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Mostrando postagens de agosto, 2004

O senhor ouvidor

Jornal O Estado do Maranhão Em 1543 quando era corregedor da Justiça em Elvas, no Alentejo, em Portugal, o cidadão Pero Borges recebeu do rei D.João III a incumbência de supervisionar a construção de um aqueduto. A obra ia pela metade quando parou. A verba acabara. Os vereadores da cidade indignaram-se, talvez por não terem a oportunidade de participar do trabalho de dar sumiço aos recursos destinados ao aqueduto. Enviaram, então, uma carta ao rei, solicitando uma investigação sobre as razões da carência dos fundos que eles pensavam ser bastantes a tão necessária obra, destinada a matar a sede de água dos habitantes da cidade e, como se vê, de dinheiro de Pero e seus comparsas. O rei deu autorização para a abertura de um inquérito, tão “rigoroso”, suponho eu, como os de hoje. Os investigadores chegaram à óbvia conclusão. O corregedor colocara no bolso 50% da verba, correspondente a um ano de seu salário. Três anos depois ele foi condenado a devolver ao erário o dinheiro surrupiado, e

Eterna juventude

Jornal O Estado do Maranhão   Tem gente que acha eleição, especialmente a municipal, a coisa mais chata e irritante do mundo e faria qualquer negócio para se livrar dela. O volume altíssimo nos altos falantes dos carros de som dos candidatos, as promessas não-cumpridas com a maior cara de pau, as trocas de partido, mal encerrada a votação, o analfabetismo de muitos, são de encher o saco do eleitor. Com razão, é bom dizer. Ninguém gosta de ser enganado, ou incomodado sem mais nem menos. Quanto mais por um pessoal acostumado a prometer o paraíso e entregar o inferno ou não entregar nada. A bem dizer, eles só entregam os adversários, com denúncias, dossiês e espionagem eletrônica. No fim, todo mundo acaba entregando todo mundo, mas não os mandatos, que, em princípio, não são dos eleitos, mas do povo. Eu penso de outra forma. Se dependesse exclusivamente de mim, haveria eleição anualmente, ou até semestralmente. Exagero? O leitor já deve ter notado como, no aspecto físico, as cidades se t

Más notícias

Jornal O Estado do Maranhão O governo continua acertando na economia, que mostra sinais de recuperação, ameaçada, no entanto, pela alta do preço do petróleo, e errando no resto. Entrou na ordem do dia a polêmica sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo. A discussão surge num momento em que, acossada por denúncias de irregularidades fiscais contra os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, a administração petista passou, por sua vez, a denunciar as denúncias, falando de um suposto “denuncismo”. É o feitiço contra o feiticeiro, pois ninguém mais do que o PT denunciou Deus e o mundo no passado. Mas, como seu mundo agora é outro, o partido passou a considerar boa só a denúncia contra os outros, sejam eles do governo, antigamente “acusado” de “neoliberal” e autoritário, ou da oposição, agora tachada de denuncista, quando antes, nos velhos maus tempos, estava apenas defendendo o interesse do “sofrido povo”. Essa atitude precisa ser denunciada imediatamente, sob pena da o

Um professor

Jornal O Estado do Maranhão Recebo um cartão de pêsames de Kalil Mohana e vou às gavetas procurar velhas fotografias de meu tempo do antigo ginásio no Colégio Marista. Ele não está em nenhuma apesar de ter sido meu professor de história. Estão o Irmão Ivo Anselmo, professor de Química, com seu porte marcial e ares germano-gaúchos de chefe escoteiro disciplinador e de falso durão, quase se ouvindo seu sotaque de um tipo que eu nunca ouvira antes aqui nas lonjuras de nossa província; o Irmão Raimundo Lobato, trazendo em tudo a marca de seus ancestrais do Marajó, professor da fascinante física, moreno em contraste com o branco Anselmo, os dois, um do extremo Sul do Brasil e o outro do Norte, refletindo conjuntamente a heterogeneidade do nosso povo; Irmão Geraldo, nordestino valente que nos obrigava a decorar todos os afluentes do rio Amazonas, das margens esquerda e direita, sem perder nenhuma chance de mostrar a camisa do Flamengo invisível na foto, sob a batina um pouco desleixada; o I

A Mãe

Jornal O Estado do Maranhão Há dores particulares que se tornam universais por serem comuns a todos nós. Quem não as sentiu ainda, um dia as sentirá e sofrerá com elas, tornando-se mais humano. Uma delas é a da morte de uma pessoa amada. Penso, assim, que os leitores serão compreensivos e não se importarão se eu lhes falar sobre a nossa mãe, minha e de muitos irmãos, Maria Raposo Moreira. Ela acaba de morrer aos 83 anos, em paz consigo, com o mundo e com o seu Deus de todas as horas. Quem sabe no futuro, algum curioso descobrirá, ao ler velhos jornais, a existência em São Luís do Maranhão, onde passou a maior parte de sua vida, de uma mulher nascida em Cajapió, que, por sua inteligência excepcional, temperamento marcante, caráter firme e aptidão especial para criar filhos, ao lado de seu grande amor, Carlos Moreira – eles agora felizes se reencontram, a fim, desta vez, de ficarem juntos por toda a eternidade –, cumpriu diligentemente a missão de mãe. O senso de responsabilidade, a dis