23 de outubro de 2011

Palavra de honra


Jornal O Estado do Maranhão


Samuel Johnson (1709-1784), autor do famoso Dicionário da língua inglesa, de 1755; de uma edição comentada das obras de Shakespeare, de 1765; da descoberta de que as obras atribuídas pelo poeta escocês James Macpherson, contemporâneo de Johnson, a um suposto poeta irlandês do século III, chamado Ossian, não eram deste, e, sim, do próprio Macpherson; e autor, ainda, das Vidas dos mais eminentes poetas ingleses, obra escrita entre 1779 e 1783, costumava classificar o patriotismo como o último refúgio dos canalhas. O dito pode ser tomado em seu sentido original e literal para classificar os argumentos usados pelo Poder Executivo brasileiro em sua burlesca disputa com a Fifa e a CBF sobre a realização aqui em 2014 da Copa do Mundo de Futebol.
A história é esta. O Brasil teve sua candidatura única à realização da Copa aprovada a seis anos do início da competição, a ser realizada daqui a três. Hoje, depois de três anos da escolha, praticamente todas as providência de responsabilidade brasileira estão atrasadas. Pode haver alguém disposto a dizer que no fim tudo se arranjará e as coisas acontecerão como previstas. No entanto, esse é um argumento de difícil uso pelo governo. Se dele lançar mão, estará confessando sua irresponsabilidade e ouvirá a pergunta: Por quê? Seis anos não bastam? Vocês não sabiam que seis anos são seis anos?
Se não sabiam, digo eu, se pensavam que seis anos são seis anos vezes dez, comprometeram-se com o desconhecido, mais uma irresponsabilidade. Se, ao contrário, conhecem aritmética, deveriam ter levantado o traseiro da poltrona e feito seu trabalho. Falta de tempo bastante à tarefa, não foi a causa da demora.
Entre os compromissos assumidos está o de estabelecer uma lei geral da Copa. Ela deveria estar em vigência há dois anos. Não está. Nela serão inscritas diversas regras discutidas com antecedência entre aquelas entidades e autoridades brasileiras, que com elas concordaram, com vista ao bom andamento da competição e à preservação dos direitos comerciais das entidades envolvidas em sua organização – Fifa e CBF – bem como de marketing de patrocinadores, transmissão de TV, etc.
Como todo mundo sabe, a Copa é um evento esportivo e, igualmente, ou principalmente, um megaevento de negócios, como não poderia deixar de ser. Ou queremos algo do porte de um campeonato mundial de seleções sem alguém disposto a bancar seus custos e riscos a troco, é evidente, de justa remuneração acordada previamente? Na famosa lei, até o momento virtual, existente apenas como projeto no Congresso Nacional, foi incluído um dispositivo que dá a estudantes e idosos desconto de 50% nos ingressos, em prejuízo da receita dos jogos, com óbvias repercussões financeiras sobre grandes atores envolvidos na Copa. A medida, se de fato adotada, irá encarecer o preço das entradas.
 Aqui entra Samuel Johnson. Figuras governamentais e a quase totalidade da mídia recorreram ao argumento patriótico para justificar o descumprimento de acertos prévios com a Fifa e a CBF, no caso específico dos ingressos e, da mesma forma, em outros. Inicialmente, o acertado era o impedimento de qualquer desconto. Os patriotas exaltados disseram então que por motivo de soberania nacional o Brasil não deve abrir mão de dar os 50% por causa de leis existentes aqui, como se elas não vigessem na época das primeiras tratativas. Se for assim, se prevalecer essa posição, deve o governo compensar quem de direito pelo desfalque na arrecadação. Mas, não é assim. A questão não é de uma ridícula soberania de um país sem controle de suas fronteiras. É de cumprimento da palavra empenhada não por Lula ou Dilma, mas pelo Brasil. A questão, patriotas postiços, é de acabar com o nefasto jeitinho brasileiro de prometer tudo e não cumprir nada, achando que depois vai ocorrer um milagre.
Essa confusão me lembra dos tempos de criança. Quando queríamos dar garantia definitiva de cumprimento de um acordo, dizíamos de maneira solene: Palavra de honra!
Não se refugiem no patriotismo, patriotas de picadeiro. Cumpram, com ou sem honra, a palavra do país.

