a apropriação por uma elite burocrática, politicamente escolhida, arrogante e sem conexão necessária com a competência profissional, do controle de empresas estatais, em seu benefício? É tocante, até, ver pessoas, em geral jovens, bradando em passeatas contra a privatização e defendendo, na prática, privilégios desse tipo, sob a ilusão de defenderem "o povo" e não os tecnocratas. O Brasil não precisa de reestatização, com a imensa e inevitável procissão de novas oportunidades de corrupção – lembremos que o setor público já consome quase 40% do nosso Produto Interno Bruto. Precisa, sim, de mais  capitalismo e privatização. Da Petrobras, por exemplo, sempre usada eleitoralmente, como todas as estatais seriam e são.
O preço do estatismo selvagem e interessado, feito com um olho em cargos da burocracia do governo, é a ineficiência econômica e, por conseguinte, o desperdício de recursos escassos, mas tão necessários a um país que precisa acelerar de verdade seu crescimento, para não empacar.
Assim, não vale.

19 de outubro de 2009

Vida Acadêmica



Jornal O Estado do Maranhão, 19/10/2009

Este mês de outubro foi de grande movimentação na Academia Maranhense de Letras. No dia 1º, quinta-feira, chegou a São Luís, vindo a nosso convite do Rio de Janeiro, onde reside, o escritor e membro da AML, José Louzeiro. Acometido por problemas de saúde causados pelo diabetes, ele continua produzindo como se nada lhe tivesse acontecido, bem humorado, trabalhando em dois ou três livros simultaneamente com uma disposição para o trabalho admirável mesmo em quem não tivesse de enfrentar os percalços que se lhe puseram no caminho. No dia seguinte, sexta-feira, dia 2, ele recepcionou Joaquim Haickel, hoje ocupante da Cadeira 37. Na terça, dia 6, proferiu palestra na AML, que o homenageou, na quinta, com um jantar em que acadêmicos, amigos e admiradores puderam expressar o bom conceito que fazem dele e de sua obra em favor dos sem-voz. Na sexta-feira, dia 9, esteve presente à posse de Ney Bello Filho na Cadeira 40. No domingo, regressou ao Rio. Voltará em novembro para a Feira do Livro.
Até o final do ano nossa programação de eventos terá, ainda, a palestra de Sálvio Dino, no dia 30 de outubro, em comemoração dos cem anos de nascimento de Antenor Bogéa, que na Casa ocupou a Cadeira No.1, a abertura de site na internet, o lançamento, com apoio da Alumar, do Livro do Centenário, que trará os eventos realizados em 2008 bem como a história da Academia, com farto material iconográfico, atualmente em fase final de edição pelo Secretário-Geral, Jomar Moraes, com o auxílio, na parte fotográfica, de Edgar Rocha e sua equipe do estúdio Photo Edgar e, finalmente, o lançamento com o selo editorial da AML de Os papeis da conquista - 1612-1614, livro organizado pela professora Andrea Daher, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Esse trabalho contém um estudo introdutório dela sobre documentos inéditos acerca da presença dos franceses no Maranhão, localizados por ela nos arquivos de Simancas, na Espanha. No ano passado, ela fez uma palestra como parte do ciclo comemorativo do Centenário sobre o tema de seu livro O Brasil francês: as singularidades da França Equinocial, publicado pela Editora Civilização Brasileira.
  Falar sobre posse me faz pensar sobre uma pergunta que ouço com frequência: Como se é admitido no quadro de membros efetivos da Academia? O repórter de um jornal local já chegou a me perguntar, logo depois da abertura de uma vaga, quando iríamos nos reunir a fim de  convidar o futuro ocupante da cadeira. Ora, não fazemos convites desse tipo. Os candidatos, sempre numerosos,  é que  procuram a Academia a fim de candidatar-se e serem escolhidos, sim, mas em um processo eleitoral. Neste, cada acadêmico vota secretamente de acordo com suas preferências pessoais. Entram aí, é evidente, elementos de subjetividade.
Nos aspectos formais e de acordo com o Regimento Interno, em seu artigo 56, o pretendente deve enviar, ao fazer sua inscrição, um curriculum vitae, exemplares de publicações de que o pretendente seja autor, coautor, colaborador, organizador, tradutor ou editor e comprovação de residência no Estado há, pelo menos, dez anos, caso não tenha nascido no Maranhão. Isso não significa que, na hipótese de ele não ter livros publicados por ocasião de sua candidatura, como foi o caso do antecessor de Ney, o grande artista plástico Antônio Almeida, ele esteja impedido de ser eleito. Aliás, corre uma piada nos meios culturais daqui e de outros Estados. A de que alguns pretendentes não deveriam se candidatar exatamente por terem livros publicados. Melhor para suas pretensões seria não terem nenhum ou darem sumiço nos já levados ao público.
Numa eleição acadêmica, pesam muito, isto é um pressuposto derivado da natureza de uma instituição como a nossa, as qualidades intelectuais do candidato. Mas, outros fatores, como a visão que os eleitores têm sobre a capacidade de convivência harmoniosa do futuro membro da Casa com seus pares, disposição de colaborar e participar da vida da Academia e outras avaliações de cunho subjetivo também contam.

