9 de dezembro de 2007

Bolas e boladas

Jornal O Estado do Maranhão

Duas notícias relacionadas à maneira como pode funcionar o sistema de justiça no Brasil. A primeira, de agosto deste ano. A juíza da Vara de Infância e Juventude de Madureira, Mônica Labuto, resolveu despachar no meio da rua. Segundo o desembargador José Carlos Murta Ribeiro, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ela expôs o Poder Judiciário a vexame e desobedeceu ordem de superior hierárquico no campo administrativo com o fim único de fazer proselitismo. A origem da história está nestes fatos.
A Vara da Infância, instalada em janeiro, funciona em prédio onde há 14 cartórios. O Tribunal decidiu que o edifício funcionaria somente até 21h, por questão de segurança. Tal determinação quase inviabilizou o trabalho da juíza, pois diligências com o objetivo de coibir a presença de menores em bares e boates, não podem ser feitas antes da hora de fechamento do prédio pela comezinha razão de que esses estabelecimentos começam a funcionar justamente depois das 21h.
Numa sexta-feira, a dra. Mônica determinou a realização de urgente diligência e, para não abrir o prédio e desobedecer a determinação do Tribunal, e depois de ter negada solicitação de aumento do horário de funcionamento, colocou mesa e cadeiras de trabalho na calçada. Ela tinha de receber autuações feitas pelos comissários entre as 22h e meia-noite ou correr o risco de ver extraviados os documentos. Enquanto os funcionários não retornavam, ela distribuiu vários exemplares do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para se ter idéia da enormidade de suas responsabilidades, é suficiente dizer-se que a Vara da Infância abrange 30 bairros do Rio de Janeiro, com um milhão e quatrocentos mil habitantes. Área tão extensa e com tanta gente necessita da presença permanente do poder público no combate à presença de menores depois das 22h em bailes funks e bares, como lá é comum. Ela queria justamente cumprir sua obrigação, mas foi ameaçada pela burocracia e pelo corporativismo judicial.
A segunda notícia, de setembro, fala de outra juíza Olga Regina Guimarães, da magistratura estadual da Bahia. A meritíssima inocentou o colombiano Gustavo Duran Bautista, acusado de enviar mais de meia tonelada de cocaína para a Europa. O Tribunal de Justiça da Bahia abriu “rigoroso” inquérito com o fim de investigar as ligações da magistrada com ele e a Polícia Federal gravou conversas telefônicas do traficante com ela e o marido, Baldoino Santana. Este, numa delas, diz que não caiu nenhum dinheiro em sua conta, comprometendo-se Bautista a fazer o depósito na manhã seguinte; em outra ela informa que foi à Polícia Federal e estava tudo “Ok” com as fichas de antecedentes do traficante. Houve mais. O casal visitou-o em julho em uma casa em São Paulo, encontro confirmado pela filha dele. Diante de tantos indícios e provas, o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Benito Figueiredo, disse, como homem cauteloso e experiente, que a denúncia era grave, mas a dra. Olga não seria afastada naquele momento.
O resultado de todas essas peripécias? No primeiro caso, da juíza Mônica Labuto, o presidente do TJ do Rio, entrou com representação no Órgão Especial da Corte, pedindo o afastamento temporário e imediato dela. Vá querer dar mau exemplo, cumprindo sua obrigação! Vá mandar a burocracia às favas e ir em frente, a fim de ver o que acontece! No outro caso, o da juíza amiga do traficante, ela foi promovida, elevando-se de Juazeiro a Salvador, junto com um grupo de 50 magistrados.
Uma juíza não deu bola para a lei, recebeu uma boa bolada e ainda foi premiada; a outra deu tratos à bola para cumprir a lei, levou do Tribunal uma bolada na cara e ainda foi punida.
Ora, bolas, parece coisa muito bem bolada, feita por gente boa de bola (no mau sentido, claro).

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