27 de fevereiro de 2005

Futuro sob Ameaça

Jornal O Estado do Maranhão
Não será por não saber o que fazer que não cumprimos no Brasil a obrigação de melhorar nosso sistema educacional. O exemplo da Coréia, apesar das diferenças culturais e sociais, mostra o caminho. É inadiável atender a necessidade de se investir pesadamente na melhoria do ensino básico. Não é o caso de deixar-se de aplicar recursos no superior. Trata-se de corrigir a distorção de destinar mais de 80% dos recursos públicos a este nível de instrução e, as migalhas, ao fundamental. Esse equívoco nos leva a gastar 17 vezes mais com os universitários do que com os demais alunos. Por contraste, a Coréia gasta apenas duas vezes mais e tem 82% de seus jovens na universidade. O Brasil, apenas 18%. Ou seja, gastamos relativamente muito mais do que os coreanos, mas colocamos uma percentagem muito menor no nível superior, com formação de qualidade inferior.
Ora, jamais teremos universidades minimamente habilitadas a satisfazer as necessidades de pesquisa de novas tecnologias, o fator mais importante na história de sucesso dos países hoje com elevado grau de desenvolvimento econômico e populações detentoras de excelentes condições de vida, com sua riqueza distribuída de forma bastante igualitária, se não construirmos um forte alicerce com solidez suficiente para sustentar todo o resto do complexo educacional acima dele.
Como ter boas instituições universitárias se os jovens que nela ingressam trazem na sua formação enormes deficiências que os impedem de serem bons pesquisadores, tornando impossível, como regra geral, o desenvolvimento de bons programas de pesquisa, capazes de dar à nossa economia o mínimo de competitividade nos mercados globalizados? Como aumentar a produtividade dos profissionais de nível médio se eles não dispõem das habilidades mínimas no domínio da expressão verbal, se não lhes foram dadas no básico as oportunidades de aprendizado de conceitos quantitativos rudimentares? Fizemos, é verdade, progressos importantes, quantitativamente, nos últimos anos. Mas, o ensino no Brasil é ainda, reconhecidamente de má qualidade.
A Coréia, como bem mostrou a revista Veja recentemente, pode servir de modelo a muitas nações. Mas, não foi sempre assim. Eu, que nasci aí pela metade do século XX, lembro perfeitamente. Saindo de uma guerra contra a outra Coréia, o país era visto, até o início dos anos sessenta, como uma sociedade pobre, ávida por copiar a tecnologia dos outros, inclusive de seu rival histórico, o Japão. Os brasileiros, na época, tinham uma renda per capita maior do que a dos coreanos. Hoje, não chegamos à metade. Grande parte dessa revolução deveu-se à excelente condição do sistema educacional coreano, obtida por meio do correto direcionamento dos investimentos nessa área. A prioridade foi dada ao ensino fundamental, em que se concentraram os recursos públicos, ficando com a iniciativa privada a tarefa de investir no superior.
A necessária inversão de prioridades nesse campo no Brasil, que deve vir acompanhada de um aumento na percentagem do PIB aplicada na educação e por uma radical reforma universitária, a ser feita no pressuposto de aplicação eficiente dos recursos, encontra forte reação ideológica de alguns setores minoritários, porém influentes e barulhentos. São resquícios, imagino, de nossa mentalidade bacharelesca que só reconhece como nobre a instrução superior, mesmo de baixa ou nenhuma qualidade.
Enquanto isso não for alcançado, enquanto não se der prioridade ao fundamental, permanecerá a pergunta. Se é tão evidente o rumo a tomar, se não se podem construir castelos no ar, por que não aceitamos o desafio ante nós e fazemos nosso dever de casa? Se não agora, quando o faremos? As forças do atraso terão tanta força assim de ameaçar impunemente nosso futuro?