4 de outubro de 2009

Joaquim, José e Manuel



Jornal O Estado do Maranhão, 4/10/2009

A Academia Maranhense de Letras vive dias de intensa atividade e alegria. Acontecimentos que em outras circunstâncias e vistos isoladamente poderiam ser reconhecidos apenas como a prosaica materialização de uma programação de eventos, como a da AML neste ano de 2009, subitamente adquirem um especial simbolismo. Inesperado simbolismo, bem-vindo simbolismo.
Trata-se disto. Primeiro, chegou quinta-feira, dia 1º, a nossa cidade José Louzeiro. Convidado pela AML, da qual ele é membro desde 1987, quando lá foi recepcionado por Ivan Sarney, ele veio a São Luís receber justificadas homenagens da Academia a serem prestadas em jantar que lhe será oferecido no dia 8 na próxima quinta-feira, dois dias após palestra que ele irá proferir no dia 6, terça-feira. A iniciativa faz justiça a um homem que, tendo começado sua militância no jornalismo em São Luís, aos dezesseis anos, em 1948, ano em que nasci, completa em 2009 sessenta e um anos numa trajetória de militância cultural que prosseguiu, com projeção no exterior, no Rio de Janeiro, depois de deixar São Luís em 1954 sob ameaça de morte de poderosas forças política da época.
Segundo, tivemos no dia seguinte, sexta-feira, dia 2, a posse de Joaquim Haickel na Cadeira 37. Ele foi recepcionado exatamente por seu amigo de anos, José Louzeiro, ambos com fortes ligações com o cinema. Na direção de curtas metragens o primeiro e no roteiro de longas o segundo. O acadêmico recém-empossado é o mais jovem entre seus pares, mas, tão só por uma semana, pois na próxima sexta-feira, 9 de outubro, ele perde essa condição. Ney Bello Filho, com quarenta anos de idade, assumirá nesse dia a Cadeira 40, antes ocupada pelo saudoso Antônio Almeida, tornando-se o benjamim da Casa.
Joaquim dá a impressão de não precisar descansar nunca, pois se mantém em constante atividade, com enorme dinamismo, permanente bom humor, aguçado senso de urgência, aguda percepção da vida cultural do Maranhão da qual participa ativamente e, sobretudo, admirável generosidade nas suas relações pessoais. Desde suas eleições, ele e Ney têm comparecido regularmente a nossas sessões ordinárias das quintas-feiras, usando de prerrogativa regimental que lhes faculta a participação, com direito a voz, mas não a voto.
Eis o que eu queria dizer ao falar de simbolismo. Presenciamos a recepção ao mais jovem acadêmico por um de nossos companheiros, Louzeiro, com dilatada e vitoriosa carreira nas letras nacionais, com obra de múltiplas feições, qual um Jano com sua capacidade de olhar para frente e para trás, em direção ao passado e o futuro. Vejo aí um símbolo e uma explicação do admirável vigor da Academia, decorridos já cento e um anos de sua fundação. Pois, com que se constroem os alicerces de uma obra perene, como essa da nossa instituição nesse século de existência, senão por uma exata e sempre feliz combinação de experiência e juventude, do ímpeto juvenil e reflexão madura, simbolizados por esses dois acadêmicos? Não é essa a fórmula universal e eterna, se eterno for o universo – ou, quando eterno o for –, que mantém a vida e preserva a espécie, perecível embora sejam os espécimens? Não é assim, no ponto de equilíbrio entre esses dois polos, que conseguimos produzir a obra coletiva de recepcionar o novo e preservar a tradição, renovando-nos, assim, continuamente?
A noite de sexta-feira assinalou, ainda, dois aniversários. Completou então oitenta anos de vida dedicados ao duro trabalho e à dura e incessante labuta poética o acadêmico Manuel Lopes, ocupante da Cadeira 18 e autor de Um homem à beira do rio e Canção itinerária, entre outros livros. Foi seu desejo estar ali naquela hora, rever seu amigo Louzeiro e cumprimentar Joaquim, num dia tão especial. Outro aniversário foi o de dona Clarice, mãe do recém-empossado, que justamente por isso escolheu tomar posse naquela data.  Foram homenageados pela Academia após a cerimônia, compartilhando com o numeroso público a felicidade que sentiam, junto com as famílias e entre velhos e novos amigos.
Saúdo os acadêmicos Joaquim, José e Manuel.

28 de setembro de 2009

Intervenção necessária

Jornal O Estado do Maranhão

O assunto da hora é a crise financeira dos Estados Unidos. Já posso ouvir, vinda dos auditórios universitários, onde são debatidas as mortes do neoliberalismo e do capitalismo, e discutido o surgimento de nova era de felicidade humana, assentada sobre os escombros do passado maldito, a sentença definitiva: “É a hora final”. No entanto, é preciso desconhecer Adam Smith na sua obra pouco lida A teoria dos sentimentos morais, para achar que o capitalismo é feito de ausência de normas de funcionamento e de desrespeito a princípios éticos. Todas as vezes em que essas distorções prevaleceram, prevaleceram também crises sistêmicas. E é isso o visto neste momento. Ausência de princípios morais, tais como encarnados no famoso “espectador imparcial”, proposto por Smith na sua Teoria – o tipo ideal cujo julgamento hipotético desinteressado devemos usar como referência na distinção entre o certo do errado em uma dada situação –, permite que a natural tendência de os seres humanos perseguirem seus próprios interesses produza situações caóticas. Os Estados Unidos viveram um longo período de completa ausência de regras nos mercados, apesar das crises dos anos 90. Tal situação permitiu aos grandes bancos de investimentos o financiamento da compra de casas pelos americanos, sem avaliações realistas sobre a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimos mobiliários. A suposição era de as residências financiadas terem crescente valorização, o que serviria à garantia das hipotecas sobre elas. No momento em que o preço de mercado delas caiu, tendo o endividamento das famílias se tornado excessivo, pois, com as facilidades oferecidas pelos bancos, as pessoas começaram a fazer uma segunda ou terceira hipoteca sobre o mesmo imóvel, um grande número de tomadores tornou-se inadimplente e tudo veio abaixo. O crédito sumiu repentinamente e todo o sistema travou. O governo americano, e em especial o Banco Central e a Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos, estão propondo um pacote de US$ 700 bilhões, de resgate dos papéis podres sobre os quais grande parte daquelas operações tinha sua frágil base. Alguns extremistas do mercado sem nenhuma regulação vêem nisso uma “medida comunista”. Como afirmou Delfim Neto, com sua conhecida verve, “o comunismo sempre salva o capitalismo”. A alternativa para o governo americano é cruzar os braços e esperar a derrocada do sistema. As conseqüências seriam mais desastrosas ainda do que as da grande quebradeira de 1929. O uso do dinheiro do contribuinte servirá ao fim de impedir que pouco mais adiante ele se veja sem emprego e sem renda, pelas conseqüências recessivas de deixar o trem prosseguir desgovernado, destruindo tudo à sua passagem. Os contrários à ajuda aos banqueiros hoje, amanhã iriam acusar o governo de não agir com o fim de salvar empregos do trabalhador, o maior sacrificado logo adiante pela inação. Lembram-se do Proer? Sem ele alguns bancos quebrariam e, com eles, todo mundo. Aquela crise serviu para o Brasil aperfeiçoar seus próprios controles. Foi feito então o mesmo que os americanos estão fazendo hoje. A intervenção é o caminho correto, mas não significa a morte de nada. Ao contrário, como já ocorreu antes, poderá servir ao funcionamento menos instável da economia no futuro. Numa economia de mercado, mercados contam, mas demandam aperfeiçoamentos institucionais pela sociedade. A crise é, principalmente, de confiança, que se baseia em obediências a regras morais conhecidas e cuja prática é esperada por todos. O governo está agindo a fim de restaurá-la. O pacote precisa de aperfeiçoamentos, a serem feitos pelo Congresso americano. Logo será aprovado. Daí, resultarão necessários controles à ação dos agentes financeiros. Esse o caminho a ser seguido.

