28 de agosto de 2011

Pulsos sensíveis, mãos ágeis

Jornal O Estado do Maranhão

Quando a Polícia Federal cumpre ordem judicial de prisão de suspeitos de cometerem crimes, os partidos políticos não se indignam. Ao contrário, aplaudem de pé e pedem bis, como ao fim do concerto ou do grande show de rock pauleira no Maracanã. Afinal, esse é certamente o desejo dos eleitores: ver bandidos algemados e encarcerados pelo resto da vida. A falta de indignação só ocorre quando o ladrão é um pé de chinelo qualquer, um reles do povo, um desclassificado, um menos igual sob a chibata dos mais iguais, como na Revolução dos bichos: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros.”
Caro leitor, a indignação dos mesmos partidos é imensa com o uso recente de algemas em alguns malandros federais de muita pose e muitas posses. Seguindo antiga tradição brasileira, estes se distraíram e acabaram misturando seus recursos financeiros com os do governo, arrancados com voracidade de nossos bolsos de contribuintes indefesos por um sistema fiscal cada vez mais injusto, irracional e disfuncional.
No entanto, esse é um procedimento corriqueiro nos meios policiais de todos – repito, todos – os países democráticos. É adotado tanto para a segurança do preso quanto dos responsáveis pela sua custódia. É evidente a possibilidade de haver, em tal circunstância, caracterizada pela condução coercitiva do acusado, tentativas de fuga com o uso da violência, sob grande risco à própria vida do custodiado bem como à da autoridade policial. Não há razão nenhuma de se supor que presos “de bem”, gente de influência econômica e social, pertencente a grupos de nível de renda alto, muitas vezes ocupante de cobiçados cargos da hierarquia da administração pública, não arrisque fugir, atentando, até, contra a existência de seus condutores, dadas as circunstâncias de grande estresse por que passa naquele momento. Mas essa é suposição, nunca explicitada, – de gente rica não pensar em fugir –, que prevalece na argumentação dos adversários das algemas.
De modo nenhum estou defendendo a pirotecnia, já abandonada, vista mais de uma vez em algumas operações da Polícia Federal, atitude que de fato criou constrangimentos a várias pessoas. Devemos colocar de um lado o uso das algemas e, de outro a exposição pública degradante do preso, pois são acontecimentos de fato separados. Mas, desrespeito semelhante a esse tem sido no Brasil tão comum quanto a violência, por exemplo, contra mulheres, idosos e crianças. Alguém se lembra de ter visto algum protesto entre nós contra as conhecidas “apresentação do suspeito à imprensa” pelas polícias estaduais, forma de pré-condenar, de dizer “pegamos o culpado”, antes de qualquer julgamento formal? Essa conduta causa surpresa a estrangeiros, choque e revolta neles. Contudo, estamos tão acostumados com esse péssimo hábito que sequer notamos quanto ele é perverso além de ilegal. O. J. Simpson, o famoso Pelé do futebol americano, quando capturado, depois de tentar fugir da polícia em velocidade pelas ruas de Los Angeles, acusado de matar a mulher, inculpação de que, correta ou incorretamente, obteve absolvição, foi “apresentado” à imprensa? Lá, inconcebível seria se o fosse. Claro, nem sempre é possível evitar a divulgação de imagens do algemado pela imprensa, mas a liberdade de informação prevalece em casos como esse.
Já ouço ali protestos: o Supremo Tribunal Federal já proibiu o uso de algemas. O tribunal proibiu em verdade apenas alguns procedimentos considerados humilhantes e degradantes, não necessariamente as algemas. Proibiu também a tal “apresentação” de suspeitos? Não, mas quem se importa com pés-rapados? A coisa só tem repercussão quando pega gente como secretários-executivos de ministérios e outros desse tipo.
O certo é isto. Algumas pessoas andam com os pulsos muito sensíveis. Não deveriam se expor a situações que coloquem em risco parte tão sensível do corpo humano e tão útil em tornar ágeis as mãos, pois como iriam sobreviver sem a reconhecida eficiência deste instrumento de trabalho numa das profissões mais antigas da humanidade, mas tão de nossos dias?





