31 de agosto de 2003

Reforma?

Jornal O Estado do Maranhão 
A proposta de reforma tributária levada pelo Executivo federal ao exame do Congresso Nacional tem um aspecto bastante positivo. É o da simplificação do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços que, atualmente, tem vinte e sete diferentes legislações – cada Estado com a sua – e, veja bem o leitor, quarenta e quatro alíquotas.
Caso sejam aprovadas, as novas regras substituirão esse voraz e injustificado ajuntamento de legislações estaduais por uma lei apenas e cinco alíquotas. Será uma bem-vinda simplificação do sistema tributário, reclamada, há muito tempo, por todos, em vista dos resultados positivos esperados para os Estados e o país.
Mas, existe uma outra característica do projeto cuja implementação poderá resultar, mais uma vez, como sempre ocorre nos momentos de dificuldades de caixa dos governos, no aumento da carga tributária, já altíssima hoje em dia, sem nenhuma garantia de que os recursos assim retirados da economia pelos arrecadadores de impostos sejam aplicados com eficiência pelo setor público. A história tem diversas vezes mostrado, a quem tem olhos para ver, que a riqueza transferida pelas pessoas e pelas empresas ao governo, pois impostos não passam disso, de uma transferência, é mal aplicada muitas vezes.
A particularidade da proposição do Executivo é esta. Com a unificação da legislação, a alíquota do ICMS incidente em cada produto será, obrigatoriamente, única em todo o país, devendo ser estabelecida pelo Senado Federal. As cinco alíquotas, substitutas das atuais quarenta e quatro, incidirão sobre grupos de produtos e a decisão acerca daqueles a serem incluídos em cada grupo será dos Estados.
Não é difícil prever a tendência dos governadores de colocar o maior número possível de produtos nos grupos com as alíquotas mais altas, como uma forma de preservar a arrecadação de seus Estados. Atitude compreensível, ante a má-vontade de Brasília em dividir receitas com eles. Torna-se concreta, assim, a possibilidade de elevação da massa total de impostos do ICMS, não se podendo afirmar, todavia, que ela irá, de fato, ocorrer.
Se a história recente servir de guia, então devemos colocar as barbas de molho. Entre 1993 e 2002, a carga tributária brasileira passou de 25,1% do PIB para 35,9%, sempre sob a justificativa do atendimento de necessidades inadiáveis de várias administrações, sem nunca ocorrer, no entanto, a eliminação dos déficits públicos.
Um exemplo, somente, servirá de alerta contra o pernicioso imediatismo tributário na condução dos problemas governamentais de caixa: a CPMF. Criada, com a boa intenção esperada de um homem de bom conceito, como Adib Jatene, participante ativo da luta pela sua aprovação, ela começou como imposto, em 1993, com o nome de IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira. A fim de contornar a proibição constitucional de cobrança de impostos no mesmo ano de sua criação, foi transformada em contribuição em 1966.
O argumento inicial a seu favor era o da facilidade de cobrança, sem menção, naturalmente, à sua natureza cumulativa e aos inconvenientes, para o contribuinte, de sua adoção. Argumento, já se vê, sem relação nenhuma com justiça tributária e eficiência econômica, mas tão somente com a idéia de que os fins justificam os meios. Há facilidade, sim, para quem cobra. A dificuldade fica para quem paga. O desejado, porém, é o aumento da arrecadação a todo custo!
Naquela época, dizia-se que a reforma tributária a eliminaria logo. A reforma nem sequer foi feita. A de agora, vai tornar o P de provisória em P de permanente. Nem o apelido muda. A alíquota era de 0,20%. Hoje, é de 0,38%, quase o dobro. As finanças públicas, depois desses anos todos de abuso, ficaram dependentes da droga desse tributo arbitrário. Afinal, ele reforça os cofres do governo com mais de R$ 20 bilhões anualmente, poupando-lhe o trabalho de fazer uma reforma de verdade.
A nova situação será boa para a economia do país ou beneficiará, tão-só, o caixa do governo federal?

