3 de junho de 2001

Apaguinho

Jornal O Estado do Maranhão
Eu achava que São Luís estava fora da crise de energia elétrica. Não está. Pelo menos no bairro onde moro, o Olho Dágua. Decisão solitária e soberana da Cemar, essa de nos incluir. O cara liga o computador para escrever um artigo como este e, de repente, está tudo escuro. Está lá todo contente, achando que vai cumprir com folga o prazo de entrega do texto para o Correia, aqui em O Estado do Maranhão, e acontece o desastre. Nada de computador, nada de eletricidade, escuridão completa, as trevas ameaçadoras nos envolvem!
Amigos de outros estados têm me dito que a vida deles vai virar um inferno com o racionamento de eletricidade. Eu lhes digo que, pelo menos, eles podem se preparar para o transtorno. É diferente em São Luís. Aqui acontece a qualquer momento, sem aviso prévio.
Dizem que a necessidade é a mãe da engenhosidade. Deve ser, porque é nessa hora que a gente começa a ter idéias. Faz-se luz em nossa cabeça, no escuro mesmo. Por que não instalar uma CPI do apaguinho? Ou do painel da Cemar? É bom que vocês saibam que a Cemar também tem seus painéis. Eles controlam, ou melhor, descontrolam, a energia que recebemos, ou recebíamos, em casa. Eles deveriam ser invioláveis, mas parece que não são.
Eu, ali no escuro, fico imaginando qual seria a reação dos envolvidos. Será que, em seu depoimento, o supervisor cemariano iria dizer que apenas fez uma consulta sobre a possibilidade de haver corte de eletricidade na cidade, e o operador do painel de controle, num acesso de bajulação explícita, resolveu apagar logo vários bairros, para agradar o superior?
Não diria mais, o supervisor, que tivera autorização superior para fazer a consulta? É que seu gerente – ele poderia jurar por todos os santos – tinha dúvidas sobre a segurança do sistema de abastecimento de energia e estava em um grande dilema existencial. Seguro ou inseguro, o sistema? Em caso de defeito, toda a cidade seria apagada, ou somente alguns bairros? Eis a questão. Chamou o pobre do supervisor e mandou apagar tudo. Sem aviso prévio.
Mas, o gerente seria bem capaz de desmentir essa história. Ele poderia dizer que não mandou o supervisor fazer nada. Tanto que admoestou o operador. Não pessoalmente, em seu próprio gabinete, para não parecer que o assunto tinha essa importância toda, mas por telefone. Logo, porém, bom coração que era, tranqüilizou-o, ao dizer-lhe que nada de errado fora feito.
Que surpresa não teve ao receber uma lista com a relação dos bairros apagados! Mandou passá-la no triturador de papel. Só esqueceu – mas também com tantas coisas na cabeça, o coitado – de perguntar quem tinha mandado apagar. Nem cópia mandou fazer. Para nossa própria segurança.
Havia o temor de que, revoltados, os usuários pudessem renunciar ao império da lei e fazer alguma bobagem. Falou-se numa fogueira, que eles mesmos acenderiam na porta da Cemar, feita com as contas de luz que nunca deixam de chegar no dia certo, infalíveis. Haveria, então, luz para toda a cidade.
Eu vejo na televisão a Cemar falando sobre campanha de educação do consumidor. Aposto que a pedagogia é essa da surpresa, do inesperado e do susto. Coisa com base científica, apoiada em anos de pesquisa. Ora, a culpa da escassez de energia é do consumidor que, imprevidente como uma cigarra, nunca se preocupou de racionalizar o consumo de energia. Sempre quis estar no bem bom do ar condicionado, da roupa passada a ferro elétrico, do banho quente de chuveiro elétrico e outras manias.
Pois bem, depois do susto, e no escuro, ele terá tempo suficiente para refletir sobre o desperdício que vinha provocando. Colocará a mão na consciência e concluirá pelo acerto do corte em seu bairro. Depressa estará pronto a cooperar, com medo de um novo apaguinho. Terá aprendido a lição. E, segundo o princípio científico do reflexo condicionado, nunca mais voltará a desperdiçar. Nem sob tortura. Gato escaldado tem medo de água fria. Água que gera a energia que nos dá a luz (à luz?) no dia-a-dia.

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