9 de outubro de 2011

ONGs

Jornal O Estado do Maranhão

Acertada e a bom tempo a decisão do recém-empossado ministro do Turismo, Gastão Dias Vieira, de suspender os convênios de ONGs com o Ministério atualmente sob sua direção, para exame detalhado de possíveis e prováveis irregularidades. Como a imprensa está cansada de noticiar, não são de agora as suspeitas de uso de verbas públicas por essas organizações para fins não propriamente públicos, mas privados. Tal procedimento levou em muitos casos ao sufocamento e posterior encerramentos das atividades daquelas que em número não pequeno sem dúvida prestavam e ainda prestam bons serviços de caráter social.
O curioso sobre as ONGs é serem, no Brasil pelo menos, verdadeiros oximoros ambulantes, pois, tendo em sua denominação genérica a intenção ou a decisão de não serem governamentais, com entusiasmo o são, mais do que qualquer outra organização, porque não vivem sem dinheiro governamental (são privadas, mas não o são), ou dito de outra forma, só vivem dele, farto e generoso, não sei se sob a devida fiscalização. A desenvoltura delas é tanta que criam a impressão de falarem em nome do povo. No caso das ONGs ambientais, elas se julgam a própria consciência do conservacionismo nacional. Afinal, quem as elegeu ou a seus dirigentes para falar pela sociedade? Quem lhes deu um mandato para representarem o nosso pensamento?
 Nesse aspecto, tive uma experiência valiosa com respeito ao aprendizado das manhas do setor quando fui secretário do Meio Ambiente nos dois primeiros governos Roseana Sarney. Sofri assédio de algumas, não muitas, pois aqui no nosso Estado elas são em pequeno número. Uma tentou obter da Secretaria uma boquinha argentária, recursos de cuja aplicação nunca prestaria contas ou o faria ficcionalmente. Seu chefe, ou dono, ou capo, como se queira chamar, era um sujeito autointitulado jornalista. A julgar pelas agressões sistemáticas e incansáveis ao idioma pátrio, a faculdade onde ele estudou deveria ser fechada imediatamente. Ele não conseguia juntar nada com nada ao escrever uma simples linha.
Uma vez me enviou uma correspondência que começava assim: “Senhor secretário, diante mão quero [...]. “Diante mão”, quando o sujeito queria dizer, suponho, “de antemão”. De sua vasta produção literária, não cito outros achados da mesma natureza porque não quero com eles ocupar o espaço restante desta conversa quinzenal. Com críticos assim, nenhum secretário precisa de quem o elogie.
Tendo uma coluna num jornal local, o “jornalista-ambientalista” era considerado um guia, uma referência por muita gente do setor e fora dele. Como não obteve meio grama do vil metal do governo, passou a me atacar, mas por mim foram ignorados a coluna e ele, o contumaz agressor do português. Pela falta de uma delegacia especializada em crimes contra a língua nacional, não o levei à polícia onde ele poderia ser obrigado a escrever duzentas vezes num caderno pautado: “Não devo maltratar o idioma de minha pátria”. Ou levar meia dúzia de bolos, à moda antiga, além de chibatadas, de forma semelhante à proposta do senador Reditario Cassol para condenados que se recusarem a trabalhar na prisão.
Em seu início, essas organizações guardavam a imagem de serem feitas por pessoas dispostas a dedicar parte do tempo de seu próprio lazer a atividades de interesse público. Ainda hoje é o que a maioria faz, notadamente as pequenas. Elas representam quase 80% do total, segundo o IBGE. As grandes, no entanto, tornaram-se verdadeiras empresas, meio de seus dirigentes ganharem a vida – e que vida – honesta ou desonestamente, e de mal aplicar dinheiros do governo. Elas pretendem influir na vida política do país sem mandato de ninguém para isso, a não ser delas mesmas e da própria certeza de que sabem o que é bom para o Brasil.
Não duvido da perseverança do ministro em sua determinação de pôr fim à situação pelo menos em sua área de atuação. Ele saberá separar as ONGs interessadas em prestar bons serviços à sociedade daquelas preocupados apenas no próprio bem-estar de seus dirigentes.

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