13 de fevereiro de 2005

Promessas

Jornal O Estado do Maranhão
Quando se pensa na eleição do presidente da Câmara dos Deputados, cargo que pode eventualmente levar seu ocupante a substituir o presidente da República nos impedimentos deste e do vice-presidente, é natural imaginar que os candidatos, por ocasião do pleito, se preocupem prioritariamente com as questões político-institucionais relevantes para o país e para o povo brasileiro. Mas, não se vê nada disso na atual campanha ou, pelo menos, não é essa a impressão que se tem.
Tem-se outra impressão: o futuro presidente, seja ele quem for entre os que têm chance de se eleger, pretende administrar a Câmara apenas no interesse particular dos parlamentares-eleitores, cujas aspirações, em grande parte, ganham expressão nas promessas magnânimas dos aspirantes ao cargo, em número de quatro.
Apareceu um sequer entre eles com propostas, por exemplo, de disciplinamento efetivo do uso de Medidas Provisórias, de triste fama pelos problemas criados ao funcionamento da Casa, devido ao uso imoderado que delas faz o Poder Executivo, muitas vezes trancando a pauta de votação dos assuntos realmente importantes? Alguém pensou em mecanismos que possam tornar mais rápida, sem prejuízo da discussão informada e ponderada, o exame de projetos de lei dos próprios deputados, evitando sua tramitação interminável? Falaram em reforma político-partidária? Não, certamente.
O tema relevante, a julgar pela campanha, é o aumento da remuneração dos deputados, prometido por quase todos os concorrentes. Digo remuneração porque se trata, além dos salários, aumentados, por sinal, em mais de 50% dois anos atrás, de outras vantagens. De acordo com as promessas, os salários seriam de R$ 19 mil, não chegando a mais porque esse valor é o teto do funcionalismo público. Um candidato já chegou, até, a sugerir a desconsideração desse limite, com sua proposta de R$ 21 mil. A chamada verba de gabinete, utilizada na contratação de pessoal, hoje de R$ 35 mil, poderá ser elevada a R$ 45 mil.
Uma das mais curiosas características dessa eleição está na excursão dos candidatos aos Estados, com o fim de pedir votos. O mais desatento observador da cena política nacional imaginaria que seria muito mais fácil pedi-los em Brasília mesmo, se se considera que quase todos os votantes ali se reúnem com uma certa freqüência. Em lugar de pagar jatinhos ou pegar jatões de nossas debilitadas companhias aéreas, seria muito mais barato ficar no Planalto Central e esperar lá os eleitores em vez de viajar às famosas bases estaduais, certamente em busca do apoio das lideranças políticas locais, supostamente capazes de pressionar os deputados. As despesas dos postulantes em conjunto chegarão a mais de R$ 1 milhão.
Veja bem, caro leitor, eleitor também, mas do tipo comum, que a reação contrária de grande parte da sociedade não é exclusivamente à idéia de elevação do pagamento dos nobres deputados. Pouca gente é contra a necessidade de eles ganharem bem, seja lá como se defina esse “bem”. Ninguém gosta é da concessão do aumento – generoso, como não podem deixar de ser todos os aumentos originados em autoconcessão –, quando o resto do funcionalismo público, especialmente do Executivo enfrenta lenta, mas constante, deterioração do poder de compra de sua remuneração, sem reajuste ou com reajuste mínimo ante a inflação acumulada ano após ano. Todos rejeitam, igualmente, a clara prevalência do espírito corporativo, em uma instituição que deveria ser a primeira a combatê-la, porquanto faz leis, iguais para todos em princípio. (O Judiciário tem defendido com sucesso, justa ou injustamente, suas vantagens).
Quem acredita que desse processo resultará uma mesa diretora da Câmara dos Deputados sintonizada com a necessidade de resolução dos grandes problemas do Brasil?

