28 de novembro de 2010

Pacificação?

         
Jornal O Estado do Maranhão

          Pela obviedade de suas falhas, nunca me dei ao trabalho de comentar a política de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Deveria ser evidente que, expulsa pelas UPPs – Unidade de Polícia Pacificadora das favelas onde se havia estabelecido e deitado raízes durante décadas, o narcotráfico iria procurar, o mais perto possível de sua base original de operações, local para continuar suas lucrativas atividades. Isso apenas se seus operadores não fossem presos. Não vi nos jornais informação sobre o número de encarcerados na “pacificação” e ninguém tem certeza sequer se tal objetivo estava nos planos das autoridades do Estado nem se elas pretendiam combater também as milícias.
Vamos pensar. Se os bandidos não foram parar atrás das grades, onde se meteram? Na Coreia do Norte não, pois lá seriam presos ao entrar naquele paraíso terrestre da classe trabalhadora. Aqui, livres, voltaram a barbarizar em favelas ou bairros sem “pacificação”, como sempre fizeram.
O resultado dessa estratégia do governo parece ter sido a simples divisão de áreas de influência entre as autoridades e os traficantes. Não digo que essa era a intenção inicial, mas, no momento, dá essa impressão. A pergunta certa é esta: O narcotráfico diminuiu nos territórios ocupados? Ninguém teve ainda a coragem de responder pela afirmativa. Levanto a hipótese de ter havido uma acomodação pela qual os chefões da bandidagem passaram a agir mais discretamente nos morros, dispensando mão de obra como olheiros, vigias, etc. Estes, desempregados, desceram até o asfalto.
Vamos, no entanto, fazer outra suposição, mais benevolente. Digamos que todas as favelas cariocas tenham sido “pacificadas”, seguindo o modelo atual, de não prender os facínoras, tão só expulsá-los. Onde eles se instalariam, na hipótese de que não o fazerem nos bairros ricos do Rio? Em São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais? Num lugar qualquer seria, sempre procurando preservar suas atividades, vamos dizer, de “economia informal”. Ou devemos supor que se converteriam em bons cidadãos e passariam respeitar as autoridades, temer a Deus e frequentar templos evangélicos onde seriam remunerados com moedas celestiais? Pelo amor de Deus!
Não estou dizendo que o trabalho de expulsão não deve ser feito. Deve, sim e já. Não pela metade, porém. Equipe-se a polícia, melhore-se seu treinamento, comprem-se equipamentos modernos, aumentem-se os salários da tropa, mas prenda-se esse pessoal e meta-se a turma toda na cadeia. A capacidade do sistema penitenciário é pequena e sua qualidade indescritivelmente ruim? Então o governo deve investir no seu melhoramento. Os bons cidadãos têm mais interesse na criação de bons presídios, indiscutivelmente úteis à segurança deles, do que os habitantes dos presídios. Recursos há quando se trata de projetos supérfluos. Não deveriam faltar quando se trata de algo tão importante para a sociedade. Do jeito que as coisas andam agora, não será um bom negócio, quando se pensa em boa imagem do país, fazermos a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Seremos vistos como o país da violência.
E não me venham com história da carochinha de as condições sociais serem as responsáveis pela violência porque isso é um insulto à pobreza. Uma percentagem mínima de quem tem baixa renda é delinquente. Afinal, onde fica a responsabilidade individual, a capacidade de escolher entre o bem e o mal? Há gente que escolhe a carreira de bandido, sem relação alguma com injustiça social ou com injustiça nenhuma.
A política de “pacificação” do Rio não equivale a colocar o lixo debaixo do tapete. Antes, a jogá-lo no quintal do vizinho. No entanto, registrem-se os primeiros sinais de reação possivelmente efetiva do poder público. O problema não tem solução fácil e deve ser enfrentado em dois níveis governamentais: o local e o nacional. Contudo, se nossas fronteiras continuarem a ser a peneira de hoje, por onde entram armas pesadas do crime e a droga de países vizinhos , e medidas de âmbito nacional não se tornarem eficazes, o esforço terá sido tão só mais uma frustação perigosa.