20 de setembro de 2009

Rosa Paxeco na AML



Jornal O Estado do Maranhão, 20/9/2009

A semana finda foi de Fran Paxeco, por assim dizer, para a Academia Maranhense de Letras. Encontrava-se entre nós (em verdade ainda se encontra, pois ela viaja somente hoje com destino a Belém) uma neta desse português-maranhense, fundador da AML com dez outros intelectuais maranhenses e um piauiense, Clodoaldo Freitas. Falo da doutora Maria Rosa Pacheco Machado. Ela é filha de José Pedro Machado, filólogo, historiador e arabista português, autor de vários dicionários e vasta obra em diversos campos do conhecimento, e de Elza Paxeco Machado, primeira mulher a obter o grau de doutora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A mãe de Elza era Izabel Paxeco, a esposa de Fran. As duas eram maranhenses. Nasceu, portanto, aqui, a primeira doutora em letras daquela tradicional e bem conceituada universidade portuguesa.
Fran veio morar em São Luís em 1900 a serviço do governo português, na condição de cônsul. Tornou-se maranhense de coração, do que constituem prova as demonstrações de amor a esta terra até sua morte em 1952, depois de longa enfermidade, expresso nas suas obras sobre o Maranhão e em na intensa atividade dele em benefício de nossa terra não apenas na área cultural como também em diversos setores de nossa sociedade. Casou-se aqui e aqui nasceu sua única filha, Elza.
Em São Luís, Rosa foi na maior parte do tempo ciceroneada pelo seminarista João Rezende Filho que a conheceu pela internet, como resultado das pesquisas dela sobre seus antepassados maranhenses. Em conversa na Academia, ela revelou que embora conhecesse a importância de seu avô por informações, em conversas familiares, dadas por sua avó e sua mãe, (por ocasião da morte de seu avô ela era muito pequena) e por leituras de livros de e sobre seu avô, não pôde, até chegar a São Luís, bem avaliar o carinho e a admiração que os maranhenses têm por esse grande homem de letras e de ação.
Muita gente pergunta a razão de o nome de Fran ser escrito com x, a mesma grafia usada depois por Raul Seixas na canção Dr. Paxeco. Sua neta deu a resposta definitiva, com a doação à Academia de cópia de documento manuscrito por ele, datado de São Luís, em 12 de outubro de 1905: "[...] mudei o nome de Manuel Francisco Pacheco para o de Manuel Fran Paxeco, que de então [1897] para cá tenho adotado em todos os atos públicos. O motivo desta alteração consistiu em existirem na cidade de Belém do Pará quatro pessoas com o nome de Francisco Pacheco, exercendo uma delas a profissão de comerciante. E sendo praxe ali, quando apareciam negociantes com nomes iguais, mudar o seu aquele que surgiu depois do já conhecido, tive que realizar essa transformação, ao entrar no comércio paraense". Não há dúvida: necessidades de ordem comercial determinaram a curiosa alteração.
Não apenas esse valioso documento a Academia recebeu dela. Ela esteve na sessão de quinta-feira passada da AML, como nossa convidada, tendo doado o chapéu que fazia parte da vestimenta consular usada em determinadas ocasiões por exigência protocolar do serviço diplomático português, acompanhado, o chapéu, de foto em que Fran o segura em atitude formal, trajando o restante daquela vestimenta. Passou à Academia igualmente uma espátula com cabo de prata e lâmina de marfim, bem maior do que os cortadores comuns de papel, usada, segundo nos informou a doadora, para separar folhas de jornais, quando vinham presas umas às outras seguindo dobras picotados na parte superior ou na lateral. Lupas de uso pessoal de nosso fundador e outras fotos inéditas foram doadas.
Ao final da sessão, o acadêmico Benedito Buzar propôs o nome da doutora Rosa Pacheco para ocupar cadeira atualmente vaga no Quadro de Membros Correspondentes da Academia. A proposta foi aprovada por unanimidade. Possivelmente, no próximo ano, por ocasião da inauguração, em prédio que serviu de residência a Fran Paxeco e sua família, do Museu do Azulejo da Prefeitura de São Luís, que terá no seu acervo a coleção de azulejos do acadêmico Joaquim Campelo, doada ao museu, doutora Rosa poderá tomar posse.