24 de agosto de 2003

A força do reggae

Jornal O Estado do Maranhão 
A realização, recentemente, aqui em São Luís, do Reggae Roots Festival é uma reafirmação da força cultural do povo do Maranhão. Hoje, apesar das resistências e preconceitos, já enfraquecidos, porém, como se viu pela presença de muita gente de classe média no evento, o reggae é uma marca maranhense, sem prejuízo de nossas tradições. Estas, ao contrário, se enriquecem com o aporte de elementos importados e processados internamente por nós, com resultados bastante originais.
Grita-se contra o reggae o argumento da suposta impureza de suas origens, por ter nascido na Jamaica. E o futebol moderno? Nascido longe daqui, tornou-se naturalmente uma das mais características manifestações da maneira brasileira de ser. Levando o argumento anti-reggae ao extremo, poderíamos observar que os colonizadores também trouxeram para cá seus valores culturais. Só que os impuseram em parte pela força. No entanto, estão na origem da Atenas Brasileira, como gostamos de ser conhecidos. Quem se lembrará, hoje, de repudiar essas origens exóticas?
Quanto ao reggae, não se pode falar de cópia, mas de um processo espontâneo de absorção e digestão de elementos de fora, algo semelhante, sem a mesma autoconsciência, à antropofagia, de que nos falavam Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e outros modernistas. Eles se inspiraram nos movimentos de vanguarda da Europa – no Cubismo, no Futurismo – para dar nova direção, autenticamente brasileira, à nossa cultura.
A maior prova do equívoco de quem pensa não se poder nacionalizar sem traumas manifestações culturais está no fato do reggae já ter adquirido um sotaque local. Por sinal, de autêntico e legítimo, mesmo, por aqui, numa certa visão idealista e ingênua, deveríamos ter tão-só os primitivos habitantes, os índios. Aliás, segundo as últimas descobertas antropológicas, eles vieram da distante e fria Sibéria, fazendo estágio de poucos milhares de anos na América do Norte, a fim de se tornarem, primeiro, norte-americanos e, em seguida, sul-americanos, brasileiros e maranhenses.
Eis minhas palavras, há mais dois anos e meio, em janeiro de 2001, aqui em O Estado do Maranhão, ao comentar o crescimento do reggae: “Admirável, essa capacidade brasileira de pegar o material importado e produzir algo que é nosso, único, sem similar no mundo. Marca das culturas fortes, dinâmicas, originais, abertas e influentes. [...] Sua penetração [do reggae] é sinal de força, de algo que fala à nossa cultura popular, talvez o elemento africano, tão presente entre nós. Foi aceito pelo povo, tem o que lhe dizer. Não importa a origem na Jamaica ou na Patagônia. Ou será que a influência americana é a única boa? Atenas é tão estrangeira quanto a Jamaica.”
Felizmente, já existe uma estrutura profissional aqui, como se viu no festival, capaz de dar suporte ao movimento regueiro e organizá-lo comercialmente. Claro, sempre haverá, entre seus admiradores, quem se queixe de um suposto desvirtuamento, como resultado da comercialização de suas atividades. No entanto, ninguém precisa defender a primazia do fator econômico em tudo, como no marxismo vulgar, para reconhecer que, nas sociedades modernas, a sobrevivência de toda cultura é sempre assegurada por uma base material. Afinal, sem contar os mecenatos públicos e privados, livros são publicados porque existem editoras prontas a lucrar com eles; o cinema chega ao público porque há quem o financie comercialmente. Não há razão alguma para ser diferente com o reggae. A profissionalização não é bem-vinda, apenas, ela é desejável. Na sua ausência, jovens talentos e oportunidades de melhoria do bem-estar de muita gente se perderiam.
Não está distante sua aceitação ampla pela nossa sociedade. Outras manifestações com forte influência africana também já foram discriminadas no Brasil, mas depois passaram a ser vistas como parte de nosso patrimônio cultural. Agora, não será diferente. O reggae maranhense irá sobreviver por suas próprias forças, que não são poucas.

17 de agosto de 2003

Praça da alegria?

