1 de julho de 2001

Papagaiada

Jornal O Estado do Maranhão
– Doutor, tem um moço aí fora querendo falar com o senhor. – Quem é? – Francisco. Chico do Pote. – Qual o assunto? – Ele disse que é particular. Só fala se for com o senhor. – Lá vem mais uma furada. É a terceira esta semana.
Não era uma furada. O homem não estava lá para pedir dinheiro, mas a liberdade de um papagaio. Os fiscais haviam apreendido o animal porque o dono não tinha a devida licença. Eu era, então, em 1995, Secretário de Meio Ambiente do Estado.
– Doutor, desde que os fiscais levaram o bicho minha sogra reclama de mim o dia inteiro, não come e não dorme direito. Ela acha que a culpa é minha – Muita gente ficaria feliz de ver a sogra nesse estado. – Não brinque, doutor. Minha mulher deixou de falar comigo. Ela está grávida, nos dias de descansar. O médico disse que não é bom ela ter contrariedade. Eu vim aqui pedir pro senhor mandar soltar ele. – Meu amigo, não se pode criar papagaio em cativeiro. Se todo mundo descumprir a lei por causa da sogra, onde é que nós vamos parar? – Desculpe, doutor, mas não é uma sogra só. É a mãe de minha mulher que puxou pra ela. As duas são brabas. Juntas, então, nem se fala. – Mas... – Minha vida virou um inferno. Se o diabo do papagaio não voltar, minha mulher vai perder essa criança e minha sogra vai me matar. Ou eu mato ela.
Ele não estava brincando. Seus olhos eram pura ansiedade, angústia, medo infindável de não conseguir levar o animal de volta. Ele fez um movimento e eu pensei que ele ia se ajoelhar. Não se ajoelhou. Mas era como se tivesse se jogado aos meus pés.
– Está bem. Vou mandar soltar. Mas o senhor vai me prometer que essa é a última vez que isso acontece. Pegue esta lista. Veja aí os nomes dos animais que o senhor não pode comprar. Preste atenção pra não esquecer. Cuidado, se pegarem o senhor novamente não vai ter jeito.
No dia seguinte, ele me trouxe como sinal de gratidão um cofo de jaçanã, ave que estava na lista.
– Sabe o que é, doutor? É que eu não prestei atenção direito.
Mesmo assim, o papagaio retornou ao lar, para a felicidade eterna da sogra e da mulher daquele pobre homem, livre, enfim, da tragédia que o ameaçava. A volta do louro serviu para unir novamente a família.
Vejam só agora. Do outro lado do mundo, na China, um outro tipo de papagaio, um mainá, parente próximo do papagaio-verdadeiro e igualmente imitador da fala humana, em vez de unir, desuniu uma família.
Um homem resolveu fazer-se de genro bonzinho e mandou a mulher passar uma semana com a sogra, instituição tão injustamente desdenhada. Embora desconfiada, a mulher foi. Mais desconfiada ficou quando, na volta, o papagaio, querendo mostrar sabedoria, como todos os de sua espécie, começou a soltar sentenças como “te amo”, “te adoro” ou “acabada”, “velha chata”.
Ela não teve dúvidas sobre como e com quem a estimada ave, espiã inesperada, aprendera aquele discurso. Ora, que amava a mulher, o conquistador chinês não dizia havia anos; muito menos que a adorava. E mais, vivia chamando a coitada de acabada e velha chata. O divórcio foi imediato.
É hora de comparar. Qual dos dois papagaios é mais útil à sociedade humana, o maranhense ou o chinês?
O de São Luís, apesar da fama que papagaio tem de falador, não disse uma palavra desde que foi apreendido. O trauma o fez desaprender a falar. Sua volta para casa, apesar da mudez repentina, estabeleceu a paz na tumultuada família.
Lá na China, deu-se o inverso. O louro mostrou que era mesmo tagarela do que resultou intensa guerra conjugal. A mudez foi da sogra. O animal por certo nunca saiu de casa. Ficou ali nos bastidores, aprendendo e espionando para dedurar o infiel. Prestou um bom serviço à moral e aos bons costumes dos homens.
Encontro recentemente o seu Chico. Pergunto como vão as coisas. Ele me fala da morte do papagaio e digo que foi uma pena. Ele acha que foi de tristeza. Passou a criar pombo. Eu fico imaginando o outro marido, o galã chinês. Esse deve preferir outra ave, a galinha. Não papagaio com certeza.

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