6 de setembro de 2009

CPMF, de Novo?



Jornal O Estado do Maranhão

O governo planeja desferir, com a ressurreição da falecida CPMF, a ser apelidada de Contribuição Social Para a Saúde (CSS), seu recorrente ataque tributário ao bolso de quem já carrega uma das maiores ou talvez a maior carga tributária do mundo, o contribuinte brasileiro. Mortinha da silva, ela foi mandada aos "lugares pálidos, duros, nus", de que fala Adriano, no livro de Marguerite Yourcenar. O voraz sistema tributário brasileiro já nos assalta em quatro meses dos doze de trabalho anual. Ainda acha isso pouco o governo e ainda trama, montado na costa do contribuinte, aumentar o butim.
E para que precisa de tanto dinheiro? Para implantar uma administração pública eficiente que devolva ao cidadão sob a forma de bons serviços tudo dele extraído sob a forma de tributos; expandir e melhorar a sucateada malha rodoviária nacional; implantar uma rede de ferrovias decente, capaz de permitir o barateamento do transporte de cargas no Brasil, o aumento da competitividade dos produtos brasileiro nos mercados externos e da produtividade da economia; melhorar a qualidade do ensino e, portanto, da mão de obra do país; investir em pesquisas que nos levem à vanguarda do progresso científico e tecnológico, condição essencial, como se vê pelo exemplo dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, a um crescimento consistente no longo prazo, quando todos já estaremos mortos, como dizia Keynes, mas não, acrescento, nossos filhos e netos; investir em segurança junto com os Estados, limpando-nos da mancha de sermos um dos países com o maior índice de assassinatos de jovens no mundo?
Será por tudo isso que as autoridades se empenham tanto em colocar mais dinheiro nas burras governamentais já transbordantes, desestimulando, com extorsões dessa natureza contra a sociedade, o esforço individual do cidadão e a ética do trabalho honesto e estimulando a utilização do atalho desesperado com o fim de escapar desse furor arrecadador?
O argumento é antigo e frágil. Diz o ministro da Saúde, refletindo, é óbvio, posição do Presidente da República: "Eu estou condenado a lutar por mais recursos para a saúde pública. Saúde não se compra, não. Foi um direito duramente conquistado e nós temos o direito de defender o aperfeiçoamento do SUS". Esse tipo de argumento se ouviu quando a CPMF, que tinha a palavra provisória no seu nome, foi criada em 1996. Pois ela foi provisória durante mais de uma década, servindo para tapar buracos de todo tipo no orçamento federal, quase nenhum na área da saúde. É o nefasto jeitinho brasileiro. O tributo proposto agora com outro nome, desta vez pelo menos, não é mistificador, pois foi logo declarado permanente por seus proponentes, embora não contenha a palavra em sua denominação.
Se recursos adicionais são tão importantes, como de fato são, por que então o governo não alivia a pena do ministro condenado, destinando mais fundos para o setor, em vez de promover constantes elevações do custeio da administração federal, com um olho nas eleições e o outro nas pesquisas de opinião? E o promove contando, no lado da receita, com o possível crescimento da economia, mera expectativa a ser confirmada ou não. Mas, sempre resta o fato inescapável de a maioria dos itens desse custeio representar aumentos que se manterão nos exercícios seguintes. Eles passarão a vigorar agora e nos próximos anos e décadas, sempre na esperança de que recursos para sua cobertura sejam obtidos com aumentos vindouros de receita, puramente teóricos e acima do que as oscilações econômicas permitem esperar.
Não há como evitar. Gastos continuados acima das próprias posses levam, mais cedo do que tarde, à bancarrota. O sujeito acaba em cadastro de maus pagadores. No caso de um país, a bancarrota é chamada inflação, que é filha do populismo e de sua maligna conselheira, a economia de vudu, cujas más consequências a minha geração, mas não as mais novas, conheceu. Escapar de uma armadilha como essa no futuro custa muito mais do que os custos políticos e financeiros de se agir com responsabilidade no presente.