6 de fevereiro de 2005

Carnaval sem Malho

Jornal O Estado do Maranhão
O leitor deve se lembrar da novidade do Carnaval do ano passado aqui em São Luís: o Rei Momo malhado. Não se lembra? O caso foi este. Inventaram que essa simpática e redonda figura da nossa tradição teria de ser soberano de academia de musculação, forte e atlético, e não do tipo bom de boca como ele deve ser. Eu protestei contra a novidade, que me parecia antidemocrática, com o argumento de que apenas um pequeno número de pessoas, uma minoria privilegiada, teria a capacidade ou a vontade para obter, pela freqüência a caríssimas academias, um corpo malhado capaz de dar a seu dono o direito de candidatar-se ao trono, caso a infeliz inovação imperasse.
A maioria, sim, tem a seu alcance a democrática possibilidade, em verdade a extraordinária facilidade, de engordar e, portanto, de concorrer ao “cobiçado título”, como dizem os locutores esportivos. Dizia eu ainda: “Estamos, assim, diante de uma redução da oportunidade do cidadão comum de chegar à realeza e, por conseguinte, de um cerceamento do espírito democrático da nação brasileira.” Essa é, ainda, minha opinião. Por isso, a volta este ano ao Rei antigo é bem-vinda. Nada de malhação no Carnaval.
Posso dar exemplo do espírito democrático da escolha do Momo clássico, ao mencionar o regulamento deste ano para a eleição do Rei, em São José dos Campos, São Paulo. Puderam participar, no dia 15 do mês passado, qualquer cidadão natural da cidade, com no mínimo 1,60 m de altura, 100 kg de peso, certo “espírito carnavalesco” e “desembaraço social”.
Ora, haveremos de concordar que os pré-requisitos relativos a altura e peso são cumpridos com folga por qualquer um do povo. Isso é ou não é democrático? Todos podem participar, ninguém se sente excluído da alegria, um pária carnavalesco, sem chance de apreciar as delícias do verdadeiro divertimento real durante o chamado “tríduo momesco”, que hoje em dia não é mais tríduo coisa nenhuma, pois dura mais, até, do que a própria Quaresma. Tudo seria bem diferente, porém inteiramente antidemocrático, se a esdrúxula exigência da malhação se impusesse, pois se eliminaria instantaneamente da competição uma percentagem altíssima da população que jamais terá músculos minimamente semelhantes aos do governador da Califórnia, Arnold Swartzeneger, famoso exterminador.
O “espírito carnavalesco” e o “desembaraço social”, com certeza exigências também em nossa cidade, são atributos naturais dos candidatos tradicionais. Se o leitor prestou atenção, não pôde deixar de notar no Momo malhado de 2004 seu ar mais marcial do que carnavalesco e a falta do desembaraço social exigido dos pretendentes ao manto da realeza. Em contraste, é bem conhecida a propensão à alegria, bom humor e descontração dos potenciais momos, como demonstrado, aliás, dias atrás, durante a escolha do soberano Herberth Matos, de 140 kg, e das belas rainha, Kelen Muniz, e princesas, Joelma Sousa e Paula Jordana. Ele sambou com muita, vamos dizer, leveza. Um malhado faria o mesmo? Duvido. Herberth venceu Veiga Júnior, sete vezes rei, mas não no ano passado, o da malhação. Veiga jamais perderá a majestade, estou seguro.
Mas, ainda que não fosse justa como é, a volta do Rei tradicional está de acordo com os tempos, um grande feito quando se vê tanta coisa fora de seu tempo. Conforme o IBGE, 40,6% dos brasileiros adultos têm peso acima do ideal. O Rei Momo está, dessa forma, na companhia de um monte de gente. O presidente Lula mesmo faz parte desse grupo, pois precisa perder peso a fim de usar com um mínimo de conforto a cama do novo avião presidencial, segundo o comandante da Aeronáutica. Haverá aval de maior peso do que esse, do próprio presidente da República, para a os 140 kg de pura gordura de Herberth e de todos os Momos de verdade?

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