Jornal O Estado do Maranhão  
Era chamado Largo da Forca ou da Forca Velha no fim do período colonial. Foi designado, depois de algum tempo de uso, provavelmente em 1815, como o único lugar em São Luís para o cumprimento das penas capitais. (O Bequimão foi executado em outro local, na praia de Trindade, e, segundo Antônio Lopes, “perto do Palácio dos Governadores, do forte da cidade e do Colégio dos jesuítas”, sendo este o Colégio de Nossa Senhora da Luz, construído onde atualmente se encontra o Palácio Arquiepiscopal).
Apropriadamente, o Largo ficava perto do Cemitério Municipal, embora os enforcados não devessem lá ser enterrados. De acordo com César Marques, esse cemitério estava situado no fim da rua Grande, de frente para a do Passeio, em terreno cedido pela Câmara Municipal à Santa Casa de Misericórdia, nas proximidades do Cine Passeio de nossos dias.
Carlos de Lima informa que o largo virou praça da Alegria em 1849, depois praça Sotero dos Reis em 1868, praça Colombo em 1890, praça 13 de Maio em 1929, praça Saturnino Bello em 1951 e praça Coronel Manoel Inácio em 1963. Mas, apesar de todas as mudanças oficiais, ninguém deixou de chamá-la de praça da Alegria, como se todos quisessem apagar a lembrança dos enforcados ali.
Pois foi nesse lugar de morte nos tempos antigos, mas, ironicamente, de alegria no nome teimosamente mantido pelo povo durante mais de um século e meio, que me deparei pela primeira vez, angustiadamente, como outras vezes mais tarde, com a vida fora do mundo familiar de classe média da São Luís do começo dos anos cinqüenta. Eu ia aprender a ler e, simultaneamente, descobrir a luta pela própria sobrevivência longe da proteção dos pais. Na praça funcionava, como ainda funciona, o Jardim de Infância D. Francisco, assim chamado em homenagem a D. Francisco de Paula e Silva, bispo do Maranhão entre 1907 e 1918 e autor dos Apontamentos para a história eclesiástica do Maranhão. Anteriormente, conforme me informam Fernando Silva e Eduardo Lago, pessoas de uma geração mais antiga do que a minha, o jardim se chamara Decroly. Descobri que era por causa do educador belga Ovide Decroly.
Nessa época, o prédio, em plano um pouco acima do da rua, era todo aberto, tendo apenas muretas de meio metro em todo seu perímetro, sem as grades do piso ao teto de agora, que funcionam como muros, na vã tentativa de defender as crianças e seus professores contra a violência onipresente nas cidades brasileiras.
As pequenas cadeiras me pareceram desde o primeiro dia um pouco altas em relação às mesas, dando-me a sensação de estar exposto aos olhares do mundo. Disso eu me lembro muito bem. Mas, quem poderá dizer a razão de um detalhe aparentemente tão desimportante ficar-me tão vivo na lembrança mais de cinqüenta anos depois? Seria o desamparo em que eu me sentia, por estar fora de um ambiente conhecido, o motivo dessa lembrança persistente? Precisaria eu agarrar-me a alguma coisa, ainda que apenas com os olhos e com a alma, a fim de ter, naquelas horas, uma referência conhecida, fixando-a, no entanto, por misteriosas voltas da mente humana, para sempre na memória, a fim de não mais me sentir abandonado em meio a tantas coisas novas e desconhecidas?
Eu sentava nas cadeiras, junto aos colegas, levado pacatamente pelas professoras, e ficava quieto, desejoso de não ser perturbado até a hora de voltar ao abrigo da minha casa. Mas, apesar do retraimento, eu prestava bastante atenção às letras que as professoras iam nos mostrando e fascinava-me com elas, bem traçadas, com retas e curvas inesperadas, e, intuitivamente, sem fazer alarde, sem dizer nada, ia fixando-as rapidamente na memória. Foi uma das maiores e mais agradáveis descobertas de toda a minha vida, a entrada inicial e definitiva no mundo da leitura e da escrita. O fascínio com os livros me acompanharia sempre daí em diante e há de me acompanhar até meus últimos momentos.
Pena o D. Francisco ter se tornado uma estranha fortaleza! Para as crianças, será a praça ainda da alegria?

10 de agosto de 2003

Praça da alegria?