14 de agosto de 2011

Cortinas do espetáculo


Jornal O Estado do Maranhão

           Eu sempre gostei do futebolês, um linguajar engraçado, imaginativo e inovador de verdade, usado pelos que trabalham com o esporte bretão: jogadores, comentaristas de rádio e televisão, treinadores, preparadores físicos, torcedores e a restante multidão das pessoas ligadas ao futebol. Muitas delas nunca deram um reles chute numa bola.
           Na televisão, após a partida, o jogador, após coçar a cabeça, ajeitar o penteado esquisito, olhar à direita e à esquerda, cumprimentando quem passa, declara muito sério que o grupo, nome antigo de time deu o máximo de si para seguir a orientação do professor (este é o técnico, chamado, em Portugal, de mister), mas que aquele não foi um dia bom. (Enquanto fala, ele pensa em obter um contrato com uma equipe da Europa, servindo também do Cazaquistão, da segunda divisão da Grécia e outros desconhecidos). O entrevistado marcou um gol na derrota de seu time e solta esta: “A bola foi cruzada do lado direito do nosso ataque na direção da meia-lua da grande área e aí eu tive a felicidade (atitude de modéstia bonita e comovente) de acertar o chute, de canela, é verdade, e coloquei a bola pra dentro”. Ele jamais diz “eu dei um bom chute” ou “eu fui certeiro no chute”. Ele sempre tem a felicidade, quer dizer a sorte, de acertar. Parece não ficar bem “confessar” talento e habilidade, humilhando os adversários e, principalmente, seus companheiros, desprovidos de igual felicidade.
           Já não falo da famosa afirmação usada na explicação de derrotas: o futebol é uma caixinha de surpresa, que bem poderia ser “um caixão de surpresa”. Já é um chavão falar desse chavão. Melhor é lembrar outra tirada de curso comum no meio: hoje em dia não tem mais ninguém bobo no futebol ou não se pode escolher adversários. De qualquer maneira, o time às vezes não alcança um resultado positivo (tradução, não ganha o jogo). Quando ganha, o jogador diz: O importante é que saímos com os três pontos, depois de buscar o resultado. Nesse momento ele sempre corre para o abraço (hoje não é mais abraço, mas dancinhas e coreografias engraçadinhas) depois de encher o pé e balançar o véu de noiva, como um bom atacante impetuoso que, junto com os companheiros, imprime velocidade ao ataque. Sem dúvida, nessa hora, nenhum jogador sente o peso da camisa e o grupo faz as pazes com a vitória.
           O pessoal dos meios de comunicação, esse não tem limites. Se o juiz deixa de marcar uma falta, o crítico de arbitragem, com um tom de autoridade infalível, não perde a oportunidade de enfiar um sua senhoria fez vista grossa. Senhoria num jogo de futebol? A tia idosa de um amigo meu perguntou qual o papel de uma senhorita num jogo tão violento. Será que o namorado da moça está jogando? – perguntou a respeitável senhora.
Sobre o desempenho dos times, isto é, dos grupos, os locutores esportivos garantem aos gritos: o jogo é lá e cá. Em português, a disputa está equilibrada, ou o volume de jogo dos contendores é o mesmo, com ambos jogando com garra e determinação, até mesmo o atacante que jogou no sacrifício. Pena ele ser marcado pela torcida. O repórter à beira do gramado afirma, porém, que o centroavante estava num grande dia (ou numa grande noite). Afinal, trata-se do futebol pentacampeão do mundo.
           O final do jogo é ocasião de correria da imprensa. Ao apagar das luzes, os repórteres já preparam a conquista do gramado. Terminado o jogo, eles invadem o campo e atacam o primeiro atleta disponível. Perguntas inteligentes e respostas mais ainda são feitas então: – Mikesuelovsky, como você avalia o jogo, houve ou não vacilo da defesa do Tabajarão, o Leão da Paraíba e Adjacências? – Foi tudo muito difícil desde o apito inicial, erramos em alguns lances, o pessoal estavam desatentos, mas vamos dar a volta por cima e trabalhar com o professor e o grupo durante a semana a fim de corrigir os erros. O mais importante é que respeitamos os adversários. Não existe jogo ganho de véspera. O Brasileirão tá só começando. Vamos ter tempo de se recuperar.
Nada mais a dizer, pois fecham-se as cortinas do espetáculo.

11 de agosto de 2011

Cenas famosas de filmes clássicos - Casablanca




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Fonte: http://www.65anosdecinema.pro.br

10 de agosto de 2011

Prioridades - por Antonio Delfim Netto


Folha de S. Paulo, 10/8/2011

Quatro eventos recentes são exemplos de que a racionalidade que preside o processo civilizatório não está garantida:

1º) O cabo de guerra entre os republicanos e os democratas nos EUA aumentou a incerteza sobre a qualidade e a funcionalidade da administração da maior economia do mundo.
Uma lamentável falta de liderança mostrou maior preocupação com interesses eleitoral-paroquiais, do que com o papel moral e material que se esperava da nação que se pretende o paradigma do regime republicano;
2º) A inacreditável tragédia norueguesa produzida pelas mãos de um demente foi instrumentalizada pela regressão do espírito civilizatório revelada no avanço do extremismo racial e religioso que, um pouco mais, um pouco menos, vem atacando todos os países;
3º) A separação que se aprofunda entre os interesses materiais de longo prazo da China e dos EUA tem grandes consequências para a estabilidade do Oriente Médio e da Ásia. O exemplo é o apoio dissimulado da China (e da Índia) ao Irã com a troca física (em acordo de liquidação recíproca) de fornecimento permanente de petróleo -inclusive com a construção de um oleoduto- por bens industriais chineses, o que ilide o "embargo" da ONU (de efeito duvidoso) que tenta impedir a criação de mais uma potência atômica e
4º) O claro aprofundamento dos investimentos militares da China e da Índia. A ênfase da primeira na expansão de sua marinha para o domínio do chamado "mar da China", com vistas à busca de recursos naturais, revela que ela (como toda "potência", particularmente os EUA) está também à procura das três autonomias: a alimentar (a China já é a maior produtora de alimentos do mundo e graças à tecnologia que está gerando com rapidez pode crescer muito mais); a energética (que desenvolve a partir do carvão e agora do gás, eólica e outras tecnologias de ponta); e a militar que ela expande rapidamente.
O desenvolvimento dos países emergentes nos próximos dez anos vai se dar num ambiente de estresse crescente pela disputa de recursos naturais na terra e no mar. Países que, como o Brasil, abdicaram da autonomia "militar", mas dispõem de recursos naturais, precisam ter esse quadro em mente e insistir na construção de Forças Armadas enxutas, bem treinadas e com adequado poder "dissuasivo".
Não é exagero dizer que investimentos numa indústria bélica eficiente e competitiva externamente, inclusive a ênfase no domínio da tecnologia atômica, provavelmente mostrarão -em dez anos- uma taxa de retorno social superior à daqueles que hoje ocupam nível mais alto em nossas prioridades. Como disse o ilustre ministro Celso Amorim, "um país pacífico não pode ser confundido com um país desarmado e indefeso".

