18 de dezembro de 2017

Ângela e os bororós


Luiz Alfredo Raposo
Economista

          Deu na e-midia, a chanceler Ângela Merkel teria dito a juízes e altos burocratas que pleiteavam salários de professor: “como posso igualar vocês a quem os ensinou?” Aqui, inverso o quadro, indagam como reagiria uma Merkel presidente. Alemãmente, creio. Começaria por anotar os problemas federais: 1) os supersalários (acima do teto legal) têm um bruto dum peso na folha de ativos. 2) É enorme, frente à do INSS, a aposentadoria média do setor público. “Cópia” dos salários da ativa, ela continua a desigualdade. 3) Inviável mais imposto, está-se no nível alemão e muito aquém da renda per capita alemã. 4) No atual ciclo demográfico, o movimento de aposentações é tal, que a folha dos inativos promete comer, não demora, toda a receita orçamentária.
           É, desastre na Previdência gera desastre no Tesouro e descarta soluções via só (1) ou (3). P. ex., aumentar os professores e trazer os salários da elite ao nível alemão... O jeito seria atacar pelo (2). Em seu país, ela já fez duas reformas da Previdência: em 2007 (aumentou a idade mínima para 67 anos) e 2014. Faria, então, uma à moda Temer: generalizar o padrão INSS, pondo fim às superaposentadorias (!); em reforço, aumentar a idade mínima. Com isso, pensaria, se iria tomar a rota de sanear as contas e reduzir as desigualdades. Donde: 1) uma economia mais hígida e empregadora desde já e; 2) aos poucos (gradual a reforma) mais igualdade dentro e fora da área pública.
          E a “presidente” esperaria os progressistas para capitães da tropa reformista... Para logo vê-los e a grão-burocratas, enervados, sem dar um pio sobre privilégios em perigo, a encantar o povo com pajelança: “déficit é truque aritmético inventado por um governo que ‘rouba’ da Previdência e quer descontar no povo, podando-lhe direitos de aposentadoria”. Um primor de besteirol! Ilusionismo, sim, é escamotear que o “roubado” com uma mão está sendo (e em valor crescente) sobredevolvido com a outra. E a idade mínima é apenas a perna esquerda da reforma. E um não problema: hoje, real é o desemprego, que corta todo direito, entre eles o de aposentar-se mais cedo ou mais tarde. Vital para o trabalhador é seu emprego já. O que supõe a economia no rumo, logo a reforma.
          E a nobre dama concluiria que nossos progressistas odeiam progresso. Estão felicíssimos com o que aí está. Luta? Só por privilégios de castas. Parecem, sim, eles e seus clientes, empenhados em instruir-nos numa Lógica do tipo mágico. Da que Lévy-Strauss achou entre os bororós de Mato Grosso. Não admira que, amiúde, na Terra Brasilis, o absurdo pareça lógico e a Lógica sem adjetivo, bobagem ou tapeação. Triste Brasil, gemeria Frau Merkel em Baixo Alemão.

17 de dezembro de 2017

Imprevidência


Jornal O Estado do Maranhão

          Quando, nos anos 50, eu era um vivaz garotinho, como se dizia então, uma pessoa idosa era quase uma raridade. Muitos adultos usavam a expressão “lá vem o velho” para amedrontar as crianças dos casais com 7, 8, 9, 10 ou mais filhos e fazê-las ficar quietas. Conformação demográfica como essa, com muitos jovens e poucos idosos, aparecia numericamente como uma elevada participação percentual dos primeiros na população, característica dominante havia décadas. A pirâmide populacional brasileira era larga na base e bem fina no topo.
          Ocorreu a partir de então, como em outros países de nível de renda semelhante ao do Brasil, célere processo de urbanização, que levou à diminuição das taxas de fecundidade, com consequências importantes na nossa composição etária. A relação jovem/idoso começou, também aceleradamente, a cair. Países de renda mais alta do que a nossa passaram da mesma forma por essas mudanças, mas a velocidades muito mais baixas. Deixemos quietos, porém, por instantes, os garotos. Vamos examinar o topo da pirâmide.
          Simultaneamente à diminuição do número de nascimentos por casal, os idosos começaram a aumentar, como proporção da população total. A razão foi a melhoria geral, embora desigual por regiões, das condições de saneamento básico e de assistência à saúde; o aparecimento de novos medicamentos; a erradicação de doenças endêmicas; os avanços tecnológicos na medicina; a melhoria nos cuidados com a alimentação, etc. Tais avanços levaram ao aumento da expectativa de vida ao nascer. As pessoas passaram a viver mais e a participação dos mais velhos na população aumentou e aumenta a taxas maiores do que a do crescimento geral.
          O encontro desses dois fatores, diminuição do número de jovens e aumento do de idosos, é o gerador do déficit previdenciário, sem considerar aquela parte dele criada por aposentadorias especiais de alguns grupos de funcionários públicos. De cada 100 trabalhadores economicamente ativos em 2004, havia 43 jovens e 15 idosos. Em 2014, meros 10 anos depois, segundo o IBGE, esses números tinham mudado: jovens desceram a 33, e aposentados subiram a 21. Em 2060 haverá 24 jovens para 63 aposentados. Há cada vez menos pessoas trabalhando e contribuindo com a Previdência e mais se aposentando. O sistema é insustentável, como está hoje, pois o envelhecimento da população vai ser ainda mais rápido daqui por diante. O crescimento explosivo do déficit – constitutivo da maior parte do desequilíbrio fiscal –, é inevitável sem a reforma e levará à volta da inflação, recessão, desemprego, alta do dólar e mais.
          A reforma da Previdência não é questão de gosto, como disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles É de necessidade e, acrescento eu, de sobrevivência. A Grécia, dirigida por governo de esquerda, se recusou a fazê-la. Logo a seguir, foi obrigada a voltar atrás, adotando reformas muito mais drásticas e dolorosas, pela ameaça iminente do caos.

