8 de março de 2009

Pode, Não Pode



Jornal O Estado do Maranhão


Eu passei quase toda minha vida de adulto ouvindo condenações definitivas ao consumo de ovo. Comê-lo era suicidar-se aos poucos ou condenar-se a eternos dramas de consciência. Quem cometesse o pecado teria poucas chances de viver mais de 30 ou 40 anos. Com sorte, chegaria a 50, pois junto com o maldito viria o acúmulo inevitável de colesterol no sangue (do mau colesterol, evidentemente). Daí ao entupimento das artérias, com todas as apavorantes consequências sobre a saúde do corpo e do bolso de quem só podia ser um autodestrutivo, seria um passo. Um ataque de coração não era apenas uma possibilidade. Tratava-se de uma certeza, como a de o fisco cobrar impostos. No meu tempo de criança, no entanto, e depois, já bem crescido, eu comia, com a permissão de minha mãe, ovo diariamente no almoço e no jantar.
Pobre ovo! Suportou por tanto tempo a pecha de assassino, embora assassino de sabor inigualável, assassino de quem muita gente não gostaria de escapar, produto de uma galinha qualquer com um galo todo apressado. Galo do tipo galinha, por assim dizer, sempre a ponto de atacar qualquer fêmea a atravessar seu caminho, dando ela bola ou não ao tarado de crista. Poderia estar nessa promiscuidade galinácea, quem sabe, a origem da má fama do ovo, assim como a maçã foi, dizem os relatos bíblicos, a origem dos nossos pecados, razão insuficiente de ser vaiada e apontada na rua como inimiga da saúde humana, como o foi o ovo.
De repente, porém, sem aviso prévio, sem um cocorocó agudo, sem estardalhaço, sem um bater de asas, deselegante embora, eis os pesquisadores americanos – sempre eles –, aproveitando-se de nossa distração enquanto comíamos escondidos uns bons ovos fritos, com o maior sentimento de culpa, claro, a anunciarem o fim do pesadelo. A partir desse anúncio, estamos livres para comer quantos ovos quisermos, quando quisermos. Há não apenas um, há vários estudos bem fundamentados, supõe-se, todos demonstrando os benefícios desfrutados por seres ovívoros.
Um dos estudos chegou a conclusão surpreendente. A ingestão de ovo ajuda a perder peso, o sonho de toda modelo. Imagino elas se empanturrando nas semanas de desfile. "Quantos você comeu hoje?" uma pergunta. "Já perdi a conta", responde a outra, "eu como dois de cada vez". Ovo faz perder peso mais do que o fazem dietas radicais e reduz a gordura da cintura. Em outras palavras, chegou-se finalmente ao nirvana da alimentação. Levante a mão quem disse que toda comida gostosa engorda e faz mal.
Um outro estudo mostrou ser o consumo de colina, componente do ovo e indispensável ao funcionamento do cérebro e das células, muito pequeno entre a população americana. Assim, ovos deveriam ser consumidos em maior quantidade.Apenas dois deles fornecem por dia metade da quantidade necessária ao organismo. Um verdadeiro ovo de Colombo. Ou, melhor dizendo, dois.
Um terceiro estudo afirma, a respeito das restrições ao consumo de ovos, impostas por conta do colesterol, ser o procedimento besteira.  Os pesquisadores compararam o risco representado por essa vilipendiada substância com outros fatores de desenvolvimento de doenças coronárias, como idade, genética, hábitos alimentares, tabagismo, consumo de álcool, pressão sanguínea, obesidade, diabetes e sedentarismo, e chegaram à conclusão de ser a contribuição dos ovos insignificante, de apenas 0,5% para esses males nos homens e 0,4% nas mulheres.
O perigo, dizem eles, está na gordura saturada. Não se sabe até quando essa avaliação será válida. Em pouco tempo os entendidos poderão garantir que gordura desse tipo é boa para o coração, matando-nos de coração e de arrependimento por não termos nos deliciado com ela durante tantos anos. E quem ficará surpreso com a mudança?
Prefiro a sabedoria de minha mãe.

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