23 de agosto de 2009

Malighetti na AML



Jornal O Estado do Maranhão, 23/8/2009

Amanhã, dia 24, a Academia Maranhense de Letras dará posse na Cadeira No. 8 de seu Quadro de Correspondentes ao professor Roberto Malighetti. Ele será recebido pelo acadêmico Sebastião Moreira Duarte. Em outubro, teremos mais duas posses, mas no Quadro de Membros Efetivos. No dia 2, Joaquim Haickel passará a ocupar a Cadeira No. 37, anteriormente de Nascimento Morais Filho. No dia 9, teremos Ney Bello Filho tomando assento na Cadeira No. 40, antes ocupada pelo grande artística plástico maranhense Antônio Almeida. Serão, assim, três entre esta segunda-feira e aquela última data.
Alguns poderão estranhar uma solenidade como essa para assinalar a entrada de um correspondente na Academia, pois algum tempo há que não se vê evento como esse na Casa. As pessoas se acostumaram à suposição de tais membros não tomarem posse solenemente. Aliás, a maioria não tem conhecimento da existência desse quadro de acadêmicos.  Na Academia Maranhense ele é composto de 20 membros, metade, portanto, do número de componentes do quadro de efetivo.
No entanto, o Regimento Interno da Casa, em seu artigo 39, parágrafo único faculta a realização da solenidade, oferecendo ao empossando a possibilidade de escolha: "Se assim o desejarem, conforme comunicação ao Presidente, os eleitos para o Quadro de Membros Correspondentes poderão tomar posse em sessão solene, para o que serão observados os mesmos prazos e formalidades concernentes aos membros efetivos". Malighetti preferiu usar este dispositivo para dar-nos o prazer de sua presença entre nós e oferecer erudita conferência sob o tema Etnografia: Autoridade, Autorização, Autor.
Ele é professor de Antropologia Cultural da Universidade de Milão-Bicocca e realizou pesquisas de campo no Maranhão, concentrando sua atenção nas culturas de origem africanas. Estava trabalhando no Iêmen com beduínos e tinha, segundo entrevista dele ao Informe Palmares, interesse acadêmico em desenvolver uma escritura etnográfica, quando veio para o Brasil designado pelo governo italiano. Ele afirma que o que mais chamou sua atenção em Frechal foi a capacidade da comunidade de trabalhar em conjunto e de lutar contra a violência de um fazendeiro sem ajuda externa. Entidades como a Cáritas, o Centro de Cultura Negra e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, ainda segundo essa entrevista, chegaram lá depois que os quilombolas já tinham criado uma associação de moradores para lutar contra o pretenso proprietário das terras onde viviam.
De sua obra fazem parte O filósofo e o confessor – hermenêutica em Clifford Geertz (Milão, 1991; Do tribal ao global (em coautoria com Ugo Fabietti e V. Matera (Milão, 2000); Antropologia aplicada (Milão, 2002). Como professor por breve período na Universidade Federal do Maranhão, ocupou-se com a Epistemologia das Ciências Sociais. Em 2007, publicou pelas Edições do Senado Federal, volume 81, O Quilombo do Frechal: identidade e trabalho de campo em uma comunidade brasileira de remanescentes de escravos. Esse trabalho resultou de pesquisa na Baixada Maranhense, mais precisamente em Guimarães, em uma comunidade de descendentes de escravos, Frechal, a primeira comunidade quilombola a ser legalmente reconhecida no Brasil. . Nas palavras de Ugo Fabietti: "O Quilombo do Frechal [o livro] não é apenas um estudo particularizado que se dedica a descobrir uma forma de identidade coletiva numa comunidade de quilombolas em luta contra um latifundiário, com o fim de ver reconhecidos seus direitos à terra. É também um livro que, já ao se apresentar, apresenta problemas  metodológicos  cruciais para o estatuto  científico das ciências antropológicas".
A entrada do professor Malighetti em um de nossos quadros, com seu prestígio intelectual no Brasil e em outros países, continua uma tradição da AML de ter entre seus correspondentes intelectuais que honram as melhores tradições culturais da Casa. Bem-vindo, professor Malighetti.


9 de agosto de 2009

Jamais me diga Oi



Jornal O Estado do Maranhão

São quase diárias as notícias sobre os péssimos serviços das companhias telefônicas no Brasil. Mais de uma vez eu expus aqui o tratamento desrespeitoso delas com seus clientes. Certa ocasião, uma delas, prestadora de serviços na área de celulares, exigiu que a solicitação que eu desejava fazer, de cancelamento de uma linha, fosse feita por escrito, uma vez que não fora possível fazê-lo por telefone, depois de diversas tentativas, a meu ver por má-fé da empresa. Não apenas por escrito, exigiram eles, mas de forma muito mais moderna: manuscrita em papel almaço. Imagino e chego até ver o espanto do leitor. É a verdade, porém. As grandes empresas não têm limites quando se trata de enganar e manipular o público.
 Volto ao assunto, não porque se trata de um problema pessoal que se repete frequentemente, como veremos mais adiante. Insisto porque atormenta milhares e até milhões de pessoas de todas as regiões do país, segundo todas as informações disponíveis. Impotentes, os pobres cidadãos veem seus direitos espezinhados e jogados fora.
Vejam esta notícia recente, de O Globo. "Teste realizado pelo Instituto Brasileiro de Relações com o Cliente (IBRC) comprovou que os piores serviços de atendimento ao cliente (SAC) das empresas de telefonia celular foram da Claro e da Oi, com notas 4 e 7,5 [...]". O teste foi realizado um dia após o Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, entrar com uma ação na Justiça contra a Claro e a Oi/BrT com pedido de indenização coletiva por danos morais aos consumidores, por não cumprimento ao Decreto 6.523, que estabelece padrões mínimos de atendimento de parte dos serviços de telefonia.
Agora esta outra notícia: "O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), [...] entrou nesta terça-feira com duas ações judiciais coletivas, nos valores de R$ 300 milhões cada uma, contra as empresas Oi/Brasil Telecom e Claro, pelo desrespeito às regras dos serviços de atendimento aos consumidores"
Concordo com essas avaliações, pois sou uma das incontáveis vítimas da Oi. A identificação de chamadas de minha linha fixa, serviço pago, evidentemente, não identifica nada. Ou melhor, identifica, mas incorretamente porque sempre falta um dígito do número que chama. Por exemplo, se o telefone 9972-1586 chama o meu, aparece no identificador de chamadas tão só 9972-586, ou 9972-186. O certo é que está sempre errado. Mas o pior da Oi, neste caso, não é isso. Já fiz a solicitação de reparo do defeito 6 vezes. Em todas elas me prometem consertá-lo em 24 horas, mas nunca o fazem. Há quanto tempo isso ocorre? Há, aproximadamente um mês e meio, há quase quarenta e cinco dias, cara leitora.
Eu mencionei que isso era o pior? Então volto atrás. Não, sigo adiante e digo que o pior, mesmo, é o tratamento pelas atendentes. Pelo menos, na última vez em que tive a ousadia de reclamar das promessas não cumpridas anteriormente. Quando disse ser aquele meu sexto pedido sem nunca ter obtido a resolução  do problema, a moça desligou o telefone. Tentei de novo e outra atendente fez a mesma coisa. Não as culpo porque elas foram mal treinadas ou, ao contrário, foram muito bem treinadas pela Oi com o fim de assim agir com sujeitos como eu, chatos o bastante para incomodar o sossego da empresa com reclamações sem importância como essa.
Foi para isso que o Brasil, com acerto, privatizou o setor de telefonia? Com a finalidade de ficarmos na dependência de oligopólios que estão se lixando para as agências reguladoras do governo e as tentativas delas de imporem regras que "não pegam"? Na propaganda da Oi na televisão vemos um feliz rapaz com cara de "pegador" dizendo que se tornou um ligador como resultado dos serviços maravilhosos da empresa. Na prática, cada um de nós é, isso sim, um condenado sem culpa, uma vítima da ganância, incompetência e falta de respeito da Oi e assemelhadas, com seus clientes.
Se eu encontrasse com o excutivo-chefe da empresa e ele me saudasse: – Oi, Lino, eu responderia: – Jamais me diga Oi, senhor diretor.

