29 de novembro de 2009

Escassez ou Excesso?



Jornal O Estado do Maranhão, 29/11/2009

Há semanas em que a síndrome da página em branco, cuja etiologia tem origem na falta de assunto, acabrunha e assombra o cronista e o leva a amaldiçoar o compromisso assumido com o jornal e a encher linguiça textual. Ele fala então justamente da falta de assunto. Em seguida, fingindo-se surpreso, declara o esgotamento de seu espaço e de imediato finaliza o texto. Mas, eu não quero encher linguiça. Vamos aos fatos.
Nesta semana, o problema é de natureza oposta. Não há escassez de assuntos, mas excesso e pouco espaço para sobre eles dar informações. Primeiro, a Academia Maranhense de Letras elegeu na quinta-feira passada a Diretoria a ser presidida por Mílson Coutinho no biênio 2010-2012. Tivemos a 3ª Feira do Livro de São Luís, que se encerra hoje. Só pelo fato de ter sido realizada, em meio às dificuldades naturais na organização de eventos como esse na passagem de uma administração pública a outra, a iniciativa já merece elogios, porque lança a mensagem da continuidade e, por conseguinte, mantém São Luís no calendário cultural do país.
Tivemos também, e ainda temos, pois ele ainda não deixou a cidade, a presença entre nós do jornalista, romancista e roteirista José Louzeiro. Ele, que reside no Rio de Janeiro, é um dos homenageados da Feira e vem a São Luís pela segunda vez este ano, já que, a convite da Academia, onde ocupa a Cadeira 25, esteve aqui em agosto. Recebeu naquela ocasião merecidas homenagens.
Ontem, sábado, dia 28, a Federação das Academias de Letras do Maranhão – Falma foi instalada na nossa sede, o mesmo local de sua fundação no ano passado, no mesmo 28 de novembro. Ali funcionará provisoriamente. É a realização de uma ideia antiga, de amplo curso e já realizada em outros Estados. Somente no ano passado pode ser levada adiante por academias do interior do Estado com o nosso apoio e coordenação. Sua primeira diretoria, presidida por Álvaro Melo (Vavá), com mandato de três anos, foi empossada na ocasião.
Por fim, dos eventos da Feira, chamo a atenção do leitor para o lançamento de Breganejo Blues, de Bruno Azevedo, romance com uma prosa atual, ambientado em São Luís. Além do texto, usado criativamente por um prosador original e moderno, Bruno, se utiliza da linguagem do quadrinho, estando familiarizado tanto com a tradição quanto com os movimentos literários contemporâneos.
Volto à AML. A despeito das sugestões de muitos acadêmicos de que eu deveria me candidatar à reeleição, preferi não continuar na Presidência, por razões puramente pessoais. Está entre elas o desejo de dispor de tempo – hoje usado no cumprimento das tarefas acadêmicas em tempo integral e dedicação exclusiva – a fim de me aplicar, sem, claro, abandonar a convivência acadêmica, aos meus próprios interesses intelectuais, à leitura mais consistente e aprofundada da literatura contemporânea, à produção de meus próprios textos, que não crônicas, a conhecer outros países, a maior e melhor convivência com a família e amigos. As responsabilidades de meu cargo de Presidente, em especial no ano do Centenário da AML, comemorado com uma programação rica e diversificada, empreitada a que não faltou apoio da Diretoria e dos acadêmicos, não me permite a realização de tais desejos. Neste ano de 2009, muitas coisas foram feitas e teremos, ainda, até janeiro, lançamentos de livros e abertura do nosso site na internet.
A nova Diretoria, cuja posse se dará somente no dia 4 de fevereiro, será liderada por um acadêmico que por repetidas vezes deu demonstração de apreço pela instituição a que pertence há 28 anos. Sua trajetória é a de um disciplinado intelectual e um historiador em busca permanente das fontes primárias, avesso à mera compilação de bibliografia ou paráfrase de trabalhos alheios. Seu espírito, voltado para o exercício da paciência, é garantia da continuação do espírito de harmonia na Academia.
Uma Casa como a nossa é construção coletiva, obra de gerações que o tempo se encarrega de transfigurar em túnica inconsútil. Esse, o significado profundo da passagem de uma administração a outra.

