24 de setembro de 2017

Desarrumação

Jornal O Estado do Maranhão

          Na quarta-feira passada, o “Estado de São Paulo” publicou editorial, no qual trata de assuntos de grande importância para o futuro do Brasil. Logo no início, o jornal fala de passagem de sério problema nacional. Ele nasce de característica do nosso mundo político: a concessão de benefícios aos brasileiros, sem preocupação com a fonte dos recursos indispensáveis a torná-los reais, arrancando-os da virtualidade. É o conhecido “depois se vê isso”, atitude contra a qual já me pronunciei, utilizando-me do ditado “dinheiro não dá em árvore”. Todavia, se desse, mesmo – acrescento agora –, deixaria de ser moeda, perdendo todas suas funções de instrumento de troca, meio de pagamento, reserva de valor, denominação comum de valores. Nesse caso, caroço de pitomba seria moeda tão boa quanto a outra, nascida na forma de folha já impressa nos galhos da pitombeira, pois a oferta de ambas seria infinita, o que as desvalorizaria instantaneamente. Teoria monetária esdrúxula como essa (da importância zero de emissão monetária descontrolada), presente na cabeça da quase a totalidade dos políticos de esquerda, foi utilizada pelos governos do PT. O resultado foi aumento da inflação e do desemprego, e a maior recessão da história econômica do Brasil. O petismo esteve a ponto de substituir a moeda burguesa pela proletária.
          O mais importante do editorial, contudo, foi o conjunto de observações feitas sobre o papel do Ministério Público no nosso ordenamento jurídico e a forma como a instituição está estruturada. A constituição brasileira não confere ao MP poder absoluto, diz o jornal. No entanto, é isso que se vê no dia a dia; poder, se não desse tipo, certamente uma autonomia sem controle, com resultados semelhantes aos do poder absoluto, status incompatível com o Estado de Direito. Cada um de seus membros é como se fosse a própria instituição, porque não há hierarquia funcional. Aconteceu, por uma interpretação livre das competências do MP, de muitos procuradores acabarem por tentar impor determinadas formas de organização interna aos órgãos da administração pública. Tenho experiência pessoal com isso, pois certa vez, quando eu era secretário de Meio Ambiente do Estado e achando que a intromissão havia passado dos limites, propus uma troca a certo membro da instituição: ele sentaria em minha cadeira e faria as mudanças que achasse necessárias na estrutura da Secretaria e eu ocuparia a cadeira dele, a fim de exercer rigorosa fiscalização do andamento das mudanças. Ganhei a implicância eterna do indivíduo, de consequências práticas muitos anos depois.
          Chegou- se assim, no decorrer dos anos, em torno dessa situação, ao milagre da infalibilidade ministerial e até à proposição de 10 medidas de combate à corrupção, com uma delas sendo a admissão em juízo de provas ilícitas. Quem as criticasse seria conivente com a corrupção. Mas, graças a Janot, procurador-geral da República, até alguns dias atrás, isso mudou. Ao meter os pés pelas mãos no desempenho de sua função, ele criou condições para se começar a refletir sobre o assunto e, quem sabe consertar a desarrumação institucional do país hoje. Sabe-se lá se quem propuser o debate será considerado corrupto. Ou não, como diz Caetano.

10 de setembro de 2017

Nós vai ser amigo de Janot

Jornal O Estado do Maranhão

          O assunto da hora é o áudio da já famosa conversa entre, de um lado, Joesley Batista, de Goiás, o chefe do grupo JBS, e, de outro lado, o senhor Saud, seu braço direito e esquerdo simultaneamente, quando está em pauta este outro assunto: o oferecimento e repasse de propinas aos mundos político e governamental do Brasil. Como o leitor já sabe, Joesley e seu irmão, Wesley, por falcatruas variadas, assinaram acordo de delação premiada com o MPF, comandado pelo procurador-geral da república, o senhor Janot, cujo mandato termina em pouco mais de uma semana. O acordo serviria para torná-los imunes à Justiça.
          Como é notório, Joesley, muito provavelmente orientado pelo auxiliar mais próximo de Janot, o procurador Marcelo Miller, fez, na “calada da noite”, como gosta de dizer a imprensa, gravações clandestinas de conversa que teve como presidente Temer, como parte do acordo de delação. Nos áudios do diálogo, não há nada a incriminar o presidente, a meu ver e ao ver da maioria das pessoas com acesso à gravação. Mas esse material serviu ao fim de Janot, ansioso por derrubar Temer, de propor ação contra ele. A Câmara dos Deputados, no entanto, recusou a concessão da licença prevista na Constituição, para o STF julgá-lo.
          Fique bem claro. Não estou proclamando a inocência ou a culpa de Temer, porque eu e muita gente não conhecemos a verdade dos fatos. Afirmo apenas isto: a fim de julgá-lo e condená-lo, o MPF tem de apresentar provas das acusações, mas não apenas isso, terá de apresentar provas lícitas. Este critério não está presente, por definição, no flagrante preparado com o fim de gravar a conversa de Joesley com Temer. Se esse princípio básico do Estado de Direito não for atendido, então estaremos numa ditadura. O mesmo vale, por óbvio, a qualquer acusado, seja ele Lula, Palocci, Geddel, Narizinho, Saci Pererê, etc.
          Vamos agora a pequena amostra da conversa de Joesley com Saud:
          “A realidade é: Nós não ‘vai’ ser preso”. [...]. “Nós ‘vai’ acabar virando amigo de Janot” [...]. “Eu ando invocado de comer uma velha por aí. [...]. Acho que vou comer umas duas velhinhas de 50. Casadinhas” [...]. “Você quer conquistar o Marcelo [Miller? É só começar a chamar esse povo [os políticos] de bandido. Ele vai ver que você está do lado dele”.
          Parte da imprensa afirma, na tentativa de mostrar o procurador-geral como o último puro sobre a face da Terra, que ele foi enganado. Bem, se o foi, é um incompetente, pois o teria sido duplamente, por Joesley e por sua perna direita, Marcelo Miller. Este não fez jogo duplo coisa nenhuma. Seus passos eram muito bem acompanhados por seu chefe. Mas, se não foi enganado, ele é parte da conspirata para derrubar o legítimo presidente da República. Esta última hipótese é corroborada pelas claras palavras de Joesley: “Janot está sabendo”. Por muito menos, quase Temer foi derrubado. A presidente do STF, Carmem Lúcia mandou investigar tudo isso. Sabem quem foi o encarregado de comandar a investigação? Sim, o próprio Janot, quando o investigado deveria ser ele.
          Acabamos de correr o risco de sermos dominados por gente desse tipo, que explicitamente queria desmoralizar o Supremo, como vê em trecho do diálogo. É bom estar mais atento daqui em diante.

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