Jornal O Estado do Maranhão 
Era chamado Largo da Forca ou da Forca Velha no fim do período colonial. Foi designado, depois de algum tempo de uso, provavelmente em 1815, como o único lugar em São Luís para o cumprimento das penas capitais. (O Bequimão foi executado em outro local, na praia de Trindade, e, segundo Antônio Lopes, “perto do Palácio dos Governadores, do forte da cidade e do Colégio dos jesuítas”, sendo este o Colégio de Nossa Senhora da Luz, construído onde atualmente se encontra o Palácio Arquiepiscopal).
Apropriadamente, o Largo ficava perto do Cemitério Municipal, embora os enforcados não devessem lá ser enterrados. De acordo com César Marques, esse cemitério estava situado no fim da rua Grande, de frente para a do Passeio, em terreno cedido pela Câmara Municipal à Santa Casa de Misericórdia, nas proximidades do Cine Passeio de nossos dias.
Carlos de Lima informa que o largo virou praça da Alegria em 1849, depois praça Sotero dos Reis em 1868, praça Colombo em 1890, praça 13 de Maio em 1929, praça Saturnino Bello em 1951 e praça Coronel Manoel Inácio em 1963. Mas, apesar de todas as mudanças oficiais, ninguém deixou de chamá-la de praça da Alegria, como se todos quisessem apagar a lembrança dos enforcados ali.
Pois foi nesse lugar de morte nos tempos antigos, mas, ironicamente, de alegria no nome teimosamente mantido pelo povo durante mais de um século e meio, que me deparei pela primeira vez, angustiadamente, como outras vezes mais tarde, com a vida fora do mundo familiar de classe média da São Luís do começo dos anos cinqüenta. Eu ia aprender a ler e, simultaneamente, descobrir a luta pela própria sobrevivência longe da proteção dos pais. Na praça funcionava, como ainda funciona, o Jardim de Infância D. Francisco, assim chamado em homenagem a D. Francisco de Paula e Silva, bispo do Maranhão entre 1907 e 1918 e autor dos Apontamentos para a história eclesiástica do Maranhão. Anteriormente, conforme me informam Fernando Silva e Eduardo Lago, pessoas de uma geração mais antiga do que a minha, o jardim se chamara Decroly. Descobri que era por causa do educador belga Ovide Decroly.
Nessa época, o prédio, em plano um pouco acima do da rua, era todo aberto, tendo apenas muretas de meio metro em todo seu perímetro, sem as grades do piso ao teto de agora, que funcionam como muros, na vã tentativa de defender as crianças e seus professores contra a violência onipresente nas cidades brasileiras.
As pequenas cadeiras me pareceram desde o primeiro dia um pouco altas em relação às mesas, dando-me a sensação de estar exposto aos olhares do mundo. Disso eu me lembro muito bem. Mas, quem poderá dizer a razão de um detalhe aparentemente tão desimportante ficar-me tão vivo na lembrança mais de cinqüenta anos depois? Seria o desamparo em que eu me sentia, por estar fora de um ambiente conhecido, o motivo dessa lembrança persistente? Precisaria eu agarrar-me a alguma coisa, ainda que apenas com os olhos e com a alma, a fim de ter, naquelas horas, uma referência conhecida, fixando-a, no entanto, por misteriosas voltas da mente humana, para sempre na memória, a fim de não mais me sentir abandonado em meio a tantas coisas novas e desconhecidas?
Eu sentava nas cadeiras, junto aos colegas, levado pacatamente pelas professoras, e ficava quieto, desejoso de não ser perturbado até a hora de voltar ao abrigo da minha casa. Mas, apesar do retraimento, eu prestava bastante atenção às letras que as professoras iam nos mostrando e fascinava-me com elas, bem traçadas, com retas e curvas inesperadas, e, intuitivamente, sem fazer alarde, sem dizer nada, ia fixando-as rapidamente na memória. Foi uma das maiores e mais agradáveis descobertas de toda a minha vida, a entrada inicial e definitiva no mundo da leitura e da escrita. O fascínio com os livros me acompanharia sempre daí em diante e há de me acompanhar até meus últimos momentos.
Pena o D. Francisco ter se tornado uma estranha fortaleza! Para as crianças, será a praça ainda da alegria?