14 de novembro de 2010

Lucchesi na ABL


Jornal O Estado do Maranhão

           Faleceu no dia 6 deste mês, aos 92 anos, em Belo Horizonte, onde no mesmo dia teve o corpo sepultado, o padre Fernando Bastos de Ávila, ocupante durante 13 anos da cadeira de número 15 da Academia Brasileira de Letras, fundada por Olavo Bilac, já ocupada por Odilo Costa Filho e cujo patrono é Gonçalves Dias. Sua posse na Academia deu-se no ano do quadricentenário da morte de José de Anchieta e tricentenário da de Antônio Vieira e seu antecessor foi dom Marcos Barbosa. Segundo dom Dimas Lara Barbosa, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário-geral da CNBB, “sua biografia atesta a fidelidade de seu amor a Cristo e à Igreja no exercício de um longo e frutuoso ministério presbiteral”.
O padre, membro da Companhia de Jesus desde 1935, fez em Roma, onde se ordenou em 1948, mestrado em Filosofia e Teologia, na Universidade Gregoriana. Em 1954, doutorou-se em Ciências Políticas e Sociais na Universidade de Louvain, na Bélgica. Criou em 1955 a Escola de Sociologia, Política e Economia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, de que foi vice-reitor a partir de 1964, quando lutou pelo reconhecimento da profissão de sociólogo. Foi membro da Comissão de preparação do Anteprojeto de Código Penitenciário, publicado em 1957; da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, nomeado pelo presidente Sarney, em 1986; e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Publicou quinze livros bem como numerosos ensaios, artigos e conferências nos campos da sociologia, problemas brasileiros, história e doutrina social da Igreja.
Lamentar a morte do padre Ávila é também lembrar o vazio deixado por ele não apenas nas mentes e corações de seus amigos e admiradores, mas também no quadro de membros da ABL. Os jornais noticiam a candidatura de Marco Lucchesi à cadeira 15. Poeta, escritor, ensaísta e tradutor, ele veio a São Luís em 2008 a meu convite e por indicação do poeta Luís Augusto Cassas, seu amigo, quando eu presidia a Academia Maranhense de Letras. Aqui ajudou a conferir brilho intenso às festividades do Centenário da AML com duas palestras. Uma sobre a obra poética de Cassas e a segunda sobre a Divina Comédia, de Dante. Sua personalidade cativante fez germinar várias amizades entre nós e o tornou uma sentinela especial de nossa cultura no sul do país, onde, nas páginas da revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, tem divulgado a poesia maranhense.
Lucchesi nasceu em 1963, no Rio de Janeiro. É professor de literatura italiana, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou  Sphera (2003), Poemas Reunidos (2000, finalista do Prêmio Jabuti), A sombra do amado: poemas de Rûmî (2000, ganhador do Prêmio Jabuti), Os olhos do deserto (2000), Bizâncio (1999, finalista do Jabuti), Teatro alquímico (1999), O sorriso do caos (1998), Saudades do paraíso (1997), A paixão do infinito (1994). Escreve também em italiano (Poesie, 2000) e em árabe. Foi responsável pela edição brasileira de dois clássicos italianos: Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso, (1998) e Giacomo Leopardi – poesia e prosa (1996). Tem poemas traduzidos em alemão, romeno, espanhol e persa. Traduziu, entre outros, Primo Levi, Umberto Eco, Vico, Rûmî, Hölderlin, San Juan de la Cruz, Rilke, Quevedo, Khliébnikov, Trakl, Vittorio Alfieri, Roberto Cotroneo e Artaud. “O poeta Marco Lucchesi acaba por despertar em nós outros, seres humildes, a fervente aspiração de alcançarmos um dia esses vértices de luz absoluta, que ele, Marco, traduziu apaixonadamente”, disse de sua obra poética Nise da Silveira.
Falando sobre seu próprio trabalho de tradução diz Lucchesi: “Vivi desde pequeno – sonhando, pensando, brincando – num meio bilíngue, toscano-carioca: a tradução foi para mim como que um processo afetivo. Uma forma de amar. Ou de sobreviver. Anfíbio de duas culturas, era preciso conhecê-las uma na outra. Por isso, tornei-me um espelho de duas tendências”.
É em favor desse homem de grande talento e erudição, e de convívio humano fácil e suave, que pedimos aos deuses que o façam ficar sob o patronato de Gonçalves Dias na ABL.

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