15 de novembro de 2009

Pela USP, contra as diretas



Jornal O Estado do Maranhão, 15/11/2009

No imenso lago de mediocridade formado pela educação superior do Brasil, a Universidade de São Paulo é ilha que resiste à ofensiva da barbárie autonomeada de esquerda, cuja orientação ideológica caracteriza-se pela intransigente defesa de privilégios corporativistas e outras sandices desmoralizadas no resto do mundo civilizado e próspero.
Em meus anos de estudo de Economia nos Estados Unidos, na Universidade de Notre Dame, no Estado de Indiana, na região dos Grandes Lagos, pude, mais de uma vez, testemunhar o prestígio da Usp. Era a única instituição brasileira de ensino superior cujos créditos Notre Dame aceitava como bons  para completar as exigências curriculares das diversas disciplinas, pelo menos no Departamento de Economia, no programa de doutoramento.
O método de seleção dos dirigentes adotado pela Usp, ao privilegiar o mérito acadêmico, contribui para a formação de tal conceito no exterior. Ela ainda não foi e, espero, não será contaminada pelo fetiche da eleição direta como a maneira "mais democrática" de chegar-se ao melhor reitor. A universidade adotou regras semelhantes às utilizadas na escolha de um primeiro-ministro no parlamentarismo – indireta, pelo parlamento –, parecidas com as amplamente utilizadas em países reconhecidamente democráticos, como a maioria dos europeus.
Como são feitas as coisas na Usp, afinal? Do primeiro turno, participam os membros do Conselho Universitário, dos Conselhos Centrais e das Congregações das Unidades. São representantes do corpo docente, discente e dos funcionários, com peso maior atribuído aos primeiros, como deve ser. A votação é secreta, devendo cada eleitor escolher três nomes de professores titulares em atividade. Ora, estes representam o saber e, nesse sistema, como se vê, ficam com o poder, pela razão óbvia de trabalharem numa casa de produção de saberes. É um procedimento de fato democrático Ele evita não a politização, mas a partidarização da instituição. Esta não corre o risco de eleger tão só o mais hábil politicamente ou de maior capacidade de fazer promessas irrealizáveis dirigidas á corporação de professores, alunos e funcionários, de forma convincente, segundo lógica e interesse partidários e sem preocupação com a competência acadêmica, qualidade em falta na maioria dos políticos, em especial dos minúsculos grupos revolucionários de passeata ou piquete.
Escolhidos oito nomes, a disputa vai para o segundo turno. Nessa fase, o Colégio Eleitoral é formado apenas por membros do Conselho Universitário e dos Conselhos Centrais. São eleitos então os nomes da lista tríplice a ser encaminhada ao governador do Estado, que faz a opção final. O modelo uspiano garante a qualidade do ensino e pesquisa pela ênfase na meritocracia e não na companheirocracia.
Foi com a intenção de impedir a realização do pleito que um grupo de duzentos manifestantes (existe um corpo de 106 mil alunos), majoritariamente ligados a uma tal de LER-QI – Liga Estratégia Revolucionária, uma dissidência PSTU, partido, como todos sabem, de eleitorado avaliado em dezenas de milhões de votantes, bloqueou as entradas do prédio da reitoria, local da eleição, realizada, no entanto, no dia seguinte. A justificativa das ações antidemocráticas era de ser antidemocrática a forma de escolher.
Pesquisa feita na própria Usp, com a utilização de informações de 27 estabelecimentos universitários situados entre os melhores do mundo mostrou que nenhum adota eleição direta. Não existe exemplo de universidades dirigidas por reitores eleitos desse modo que desenvolvam melhores e mais relevantes pesquisas do que as adeptas de métodos diferentes. As melhores seguem, sim, um modelo semelhante ao da Usp.
O investimento anual do governo de São Paulo nessa instituição, de R$ 2,6 bilhões, só terá justificativa se ela mantiver a qualidade, reconhecida internacionalmente, de sua pesquisa e ensino. Não será com piquetes, esquerdismo infantil e partidarização que prestígio como esse, com origem na qualidade de sua produção, será preservado.

