10 de junho de 2001

Fora o "FORA”

Jornal O Estado do Maranhão 
Tornou-se um reflexo condicionado, pavloviano, da oposição, o grito “fora FHC”, toda vez que se anuncia uma queda na popularidade do presidente. Começa-se a falar logo em impeachment e outras formas de tirá-lo do cargo.
Essa atitude é uma faca de dois gumes. Se funcionasse, hoje, contra o governo, com mais força funcionaria contra a oposição, caso ela viesse a ser governo. Grande seria a vulnerabilidade a esse grito, somente para exemplificar, de um eventual governo de Lula. Ao preconceito injustificado de que ele não está preparado para governar, se juntariam eventuais baixas de popularidade, para servir de desculpa a sua derrubada.
É preciso ter em conta que ninguém pode governar nem julgar o governo com o olho no ibope. A opinião pública é volátil e acompanha os humores oscilantes da economia. É influenciada por inúmeros outros fatores, fora do controle de quem quer que seja, situação ou oposição. Colocar e tirar governos, de acordo a linha sinuosa das pesquisas de opinião, seria o caos institucional.
É função dos governantes atender os anseios da sociedade, mas também exercer um papel de liderança. Em muitas ocasiões eles têm a obrigação de tomar medidas impopulares que, naturalmente, afetam a avaliação de curto prazo que a sociedade faz deles. Mas, se assim não agissem, melhor seria ter um robô programado para tomar deicsões com base nas pesquisas.
Em nosso presidencialismo, infelizmente ratificado em plebiscito, não temos os mecanismos do parlamentarismo que permitem a mudança de governo, quando ele não vai bem, com trauma institucional mínimo. E, mesmo aí, a mudança não é simples.
Pela regra atual, aceita por todos, os quatro anos de mandato têm que ser cumpridos. Compridos embora a oposição os possa achar. A crescente impopularidade de Marta Suplicy seria motivo para expulsá-la da prefeitura?
E no caso de popularidade em alta? Haveria razão para gritar, por exemplo, “fica FHC” ou “fica Lula”? Essa seria a implicação lógica desse golpismo ibopiano. Margareth Thatcher ficou quase doze anos no poder. Por contraste, outros primeiros ministros não completaram, sequer, quatro anos. Tudo sem golpes, dentro das regras do jogo parlamentarista britânico.
A verdade é que o presidencialismo no Brasil impede qualquer presidente de obter maioria estável no Congresso Nacional. As negociações não são feitas entre o governo e os partidos políticos, em nome de programas acatados pela maioria e atacados pela minoria nas eleições, que são a única pesquisa que conta. Os acertos se dão entre o chefe do executivo, ou seus líderes, e os congressistas individualmente.
Cada votação vira uma batalha de uma guerra permanente e desgastante. É quando se vê uma grande tropa de parlamentares nos gabinetes dos ministros e do presidente. Cada um tratando de seus próprios interesses, com o respaldo de uma legislação partidária permissiva, anárquica e desagregadora. O cidadão se elege por um partido e, antes de tomar posse, já mudou de galho que é como são vistos os partidos, meros galhos. Ou quebra-galhos.
Desse modo, o fisiologismo é inevitável. Como não se negociam programas, mas interesses individuais, a moeda de troca são favores do executivo. Difícil cumprir qualquer programa assim. A queda de popularidade é uma conseqüência de o governo não conseguir implementar seus programas, que se tornam ficções. Não me lembro de presidente algum que tenha sido consistente e longamente popular no Brasil, após a redemocratização. Ou que não tenha sido acusado de fisiologismo.
Antes de gritar “fora” ou “fica”, deveríamos trabalhar pela implantação da reforma política, a mais importante para o país na atualidade. Na ausência dela, é difícil progredir nas outras áreas. Sem disciplina partidária e voto distrital, este para diminuir a influência do poder econômico, seremos, sempre, prisioneiros de falsos dilemas políticos. Por que não experimentar o parlamentarismo? A hora é de reformas. Grito, só um: fora o “fora”.

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