26 de julho de 2009

Homenagem e Posse



Jornal O Estado do Maranhão

No próximo dia 2 de outubro, Joaquim Haickel, recentemente eleito para a Academia Maranhense de Letras, Cadeira 37, anteriormente ocupada por Nascimento Morais Filho, será recebido na solenidade de posse pelo acadêmico José Louzeiro, ocupante da Cadeira 25. Ambos, o empossando e o que o recebe, são homens com profundas ligações com o cinema. O primeiro, ao mesmo tempo em que escrevia poesia e contos e liderava movimentos culturais, produziu e dirigiu diversos filmes, como, por exemplo, The best friend, O amigão, com o qual conquistou o prêmio de melhor filme e de melhor filme de cineasta maranhense, no festival Guarnicê de Cinema e Vídeo, realizado pela Ufma em 1984. Em 2008, baseado em um conto que escrevera nos anos 80, roteirizou, produziu e dirigiu Pelo ouvido, filme selecionado para quase uma centena de festivais de cinema no Brasil e no exterior e atualmente faz o curta-metragem Padre Nosso.
Louzeiro, por sua vez, escreveu os roteiros de Os amores da pantera, dirigido por Jece Valadão; Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, baseado em romance homônimo dele, filme dirigido por Hector Babenco; Pixote, a lei do mais fraco, também baseado em livro dele, A infância dos mortos; O caso Cláudia, com o maranhense Miguel Borges e Valério Meinel; O homem da capa preta, com Sérgio Rezende e Tairone Feitosa; e diversos outros roteiros.
O que eu quero dizer é isto. Joaquim Haickel e José Louzeiro, por suas afinidades cinematográficas e pela amizade entre os dois, estão em tal sintonia que a recepção de um pelo outro na Academia parece não apenas adequada, mas, sobretudo, natural, inevitável, inescapável. É como se o encontro deles a 2 de outubro estivesse escrito desde sempre. E quem ousará desafiar o que há incontáveis séculos está nos livros?
Foi esta a razão de eu ter aceito sem vacilação a ideia de transferir a homenagem que a Academia prestaria a Louzeiro no dia de seu aniversário, 19 de setembro, para o dia 3 de outubro, logo depois da posse de Joaquim. Acontece que problemas de saúde de Louzeiro o impedem tanto de viajar frequentemente, como seria o caso de vir aqui em setembro e de novo em outubro, quanto de ficar ausente por longos períodos de sua residência no Rio de Janeiro, como aconteceria se ficasse entre nós de 17 de setembro, quando chegaria a São Luís, até 3 ou 4 de outubro. De qualquer maneira, haverá a posse, haverá uma palestra de Louzeiro e haverá uma homenagem a ele, durante um almoço que a Academia lhe oferecerá, eventos da Academia que comporão importante parcela de nossa programação este ano. Logo a seguir, no dia 9 do mesmo mês, teremos a posse de Ney Bello Filho na Cadeira 40, antes ocupada por Antônio Almeida.
Louzeiro é escritor de projeção nacional e, por sua vasta obra (romance, novela, conto, literatura infantil, roteiro de cinema, jornalismo), é reconhecido como um dos grandes escritores brasileiros de sua geração. É o criador no Brasil do romance-reportagem e já escreveu mais de 40 livros. Entre os mais conhecidos estão: Infância dos mortos; Lúcio Flávio, o passageiro da agonia; Aracelli, meu amor; Em carne viva, sobre o drama de Zuzu Angel e de seu filho Stuart Angel, morto sob tortura no período ditatorial pós-1964. Entre os infanto-juvenis: A gang do beijo; Praça das dores, uma lembrança dos meninos assassinados na Candelária, em 1993; A hora do morcego (Ritinha Temporal); e Gugu mania. Entre as biografias: Cantando para não enlouquecer, sobre a cantora Elza Soares; André Rebouças; O anjo da fidelidade, sobre Gregório Fortunato, o guarda-costas de Getúlio Vargas; Ana Neri, a brasileira que venceu a guerra. Coordena atualmente uma coleção de romances policias para a Editora Nova Fronteira, com 3 livros lançados: No fio da noite, de Ana Teresa Jardim, Juízo final, de Nani e A fina flor da sedução, dele mesmo.
O convite de Joaquim para sua recepção por Louzeiro e a homenagem da Academia a esse extraordinário homem de letras representam o justo reconhecimento da contribuição dele, muito pessoal e original, à cultura brasileira.