1 de novembro de 2009

Assim, não Vale



Jornal O Estado do Maranhão, 1/11/2009

O pessoal do PT não estava brincando quando falou em reestatizar a Vale. É um posicionamento  explicável, mas não justificável, porque, caso tal besteira prevalecesse, estaríamos frente à criação de milhares de boquinhas em forma de cargos estatais a serem colocados nas mãos – em verdade, também nos bolsos e nas contas bancárias – dos companheiros do partido. Como, aliás, já se comprovou repetidas vezes pelo já realizado em outras estatais, agências reguladoras e assemelhadas.
Pois agora é o próprio presidente da República quem resolve agir como se a Vale continuasse a ser empresa do governo. Lula decidiu, num acesso de chavismo que, tenho esperança, será temporário, ditar estratégias e táticas empresariais e escolher as áreas em que a empresa deveria investir. Sugeriu, por exemplo, que a Vale deveria fazê-lo em siderurgia, com certeza respaldado em detalhados e sofisticados estudos de mercado. Ora, tal linha de ação empresarial levaria a uma ilógica concorrência da empresa com seus atuais clientes, que dela compram minério de ferro. Também, a Vale passaria a atuar num ramo cuja tecnologia, expertise gerencial e outros fatores estratégicos ela não domina e cuja aquisição demanda tempo e gastos adicionais.
Há mais, porém. Como o bê-á-bá da economia nos alerta, investimentos já realizados, neste caso na exploração do minério de ferro, não se transferem, total ou parcialmente, com facilidade ou em prazo curto, de um setor a outro. Isso requer um tempo longo o suficiente para permitir a conversão dos ativos atualmente utilizados na exploração do minério (máquinas e equipamentos, em especial) em ativos adequados à área siderúrgica. Inversões novas nesta exigiriam recursos adicionais não disponíveis de imediato. Ou será que os economistas de araque pensam nos recursos da Vale como infinitos? Em termos práticos, atender ao pedido de Lula seria como criar uma nova e gigantesca empresa, com prazo dilatado de maturação. Mas, qual palpiteiro se importa com isso se os recursos dele não entram no jogo?
Por ironia, os gastos em programas do governo andam claudicantes e são mal feitos, com cronogramas atrasados e denúncias de má aplicação de recursos. De quem, a culpa? Responde o governo: do Tribunal de Contas da União e do Ibama. Este porque supostamente faz exigências ambientais descabidas, aquele porque exageraria na fiscalização. Os dois se tornaram os vilões dessa história. A incompetência gerencial pública, não.
Alegam os estatizantes que a Vale foi construída com dinheiro do povo e, assim sendo, deveria voltar a seu controle. Confundem, com essa pobre visão, uns de boa, outros de péssima fé, burocracia estatal com povo e se esquecem de que a empresa, depois de privatizada, multiplicou empregos, receitas, lucros e impostos para as já abarrotadas burras governamentais em quantia muito mais elevada do que a dos parcos dividendos pagos antes por ela ao erário, como estatal.
O que a trajetória estatizante no Brasil e no resto do mundo torna evidente, senão a apropriação por uma elite burocrática, politicamente escolhida, arrogante e sem conexão necessária com a competência profissional, do controle de empresas estatais, em seu benefício? É tocante, até, ver pessoas, em geral jovens, bradando em passeatas contra a privatização e defendendo, na prática, privilégios desse tipo, sob a ilusão de defenderem "o povo" e não os tecnocratas. O Brasil não precisa de reestatização, com a imensa e inevitável procissão de novas oportunidades de corrupção – lembremos que o setor público já consome quase 40% do nosso Produto Interno Bruto. Precisa, sim, de mais  capitalismo e privatização. Da Petrobras, por exemplo, sempre usada eleitoralmente, como todas as estatais seriam e são.
O preço do estatismo selvagem e interessado, feito com um olho em cargos da burocracia do governo, é a ineficiência econômica e, por conseguinte, o desperdício de recursos escassos, mas tão necessários a um país que precisa acelerar de verdade seu crescimento, para não empacar.
Assim, não vale.

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