22 de julho de 2001

Ver para crer

Jornal O Estado do Maranhão
É impossível deixar de pensar que os órgãos públicos e empresas privadas que realizam obras nas ruas de São Luís não o fazem com a intenção de provocar engarrafamentos de trânsito. Não falo das obras grandes, mas dessas pequenas, com grande poder de irritação. Se a razão não é essa, qual, então, a explicação para fazerem os serviços justamente na hora de maior movimento? Qual a enigmática razão para a indiferença com que infernizam nossa vida, sem colocar, pelo menos, uma placa de aviso? “Estamos trabalhando para seu desconforto. Sempre”.
Chego a pensar que há planos muito bem elaborados, com reuniões semanais de acompanhamento dos resultados. Os detalhes de cada operação são analisados pelos planejadores: o número de participantes, o transporte a ser usado, o fluxo de carros no lugar escolhido, as estatísticas do ano anterior, a declividade da pista, a curvas, a sinalização. Tudo para garantir o sucesso dos engarrafamentos.
Já fantasiei, até, que chegam a consultar o serviço de meteorologia. Se a previsão é de chuva, ótimo. Alguns sonham mesmo iniciar uma obra às seis da tarde de uma quinta-feira, véspera de um feriadão, na avenida mais movimentada da cidade.
Imagino a seguinte situação nas reuniões de avaliação. O chefe chega e pergunta a quantas anda o calendário de execução do plano. (A palavra aí significa executar tanto as obras quanto os motoristas). Algazarra imediata. Todo mundo quer dar uma dica para aperfeiçoar o trabalho. Alguém diz conhecer um lugar ideal, principalmente para dias de chuva. O chefe lembra que engarrafamentos no caminho para o escritório dos planejadores estão proibidos.
Como a imaginação humana não tem limites, nunca falta uma boa sugestão. Ainda mais que, sendo os engarrafamentos criados, obrigatoriamente, em horários de grande movimento, de preferência na volta para casa, quando as vítimas já estão morrendo de fome, o gostoso mesmo é participar da escolha do local ideal. As ruas e avenidas são escolhidas em votação secreta, em urna eletrônica, não se sabe se à prova de fraude.
Em meu pesadelo, vejo o entusiasmo com que as equipes partem para cumprir a missão! Não tem aquele negócio de deixar para o outro dia, vamos ver, pode ser, quem sabe. Tem que ser logo. Nada de pedidos de dispensa, sob a alegação de doença, ou faltas ao serviço no grande dia. Surpreender é fundamental. Avisados, os motoristas poderiam descobrir vias de escape, levando ao fracasso da operação daquele dia. Deve ser por isso que há tanta variação do local de ataque. É a surpresa como arma.
Visualizem agora a confusão. Sol de derreter a estátua do Duque de Caxias, no João Paulo, ou, ao contrário, chuva bíblica; buzina de automóvel, fumaça preta de ônibus, queda de bicicleta, choro de criança, idoso sem ar fresco, reclamação, soluço, desmaio, ranger de dentes. Tem até gente que, em resposta aos apelos e exigências da natureza, dá uma corridinha ali para o mato e volta aliviada.
Os planejadores devem achar que, apesar de chateadas, as pessoas irão verificar que alguém, pelo menos, está trabalhando pelo bem da comunidade. À noite ou nos fins de semana ninguém iria perceber nada. A alma do negócio não é o segredo, é a propaganda Tem de fazer como a galinha, pôr o ovo e cacarejar. Só que o cacarejo é de taboca rachada.
Não seria absurdo afirmar que a cerveja corre solta na volta à base de operações. A comemoração vai até tarde. Euforia completa. Alguém comenta sobre as reações das pessoas, achando-as exageradas. Outro se lembra de ter visto, recentemente, em um engarrafamento, aquele senhor, que se abanava toda hora. A pobre vítima não foi capaz de prever o ataque e evitá-lo. É uma prova do sucesso do plano.
Quando se está ali, engarrafado, passam essas coisas todas pela cabeça. Depois, libertos, em casa, com calma, muda-se de idéia. Para que ficar vendo fantasmas à luz do dia? Foi, tão-somente, um descuido inocente. Não vai acontecer novamente. Confiem. Vocês vão ver. Ver para crer!

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