3 de agosto de 2003

Justos e pecadores

Jornal O Estado do Maranhão
Os fora-da-lei de todos os tipos – traficantes, assaltantes, assassinos – que, num momento de descuido do nosso sistema de administração de justiça, acabaram presos, condenados e colocados em alguma penitenciária, começaram, há algum tempo, (vejam só a esperteza imprevisível!) a usar celulares pré-pagos a fim de se comunicar com seus comparsas e dirigir seus lucrativos negócios.
Alguma coisa tinha de ser feita, e foi, com o propósito de impedir a comunicação entre eles. Uma medida foi tomada, para ninguém se meter a acusar as autoridades de indiferença ante a sorte do povo e desconhecimento de seus problemas. Por sinal, foi a mais apropriada providência, em um momento de aumento do desemprego no país e crescentes preocupações com o aumento das invasões de propriedades na zona rural em todo o Brasil e de prédios nas cidades.
De agora em diante, pela nova lei de número 10.703, todo adquirente dos pré-pagos será obrigado a cadastrá-los nas operadoras do serviço de telefonia, cujo atendimento aos usuários, como todos estão cansados de saber, não é lá essas coisas. Quem a descumprir, terá a linha telefônica bloqueada e pagará multa de cinqüenta reais.
Para bem se avaliar a eficiência dessa exigência legal e seus resultados benéficos para a sociedade, basta dizer-se que no Brasil é impossível a falsificação de um documento de identidade. Isso é mais verdadeiro ainda quando se fala dos bandidos. Eu não posso imaginar, nem ninguém pode, um desses caras, esperto quanto possa ser, falsificando o número da carteira de identidade, do CPF, ou mentindo descaradamente sobre seu verdadeiro endereço, com o fim de conseguir o registro de seu telefone.
Afinal, não se pode suspeitar assim, sem uma boa razão, das pessoas. Elas são inocentes até prova em contrário. Todos falam a verdade, nada mais que a verdade, até serem apanhados na mentira. Do indivíduo comum, sempre às voltas com mil problemas, sem dinheiro, sem nada, é que se podem esperar atos de desespero. Eles poderão chegar, até, a tentativas de burlar a nova lei pelo uso de informações falsas. O objetivo oculto dessa peça de legislação deve ser esse, de agarrar esse tipo de gente.
Se não tiver sido essa a intenção do legislador, então foi mesmo a de infernizar a vida das vítimas potenciais dos malfeitores, de massacrá-las com uma exigência burocrática descabida, o que é uma forma de prisão, como Kafka já mostrou. Os bandidos, por definição, vão sempre dar um jeito de falsificar o registro de seus celulares. As outras pessoas, vinte e sete milhões neste caso, terão de passar mais uma vez pela aporrinhação de fazer um cadastro neste país dos cadastros.
Mais uma vez prevalece a fé na capacidade de uma simples lei, simplória lei, de resolver um problema complexo, refratário a soluções fáceis. O resultado prático, porém, será a criação de um ônus para o cidadão ordeiro, pelo desperdício de seu tempo, sem a inibição simultânea da ação dos criminosos. Pagam os justo pelos pecadores. E que pecadores!
A não ser que se imagine uma conversão dos malfeitores, por bem-vinda conseqüência da lei, milagre até hoje desconhecido, ela será inócua. Não demora muito, alguém vai propor a proibição do uso daquele tipo de telefone no Brasil, por causa do mau uso que dele possam fazer.
Por que não usar a própria tecnologia no combate aos criminosos? Falou-se muito, há algum tempo, na implantação, em volta dos presídios brasileiros, de um sistema de bloqueio eletrônico de celulares, para evitar o uso desses aparelhos pelos presidiários. Depois, a imprensa calou-se sobre o assunto, talvez porque os encarregados de fazer o sistema funcionar também se calaram. A tecnologia existe e está disponível. Será tão complicado assim, ou tão caro, implantá-la? Contra os delinqüentes fora dos presídios, que se usem outros recursos tecnológicos disponíveis, se aparelhem as polícias, se treine seu pessoal e se paguem bons salários.
De certo, há o seguinte: justos e pecadores foram colocados no mesmo saco.

Machado de Assis no Amazon