           Mas digo, se isso for consolo para o momento de pensarmos no futuro dos filhos e netos, que o problema será resolvido de uma forma de outra, por bem ou por mal, pois países não têm falência decretada. No entanto, eles, esses queridos filhos e netos, irão pagar uma conta multiplicada várias vezes e nos julgarão pela imprevidência de não fazê-la agora.

3 de dezembro de 2017

Infestação

Jornal O Estado do Maranhão

          A infestação da maioria das redações dos grandes veículos de comunicação pelo “pensamento” esquerdista é matéria – uso esta palavra por ser ela objeto de veneração nesses lugares sagrados, onde existem altares a seu culto e se repete a toda hora o mantra sobre matéria atrair matéria – de um dos poucos consensos no Brasil, país tão disposto a tudo transformar em discórdia, até mesmo os argumentos acerca de comunistas terem direito de morar no Leblon, ou não terem, em apartamento com vista para o mar. Eles têm, sim, pobrezinhos! Nessas redações militam mais comunistas, é avaliação consensual, do que na China inteira, país nominalmente socialista, mas, na prática, capitalista, sendo esta a razão de o país vir crescendo tanto há tanto tempo, não por causa de imaginária sabedoria milenar chinesa.
          Pois são essas hordas de passivistas políticos cheios de indignação teórica (verdadeiros passivistas não vão às ruas, apenas insuflam as massas) que fazem proclamações sobre o “recuo” do presidente Temer, ao som de trombetas modernas de uso na internet, não só em impressos em jornal, a cada lance do complexo jogo político pela aprovação de medidas propostas pelo Executivo à Câmara e ao Senado, com o fim de tirar o país do buraco onde se encontrava até poucos meses atrás, metido lá pelas administrações petistas, durante 14 anos. O tom dos anúncios faz pensar a quem os lê pisando distraído nas estrelas que os projetos são de interesse pessoal do presidente e vitais à sobrevivência dele, de Michelzinho e de Marcelinha. O mais chocante, porém, é, nas proclamações, perceber-se assombrosa ignorância sobre o fazer político democrático.
          Se o Legislativo fosse obrigado a aprovar sem alterações os projetos que ali chegam, estaríamos na Coreia do Norte, não no Brasil. O recuo é apenas a aplicação da regra política mais elementar: cede-se em um ponto para garantir outro. Dilma e o PT tratavam o Congresso e as lideranças políticas a chicotadas. Terminaram sem mel nem cabaça. Afoitos, queriam ganhar tudo, e perderam. Temer, ao contrário, venceu todas as disputas até aqui, livrando o Brasil do caos. Se Dilma tivesse continuado, seria a queridinha das redações, dos blogs sujos e de Dallagnol – adepto do assassinato da moral pelo moralismo –, embora com o país no fundo do poço, com água pelo pescoço e sob forte temporal.
           Estas são marcas de habilidade: saber negociar; avaliar corretamente o momento de ceder ou não; agregar pessoas e não as desagregar, metendo-lhes os pés no traseiro; não se deixar levar pelas próprias idiossincrasias e as de outros; não subestimar os adversários, primeiro passo para a derrota certa. Em resumo, ser um político na melhor acepção da palavra. Não muitos possuem essas qualidades, como Temer possui, entre esses o presidente Sarney, que as tem de sobra.
          No Maranhão, as promessas de mudanças, sobretudo na economia e na política, prometidas há três anos em discurso com resquícios do obsoleto pensamento comuno-estruturalista, não se cumpriram nem se cumprirão. A ação da Polícia Federal e de diversos órgãos de controle mostra muito bem essa verdade. Vemos, em verdade, desculpas também velhas, no estilo Lula: “Eu não sabia, a culpa é do passado”.

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