7 de agosto de 2011

Amy

Jornal O Estado do Maranhão

Há persistente mito na cultura de massas do mundo ocidental, essa que nos trucida diariamente com toneladas de breguice no rádio, na televisão, nas revistas de fofocas, nos tabloides britânicos e em outras mídias, bem como nos satura com os tristes espetáculos de pessoas desorientadas existencialmente, alimento da indústria de autoajuda, exemplarmente personificada na produção dos livros de Paulo Coelho e assemelhados, há um mito, eu dizia, de que o talento artístico é, relativamente a seu possuidor, uma inescapável maldição dos deuses, ditadores de sentenças como esta: te demos essa habilidade, mas exigimos retorno em termos infelicidade. Um falso pacto fáustico.
O alcoolismo dos ídolos e o vício em outras drogas perigosíssimas, passam, por meio de um mecanismo de racionalização, culpabilização e de ideologização, à categoria de contestação aos "valores burgueses” e de desprezo pelos valores éticos universais de respeito à vida e valorização da ética do trabalho. A culpa não é nem de Fausto nem de quem teve vendida a alma antes de nascer, mas do “sistema”. Isso é bastante evidente, por exemplo, na área musical, campo propício à veneração inconsequente de astros populares pelas massas sem rumo e em busca desordenada de princípios morais a que se agarrar. Elas se dedicam a endeusar seus ídolos, não pelos méritos estéticos da “obra” deles, mas por suas atitudes ditas rebeldes e contestatórias de “tudo isso que aí está”.
Estas considerações me ocorrem agora a respeito da morte da cantora inglesa Amy Winehouse, encontrada morta em seu apartamento em Londres, de causas não ainda não determinadas pelos legistas ingleses, mas certamente ligadas ao megaconsumo de álcool e de drogas de vários tipos. Se não foi por excesso, foi por falta delas, levando Amy, afirmam seus pais, a uma síndrome de abstinência fatal para ela, dona de um organismo dependente de produtos químicos.
Deixe-me mencionar, caro leitor, minha própria avaliação da cantora: em sua curta carreira ela foi uma artista de grande e original talento. Na primeira vez que ouvi uma de suas canções, Rehab, pensei em alguma cantora afro-americana, pelo timbre de sua voz e o modo característico de interpretação da música negra, ao estilo da feita nos Estados Unidos. Aliás, entre as muitas coisas boas produzidas por aquele país está sua música: jazz, soul, rhythm and blues, etc. Durante os poucos anos da presença de Amy na cena musical mundial, ela provocou um reviver do soul, a despeito de não ser americana nem morar nos Estados Unidos, numa área com muita gente competente, talentosa e competitiva.
Amy Winehouse tinha a respeito da vida uma atitude autodestrutiva. Ao mesmo tempo, como todos os artistas capazes de exercer influência sobre milhares de pessoas, tinha responsabilidade com o público jovem que a admirava pelas razões erradas, independentemente do próprio desejo dela ou da visão de seu papel na sociedade. Querendo ou não, ela servia de exemplo – mau exemplo – para a juventude. Esta não é uma afirmação moralista no sentido trivial. Quem, entre os relativistas culturais, disser que cada um tem sua moral, então sugiro que ele faça a experiência de se entupir de drogas e sofrer as consequências. Sem, porém, provocar danos a outras pessoas. O importante é, em verdade, saber a qual moral aderimos. Se defender a vida e rejeitar a cultura da morte e da autodestruição for moralismo pequeno-burguês, como o pensamento esquerdista empavonado proclama, viva a moral burguesa. A questão não é a do suicídio de Amy Winehouse – não se pode negá-lo –, pois não se pode impedir ninguém de cometê-lo. A questão é se ela, assim, fazendo,  não levará outros jovens à tentação de seguir seu exemplo.
Ao final, lamentável quanto possa ser ou parecer, a morte dela resultou de uma escolha particular, não da imposição de um “sistema” abstrato, misterioso e perseguidor dos bons e puros, impedindo-os de procurar a realização pessoal e a felicidade.
Como dizem os economistas com razão: não existe algo chamado almoço grátis.

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