12 de janeiro de 2003

Contas a pagar

Jornal O Estado do Maranhão 
Durante alguns anos no Brasil, muito se discutiu sobre o acerto ou o erro de adotarem-se orçamentos públicos equilibrados como a base de qualquer política econômica com o objetivo de controlar a inflação. Havia correntes de opinião auto-intituladas esquerdistas, mas em verdade defensoras da teoria da geração de riqueza pela impressão de papel-moeda, que afirmavam ser possível produzir déficits orçamentários sistemáticos, sem disso resultar nenhuma conseqüência com respeito ao processo inflacionário.
A aceitação dessa idéia por sucessivos governos resultou na inflação crônica experimentada pelo país ao longo de muitos anos. Eliminavam-se, assim, todas as possibilidade de alcançarmos as condições de gerar os recursos necessários aos programas sociais reclamados por todos.
O debate foi superado de uma forma que dá razão a Karl Marx na sua observação de que as alterações na realidade mudam as opiniões das pessoas e sua maneira de encararem o mundo, e não o contrário. Refiro-me à imposição, desde 1994, de controles rigorosos do déficit público, paralelamente à adoção de políticas monetárias rígidas, levando ao estancamento da inflação brasileira.
Este fato simples e não uma truque econômico sacado da cartola de um economista mágico, impossível de todo modo de ser feito em qualquer economia, calou os adversários ideológicos do equilíbrio orçamentário, vale dizer, da responsabilidade fiscal. Mostrou também ao restante da sociedade o acerto das novas políticas, traduzidas nos bons resultados alcançados no controle da inflação. É sempre bom lembrar que esta atinge mais os mais pobres, embora seja ruinosa para todos, até em áreas fora do domínio da economia.
Pode dizer-se, hoje, ser um anacronismo eventuais tentativas de retomada do debate entre partidários do equilíbrio e do desequilíbrio orçamentário, isto é, entre o pensamento antiinflacionário e inflacionário. Há um consenso nacional sobre a necessidade da persistência no combate à inflação por parte dos governos, seja qual for sua orientação ideológica. A esse respeito, os primeiros sinais da nova administração do PT são promissores.
Esses ganhos de racionalidade econômica foram consolidados na lei complementar no. 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece limites de endividamento e de gastos do setor público, inclusive nas despesas com pessoal. Assim, foram retirados do reino das boas intenções dos governantes, das quais o inferno está cheio, tornando-se parte de exigências legais.
No entanto, apesar de toda essa convergência em torno da responsabilidade fiscal, não estamos livres de retrocessos e da possibilidade de volta à cultura ruinosa da gastança sem limites. Digo isso porque vejo o Estado do Rio de Janeiro usar a falta de recursos para o pagamento do 13º. salário de seus funcionários como desculpa a fim de deixar de amortizar parcelas de suas dívidas com o tesouro nacional.
Contudo, para chegar a essa situação os dirigentes do Rio agiram imprudentemente, ou talvez irresponsavelmente. Eles mesmos elaboraram um orçamento, mas seus gastos foram maiores do que a previsão. Agora querem o socorro da União. Concedê-lo seria sancionar a insensatez fiscal e o descumprimento da lei.
O argumento de serem os gestores anteriores os responsáveis pelo problema é inadmissível. Os compromissos a serem cumpridos não são de pessoas, mas do Estado. A governadora do Rio de Janeiro sucede seu próprio marido, após o breve intervalo de oito meses da administração de Benedita da Silva. Não é só isso, porém. Ao candidatarem-se, os novos governadores conheciam a situação do Estado que iam dirigir. Não estavam a par das dificuldades? Paciência, então. Deveriam estar.
O presidente Lula não pode aceitar as pressões para escancarar os cofres federais, premiando a irresponsabilidade fiscal, sob pena de prejudicar sua credibilidade e de sua política econômica. Se o Rio de Janeiro não pagar suas contas, todas nós pagaremos em seu lugar, sob a forma de inflação.

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