10 de abril de 2005

João Paulo

Jornal O Estado do Maranhão    
Tem o Vaticano divisões de guerra? Tem soldados (além dos da simbólica guarda suíça), mísseis, aviões, porta-aviões? Tem o poder material de invadir países, derrubando seus chefes e estabelecendo regimes favoráveis a seus interesses? Recebe o seu líder, o papa João Paulo II, morto recentemente, homenagens de nações interessadas apenas em agradar essa “potência” de menos de meio quilômetro quadrado, por temor de represálias econômicas ou militares? As respostas a essas perguntas são todas negativas.
Então, de onde vem essa força tão grande, capaz de juntar na mesma reverência àquele homem Fidel Castro e George Bush, o rei da guerra, e de levar o presidente cubano a uma solenidade religiosa em memória de João Paulo, na catedral de Havana, depois de 46 anos sem entrar num templo religioso? Não é extraordinário também que a memória do papa tenha sido capaz de atrair ao funeral mais de 200 chefes de Estado e de governo, número superior ao dos membros da ONU?
Esclareço logo que não faço essas perguntas como católico. Sou originário de uma família católica e toda minha educação formal, com exceção do bacharelado na antiga Faculdade de Economia do Maranhão, eu a adquiri em escolas de orientação católica, desde o antigo primário, no colégio das Varelas e no das Valois, passando pelo ginásio, no Colégio Maranhense, da ordem Marista, até o mestrado e doutorado em uma das maiores, se não a maior, Universidade católica dos Estados Unidos, a Universidade de Notre Dame. Mas, essa trajetória não me fez um homem de fé. No entanto, os ensinamentos morais da Igreja ficaram-me e se juntaram aos dos meus pais, dando-me firme referência nas difíceis decisões que todos temos de tomar durante nossas vidas.
Aí, penso eu, na substância moral de seus ensinamentos, está a força real da Igreja. Com certeza, essa instituição, autoproclamada divina, mas inevitavelmente humana, teve seus momentos de decadência moral, de profunda degradação, em particular no período dos papas da Renascença, que tiveram em Alexandre VI, Rodrigo Borgia, considerado o mais amoral dos papas amorais desse período, seu símbolo mais conhecido. Contudo, ela foi capaz de revigorar-se moral e espiritualmente. Hoje, serve de referência ao debate das grandes questões do mundo moderno, goste-se ou não de algumas de suas posições.
Fossem suas palavras vazias, sem sentido, ninguém por certo se importaria com seu conservadorismo doutrinário, próprio de toda instituição consolidada, neste caso em 2000 anos de história, compensado, porém, pelo progressismo acerca da necessidade de promover-se a liberdade em toda parte e eliminar-se aqui e agora, a pobreza que degrada o homem e lhe rouba a dignidade da vida, sem esperar-se, tão-só, pela recompensa celestial, sem permitir, porém, que a Igreja se tornasse um movimento político.
Leio na imprensa opiniões que atribuem a imensa popularidade de João Paulo II, conforme comprovado pelas multidões que foram a Roma ver de forma ordeira seus restos mortais, ao uso sagaz da mídia moderna. Sem dúvida, ele, ex-ator, tinha um talento incomum para a comunicação, posto a serviço da missão de levar a mensagem da sua fé a todos os cantos da Terra. Mas, alguém conseguiria se manter tão popular por quase 27 anos, sem nada de essencial a sustentar-lhe essa condição? As imagens do papa doente e fraco, mas mostrando um comovente e corajoso esforço para, em meio a grande sofrimento, saudar os fiéis que por ele rezavam na praça São Pedro, em particular os diversos grupos de jovens, com quem ele tinha especial relação, despertaram no inconsciente coletivo cristão outro sofrimento, o de Jesus Cristo, e mais popular o tornaram na hora de sua morte serena.
Suas sandálias marcaram para sempre o chão que tantas vezes ele beijou.

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