12 de julho de 2009

A Culpa de Sarney


Jornal O Estado do Maranhão

De que os adversários acusam José Sarney? Eu direi de que o acusam. Aqui no Estado, de ter inventado a pobreza. Um belo dia, aborrecido com o Eldorado maranhense, cansado de topar em cada esquina e a toda hora com milionários e bilionários, exibidos cidadãos orgulhosos de suas riquezas, Sarney decidiu inventar a pobreza maranhense. Povoe-se de pobres estas terras, decretou, sentença cujo eco até hoje reverbera.
Outros decretarão o esquecimento do marquês de Pombal. Como antigamente se sabia – pelo menos até o tempo em que se estudava a formação econômica do Estado –, esse poderoso ministro de d. José implantou aqui, como forma de garantir a Portugal a posse da região até então abandonada, um modelo econômico mercantilista que de fato atendeu os objetivos da Coroa Portuguesa no curto prazo, pois conseguiu incorporar o território ao domínio português. A economia gestada naquela época, último quartel do século XVIII, tinha como características: 1) o comando "de fora" e "para fora", pois nos especializamos em produtos tropicais de exportação dependentes de mercados no Mediterrâneo, no Mar do Norte e no Mar Báltico, sob o monopólio mercantil da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão; 2) um acanhado mercado interno, como resultado do escravismo; 3) alta concentração da renda pessoal da população livre, com poucas famílias detendo a propriedade dos fatores de produção, em especial da terra e da mão-de-obra escrava.
Os resultados iniciais, traduzidos num espetacular surto de riqueza durante boa parte do século XIX, se esgotaram a médio prazo. Em paralelo, suas características estruturais produziram efeitos negativos duradouros. Finda a demanda externa pelos produtos da plantation do Maranhão, passada a conjuntura externa favorável, tudo foi por água abaixo, levando consigo a riqueza de pés de barro. Ficaram a desigualdade e a injustiça social, como se pode ver das peculiaridades do modelo herdadas por sucessivas gerações de maranhenses e presentes até hoje em nossa sociedade. Dele provém nossa pobreza e não de Sarney, que muito fez e faz a fim de nos livrar dessas amarras.
Fora do Estado, no sul do país, de que acusam José Sarney? Vejam o paralelo irônico. Acusam-no também de ser inventor. Desta feita, da cultura política brasileira. O patrimonialismo, a cultura do favor, a confusão entre o público e o privado, o compadrio, o jeitinho brasileiro, talvez o maior de nossos defeitos, o nepotismo, conosco desde a Carta de Caminha, o poder desmesurado da burocracia, todos os vieses negativos de nossa formação política e sócio-cultural, tudo isso de repente foi inventado por Sarney. Quem no Senado pode atirar a primeira pedra? Curioso é Sarney não ter sofrido nenhuma acusação nas duas passagens anteriores dele na presidência do Senado. Antes não era culpado de nada. De tudo é agora!
Dizer isso não implica oposição às mudanças necessárias a nosso aperfeiçoamento institucional. Ao contrário. Elas são imperiosas, mas terão de ser de todos ou fracassarão. Muita coisa tem de ser mudada. Quase tudo em verdade. As distorções no Senado e em quase todas as instituições públicas brasileiras estão enraizadas em nossa cultura. A questão, como disse com rara felicidade o professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – Iuperj, Fabiano Santos, "passa a ser como enquadrá-las e como evitar o perigoso efeito da despolitização que uma sistemática onda de 'escândalos' pode causar. [...] Em nome da ética há uma politização excessiva de um processo que é em boa medida administrativo [...]". Aí está. O processo é administrativo, todavia está politizado contra Sarney.
As paixões políticas momentâneas, inclusive as ligadas à sucessão presidencial de 2010, têm tomado a dianteira em algo de caráter administrativo e que, afinal de contas, poderá resultar em mudanças positivas, há muito esperadas, para o Poder Legislativo e a sociedade. Esta será a beneficiária final da modernização que conseguirmos imprimir às instituições nacionais.

28 de junho de 2009

Atividades Acadêmicas



Jornal O Estado do Maranhão

Foi de atividade intensa a semana da Academia Maranhense de Letras. Na quinta-feira, tivemos a realização da eleição para o preenchimento da Cadeira 40, vaga com o falecimento do grande artista plástico Antônio Almeida. O eleito foi Ney Bello Filho.
Ele tem 40 anos de idade, é bacharel, mestre e doutor em Direito, pós-doutorando pela PUC do Rio Grande do Sul, professor adjunto da Ufma, professor da UNDB, professor pesquisador das Universidades Lusíada, de Porto, Portugal, e da Universidade Federal de Santa Catarina. É, ainda, professor de Direito Ambiental do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Foi professor visitante em 2005 da Universidade Lusíada, Porto, Portugal e da Universidade Ibero-Americana na Cidade do México, em 2006.
Faz  palestras no Brasil e no exterior e publicou cinco livros na área de Direito, em co-autoria. De sua própria autoria são dois: Sistema Constitucional Aberto e Oitenta Semanas de prosa.
Foi promotor de justiça, procurador da República, procurador regional eleitoral, juiz do TRE-MA, corregedor eleitoral e desembargador federal convocado, entre 2006 e 2009. É juiz federal há 15 anos.
São muitas as qualidades do novo acadêmico. Intelectuais, mas não só.  Ele tem o espírito gregário tão necessário à convivência acadêmica, entusiasmo em tudo que faz e é de agradável convivência. Irá contribuir com sua juventude, não tenho dúvida, para um renovado engrandecimento da Academia e o clima de harmonia da Casa.
No dia seguinte, 26, sexta-feira-feira, a Academia recebeu o professor doutor Rafael Moreira, desde 1998 professor associado da Universidade Nova de Lisboa, para uma palestra sobre a arquitetura colonial de São Luís. Ele, que tem origens maranhenses, aqui viveu boa parte de sua infância, tendo familiares na cidade. Antes do início de sua fala, entreguei-lhe o diploma de membro da Academia, no quadro de correspondentes.
Obteve a licenciatura em História, na Faculdade de Letras de Lisboa, em 1974; mestrado em História da Arte na Universidade Nova de Lisboa - UNL, em 1982 com a tese "Um Tratado Português de Arquitetura do Séc.XVI"; doutorado em História da Arte, na UNL, em 1991 com a tese "A Arquitetura do Renascimento no Sul de Portugal: a encomenda régia entre o romano e o moderno"; pós-doutorado em Paris-Sorbonne, sob a orientação do professor André Chastel. Organizou e coordenou catálogos em diversas exposições, como em Bruxelas, Viena, Lisboa e Porto.
Foi professor visitante da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos de1999 a 2000,  professor convidado das Universidade de Innsbruck em 1995 e de Toulouse-Le Mirail em 2009 e de diversos mestrados na Espanha e França. Exerceu a função de conselheiro de História de várias obras de restauro da Fundação Gulbenkian, entre elas a do painel que retrata a Praça do Comércio de Lisboa, encontrado pela equipe do Projeto Praia Grande  liderada por Phelipe Andrès, em 1982, em sobrado próximo à Feira da Praia Grande em São Luís. Foi ele quem identificou, em 1993, esse mural e estabeleceu sua autoria como do arquiteto português João Cândido Guilhobel.
A palestra mostrou a profundidade dos conhecimentos do professor e a sutileza de sua análise da arquitetura colonial de nossa cidade, que também é dele. Ele falou sobre a frequente associação da arquitetura pombalina com a cidade. Não contestou essa relação, mas lembrou que isso se dá mais claramente em Belém do Pará, sendo as construções daqui de feição mais militar.

