25 de outubro de 2015

Brasil uber alles

Jornal O Estado do Maranhão

          De boas intenções, o inferno está lotado. Basta olhar a fé quase religiosa com que o poder estatal impõe decisões irracionais aos cidadãos. Anunciadas como benefícios a eles, ao homem comum, em especial se ele for comumente pobre, sendo prejudiciais, muitas vezes, aos de classe média, embora isso não seja dito, elas acabam resultando em remédios com efeitos opostos aos apregoados.
          A imprensa anunciava, há dias, dois deles. Um, foi a proibição, pelo Procon de Belo Horizonte, com respaldo da justiça, de concessão de descontos a consumidores que pagam suas compras em espécie, se igual desconto não for concedido ao pagamento com cartão de crédito. A alegação, que, por sua larga utilização, não é mais percebida como absurda, é de discriminação contra o comprador disposto usar seu cartão, por não haver, neste caso, o mesmo desconto. O resultado previsível é de o outro consumidor ficar proibido de desfrutar o desconto oferecido espontaneamente pelo vendedor na transação em espécie. A atitude do Procon, essa, sim, discriminatória, tem origem na ideologia antimercado e estatizante tão difundida no Brasil.
          Vejam bem, a utilização do desconto torna efetiva a clara vantagem financeira para o cliente desejoso de utilizá-lo. O outro, o do cartão, também obtém vantagem financeira, pois somente desembolsará o valor de sua compra numa data futura levada em conta por ele no momento da compra. Ora, a consideração do tempo pelos dois consumidores, procedimento básico em cálculos financeiros, avaliados, por eles, ainda, seus desejos, orçamentos, juros correntes, etc. , em decisão que é só deles, orienta-lhes as decisões. Um escolhe desembolsar logo; outro, depois, justamente porque as variáveis econômicas e financeiras de ambos não são as mesmas. Mas, o preço do produto o é nos dois casos. A forma de pagar e os desembolsos efetivos, sim, mudam, devido à diferença de datas. Lamentável a justiça sancionar um raciocínio torto e prejudicial ao consumidor, como o do Procon mineiro. Dado a irracionalidade da situação, o vendedor não dá desconto algum a ninguém.
          Outro suposto remédio, este bastante previsível, porque vem do pensamento petralha retrógrado, é o da criação pela prefeitura de São Paulo de serviço de táxi, como “solução” para afastar o avanço tecnológico e inovativo dos serviços do aplicativo Uber. O prefeito Haddad, o maníaco da ciclofaixa, tenta criar um serviço caro, de deslocamento mais lento do que os de outros táxis, pois não usará a faixa exclusiva destes, e sujeito a mil complicações burocráticas em sua operação. Mais uma vez, a mentalidade estatizante dá as caras. Em lugar de um serviço privado ágil, eficiente e mais barato do Uber, comparado com o do prefeito, este deseja um monstrengo feito com o fim de atender ao corporativismo dos taxistas tradicionais, não o usuário.
          O crescimento econômico e a prosperidade vêm, justamente, da criação de novas tecnologias, produtos e processos produtivos. É isso que o petista Haddad quer destruir. É dever do governo, nestas circunstâncias, sim, achar forma de dar apoio aos trabalhadores atingidos pela modernização. Bloqueá-la, jamais.
          Brasil uber alles, senhores.

4 de outubro de 2015

Eu não disse?

Jornal O Estado do Maranhão

          Chego em casa morto de fome (ninguém nunca está somente com fome, mas, sempre, morto de fome, não sei se leitor já observou esse fenômeno) e pergunto pelo almoço. Nossa colaboradora (colaboradora desde que o politicamente correto determinou que chamar alguém de empregada era humilhação punível com pesadas penas a serem cumpridas na penitenciária de Pedrinhas) apressou-se a dizer que eu iria almoçar ovo frito na manteiga. Ela mencionou, claro, outros pratos, como torta de camarão, o meu preferido. Mas, minha mente se fixou apenas no ovo e na manteiga. Minha reação foi instantânea e surpreendente até para mim mesmo. Abandonando minha postura no geral cordata e compreensiva e desatento à necessidade de não atiçar, com a colaboradora, a luta de classes, perguntei em voz alta, tentando parecer irônico: “Quer dizer que agora temos aqui, dentro de minha própria residência, uma conspiração para me encher de colesterol e me matar aos poucos? Eu, que praticamente acabei de fazer uma operação para a colocação de quatro pontes nas coronárias (aqui, exagerei um pouco, pois a cirurgia já tem um ano e sete meses), estarei sendo vítima de ataque traiçoeiro como esse? Ovo e manteiga? E de açúcar, ninguém quer me entupir? E doces e sorvetes, esses deliciosos alimentos tão discriminados, ninguém vai me oferecer?”
          Antes de terminar o micro discurso, já estava arrependido, pois percebi o obsoletismo de minhas palavras. É que, condicionado por décadas de uma campanha solerte paga pelo capital internacional contra as galinhas brasileiras, em verdade contra as brasileiras, galinhas ou não, mas nunca contra as patas gordas, eu tinha esquecido da sentença médica que absolveu tanto o ovo galináceo quanto a manteiga feita de leite bovino. Tinha me escapado não só a mera liberação, pelas autoridades da saúde, desses dois produtos que, devo falar a verdade, adoro, como, também, a recomendação dos pesquisadores de colocarmos nossa paranoia de lado e comermos, à vontade, manteiga e ovo, mas, com o cuidado de preservar nossa galinha, patrimônio nacional. Imediatamente pedi desculpas à companheira colaboradora, com a esperança de, com essa atitude, alcançar pelo menos uma espécie de trégua no conflito de classes.
          O certo é que, um dia, se pode comer certo prato, no outro não; às vezes, ele mata (devagarinho ou depressinha), outras, engorda e faz crescer e assim por diante. Se formos seguir todas essas recomendações e contrarrecomendações, acabaremos morrendo do estresse desse vai-e-volta alimentar, não da ingestão de comidas e bebidas não recomendáveis, sempre as mais gostosas. Quem sabe eu tenha desenvolvido placas coronarianas, que quase me mataram, sem nunca terem dado um assovio sequer de aviso, devido a essa confusão?
          Pelo menos, se amanhã disseram que coca-cola faz bem para cálculos renais, faz passar dor de cabeça ou protege contra mau olhado – não duvide da possibilidade, caro leitor – eu poderei apontar o dedo e dizer para quem vive me acusando de ser viciado no refrigerante e de não querer largar o vício: Eu não disse seus bobos?

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