25 de junho de 2006

O fenômeno voltou

Jornal O Estado do Maranhão

A Copa do Mundo prossegue sem nenhuma surpresa. A ocorrência de zebras não é característica da competição. O caro leitor-torcedor vai, espero, se lembrar de uma particularidade a que já fiz referência mais de uma vez. Em todas as Copas, desde a primeira em 1930, até a de 2002, pelo menos um membro de um pequeno conjunto de países, formado por Brasil, Argentina, Itália e Alemanha, jogou todas as partidas finais. Num caso, contra um dos outros três, como nos confrontos entre Brasil x Itália, em 1970, Itália x Alemanha, em 1982, Argentina x Alemanha, em 1986, Alemanha x Argentina, em 1990, Brasil x Itália, em 1994 e Brasil x Alemanha, em 2002. Em outro caso, contra países que não esses quatro, como nos jogos entre Uruguai x Argentina, em 1930, Itália x Tchecoslováquia, em 1934, Itália x Hungria, em 1938, Uruguai x Brasil, em 1950, Alemanha x Hungria, em 1954, Brasil x Suécia, em 1958, Brasil x Tchecoslováquia, em 1962, Inglaterra x Alemanha, em 1966, Alemanha x Holanda, em 1974, Argentina x Holanda, em 1978 e França x Brasil, em 1998. (Cito em primeiro lugar os vencedores). Como se vê, tal fenômeno – falarei mais adiante do outro – tornou-se mais freqüente e nítido. Após o Mundial de 1978, todas as finais, exceto a de 1998, contaram com duas seleções do Grupo. Em 2006, não será diferente. Uma delas estará no último jogo, ou duas estarão.
Dificilmente não participaremos dele, salvo por intervenção maléfica contra o Brasil de parte do Sobrenatural de Almeida, de Nélson Rodrigues, ou por tramas da bem conhecida “caixinha de surpresas” do esporte. Aliás, a trajetória da Seleção nesta Copa repete, em boa medida, até este momento, a da anterior, quando Felipe Scolari era o técnico. O primeiro jogo, muitos se lembrarão, foi contra a Turquia, vencido pelo Brasil por 2 x 1, com um gol de pênalti inexistente.
A imprensa logo chamou Scolari de pré-scolari, numa referência irônica, e até séria de alguns desavisados, ao nível de escolarização a ele outorgado e ao que era encarado como teimosia dele, também atribuída a Parreira e, em geral, aos técnicos de futebol, que, pela própria natureza de seu trabalho, têm de ser teimosos, pois, de outra forma, não seriam técnicos, mas simples escaladores de times dos outros, em especial dos especialistas de mesa-redonda da TV. Na seqüência, a equipe foi crescendo, como agora. Mesmo assim, ganhamos as demais partidas marcando apenas um gol ou dois – Bélgica, 2 x 0, Inglaterra, 2 x 1, Turquia, 1 x 0 e Alemanha 2 x0 –, menos naquelas contra a China e a Costa Rica, que vencemos por 4 x 0 e 5 x 2.
Neste ano, o Brasil fez uma estréia ruim contra a Croácia, melhorou contra a Austrália e jogou como o verdadeiro Brasil contra o Japão, dando razão a Parreira. Ele disse sempre que seria assim, em particular com respeito a Ronaldo, O Fenômeno. Este, tendo marcado duas vezes no 4 x 1 contra o Japão, passou de gordo vaiado pela torcida, na primeira partida, a herói. Tornou-se recordista brasileiro em número de gols em Copas, superando Pelé, e de toda a história da competição, ao lado do alemão Gerd Müller.
Subestimado, visto como acabado, como em 2002, e , por isso, descartado para o restante do torneio, pelos tais especialistas, que dirão agora que o Brasil não teve méritos por causa da fraqueza do Japão, que não é fraco em comparação com a Austrália, O Fenômeno voltou. Mostrou mais uma vez seu talento, força de vontade, persistência e poder de superação. O que eu disse dele na Copa passada vale ainda: “Acredito não haver na história de qualquer esporte quem, tendo sofrido tantos reveses, com tão pouca idade, mas em meio a tanta glória, tenha, como ele, se levantado com tal força e coragem para retomar seu legítimo lugar no panteão dos deuses do futebol.”.

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