31 de maio de 2009

Espírito de Porco



Jornal O Estado do Maranhão

A gripe anda solta pelo mundo. Suína, dizem. Quem pode garantir? Vai ver, os porcos são como os mordomos de filme policial ou de suspense, tudo é culpa deles e nada é. Os próprios especialistas de televisão que sempre dizem o óbvio, desta vez parecem mais úteis. Eles afirmam não haver provas da culpa dos pobres suínos pela endemia, pandemia, epidemia ou seja lá o que for. Apenas por serem porcos é deles a culpa por toda porcaria do mundo, pela sujeira globalizada, pela poluição geral? Depois de passarem séculos nos fornecendo aquelas deliciosas e irresistíveis costeletas e sendo objeto de desejos incontroláveis de nossa parte, agora vamos difamá-los dessa forma, atirando a seus ombros, ou melhor, a suas banhas, todos os pecados cometidos por um vírus misterioso?
Se examinarmos a polêmica com mais vagar, porém não tão devagar que haja tempo para nos contaminarmos, poderemos chegar a esta conclusão: foram os galináceos os responsáveis pelo início dessa confusão. Afinal, galinhas são, falemos claro, galinhas. Vão ali rapidinho com o primeiro galo que aparecer. Ora, a gripe, todos sabem, se transmite pelo ar ou pelo contato íntimo, como o beijo. Sei que dois bicudos, galo e galinha, não se beijam. Mas, se bicam. Este comportamento poderia constituir o vetor de transmissão. Prova é a existência de uma gripe chamada aviária. Não haveria meio de ela se espalhar, se não se bicassem. Ela nem existiria, aliás, pois se extinguiria logo no início, por impossibilidade de se disseminar.
Hipótese alternativa é a de atribuir aos macacos a responsabilidade pelo mal. Faz sentido, porque os macacos são dados a macaquices. Neste caso, de muito mau gosto, é verdade, mas, de qualquer modo, macaquice. Não dizem os biólogos evolucionistas que homens, chimpanzés, gorilas,orangotangos e bonobos são geneticamente muito próximos? Quem se surpreenderia então se a epidemia tivesse origem nesses nossos primos, nos bonobos, por exemplo, passando em seguida à espécie humana? Durante muito tempo vistos como chimpanzés-pigmeus, eles são famosos por resolverem seus conflitos com o manejo oportunista de sexo. Se o bicho pega, quero dizer, se o macho pega a fêmea bonobo, ninguém briga. Com essa vida promíscua, eles devem ser os responsáveis pelo deus nos acuda de hoje.
Todavia, se os porcos e as galinhas não forem os culpados, a epidemia só pode ser uma cachorrada daquelas. Digo por quê. Com quem as madames têm contato íntimo? Com os maridos, os amantes? Não. Com seus queridos poodles e assemelhados. Um passeio aqui, uma viagem ali (os pobrezinhos vão a todos os lugares) e o bicho se contamina com um vira-lata qualquer. Daí, sua mãe humana é contaminada e tem início a corrente. Seu companheiro, mesmo sem chegar perto dela, também pega, no ar condicionado da alcova, a secretária dele também, esta transmite a seu ficante e por aí vai.
Qualquer que fosse o animal transmissor, no entanto, se de fato um tivesse algo a ver com a crise, causada por um vírus que é uma mistura de vários outros, inclusive do vírus da gripe humana, ele estaria apenas devolvendo um torpedo lançado sobre ele pelos humanos. É muito bem documentado o fenômeno da contaminação de animais por nossa espécie. Não há como reclamar de porcos, galinhas e cachorros. Eles são nossos credores, condição insuficiente para livrá-los de serem utilizados como metáforas injustas de nosso comportamento. Fulano é um porco, ou um galinha, ou um cachorro, ouve-se a toda hora. Vilipendiados animais!
Essa história me faz lembrar da gripe asiática. Ela matou milhões de pessoas, passou aqui, em 1957, e me pegou de jeito, com meros nove anos de idade. Febre alta, dores, delírios e calafrios. Minha sobrevivência se deu graças a Dr. Amaral de Matos e cuidados maternos.
A Organização Mundial de Saúde resolveu mudar o nome da gripe atual. Agora é Influenza A/H1N1. Justa a mudança (justiça aos porcos, já). Injustiça seria chamá-la, por sua aparente origem no México, de mexicana. Quem teve a ideia de batizá-la assim não passa de um espírito de porco.

Machado de Assis no Amazon