28 de julho de 2013

Djalma e Dominguinhos

Jornal O Estado do Maranhão

          Um dos melhores jogadores de todos os tempos acaba de falecer. Quem conhece um pouco da história do futebol brasileiro pode avaliar a importância para o Brasil de Djalma Santos e de muitos de sua geração, não apenas na arena futebolística, mas da nossa autoidentificação como povo.
          Antes de 1958, houve cinco Copas do Mundo. Nas de 1930 e 1934, tínhamos equipes fracas por causa, principalmente, das desavenças entre paulista e cariocas na hora de formar a Seleção: o bairrismo impedia a escolha dos melhores. Em 1938, terminamos em terceiro lugar e tivemos o artilheiro da competição, Leônidas da Silva. Ele era conhecido como Diamante Negro e deu a um chocolate ainda produzido este nome. Na Copa seguinte, de 1950, nosso time era excepcional, mas perdemos de 2 a 1 do Uruguai em partida em que fizemos o primeiro gol e um empate apenas nos faria campeões. Em 1954, na Batalha de Berna, assim chamada pela imprensa a partida contra a Hungria, o bicho-papão da Copa, fomos eliminados.
          Assim, chegamos à de 1958, na Suécia, com o sentimento de ser impossível ganhar a competição algum dia. Se não tínhamos vencido nem em casa! Lembro perfeitamente – eu tinha 10 anos de idade – do descrédito da seleção, ainda mais levando um garoto de 16 anos, a completar 17 em pouco tempo, conhecido de não muitos. Anos depois vim a ler uma famosa frase de Nélson Rodrigues: “Terminou o exílio da seleção. O Brasil partiu rumo à Suécia”. O complexo de vira-lata do brasileiro, de que ele falava, era bem real. Pouca gente acreditava no time e no país.
          Fomos campeões, oferecendo ao mundo magníficos espetáculos. Djalma Santos, jogador da Copa de 1954, conhecedor do gosto ruim da derrota, foi eleito o melhor jogador do torneio em sua posição, apesar de ter jogado só a última partida, no lugar de De Sordi, contra os anfitriões. Ele viria a jogar ainda nas Copas de 1962, quando nos tornamos bicampeões, e 1966. Em 1963, foi o único brasileiro a fazer parte da seleção da FIFA a jogar contra a Inglaterra em Wembley. Em várias pesquisas ele foi eleito o melhor lateral direito de todos os tempos do mundo. Recebeu o prêmio Belfort Duarte, dado aos jogadores com ao menos duzentos jogos oficiais sem sofrer expulsões durante no mínimo dez anos.
          A geração bicampeã (1958/1962) ajudou a derrubar o vira-latismo brasileiro, junto com a implantação da indústria automobilística no governo JK, o Cinema Novo, a eclosão da bossa nova, etc., fazendo um bem danado ao país.
          Ele se foi levando suas duas estrelas de campeão do mundo, mas deixou uma via-láctea de exibições elegantes e geniais das quais os brasileiros podemos nos orgulhar.
          Outra grande perda brasileira foi a do nordestino de Pernambuco, Dominguinhos. Ele não era apenas um bom compositor e, às vezes, cantor de suas próprias composições. Era arranjador e virtuose da sanfona. Convidado por Luiz Gonzaga, foi para o Rio de Janeiro, onde seu conterrâneo já estava, e passou a fazer parte do grupo que acompanhava o Rei do Baião.
          Quem se detiver a ouvir com cuidado o som de sua sanfona não deixará de perceber a sofisticação de suas harmonias vindas de sua aproximação com a bossa nova, mas não só dela, também do jazz, do choro (o jazz brasileiro), da música pop e de algumas variantes da MPB. Veja-se como exemplo desse contato sua parceria com Gilberto Gil, autor da letra de Abri a Porta. Gil gravou ainda um dos maiores sucessos de Dominguinhos, Eu só Quero um Xodó.
          Por suas origens em Garanhuns e por sua história familiar e de vida, ele levou o baião, o xaxado e forró um passo adiante de onde os deixou Gonzagão, mesclando-os com os elementos trazidos daquelas outras vertentes musicais de corte mais urbano e universais mencionadas acima, tanto que ganhou o Grammy Latino de música de 2007. Clássicas tornaram-se muitas de suas canções. Fez música-música, nordestina, brasileira e global.  
           Esses dois artistas deram contribuição decisiva para nos convencer de quantos talentos temos entre nós. Quantos mais não se desperdiçam por falta de oportunidades? Quantos deixam de vir à luz? Quantos?

Texto do advogado Carlos Nina

Publico texto do renomado advogado Carlos Nina, ex-promotor, ex-juiz e ex-presidente da OAB-MA, sobre a poluição sonora da Lagoa da Jansen. Ele me informa que fez representação ao Ministério Público Estdual, mas não obteve resposta. Em situação semelhante, mas em relação a outro local, também fiz representação ao MP e obtive resposta, só que insultuosa, do promotor Fernando Barreto. Recurso que encaminhei ao Conselho Superior do Ministério Público resultou em nada também, pois o órgão nunca me deu bola, demonstrando seu apreço pelo direito do cidadão de peticionar às autoridades.



Método Ludovico para os condenados da Lagoa 
Carlos Nina

           Anthony Burgess tinha motivos pessoais para criar o Método Ludovico. Sua mulher, grávida, foi estuprada por uma gangue na capital inglesa. Inspirado nesse fato tratou sobre a violência em seu livro “Laranja mecânica” (1962), depois transformado em fil
me por Stanley Kubrick. Malcolm McDowell recebeu o Globo de Ouro (1972) pela interpretação de Alexander DeLarge, líder da gangue que, no filme, se diverte violentando suas vítimas.
           Apaixonado por Beethoven - o músico, não o cachorro – Alex protagoniza uma cena que resiste em minha memória, não sei se pela violência em si ou pela convincente interpretação de McDowell.
Certo é que Alexander DeLarge, suprassumo do sadismo violento, é submetido ao Método Ludovico, que, sob sintética análise behaviorista, consiste em condicionamento psicológico, através da associação de imagens a uma sensação dolorosa.
           DeLarge, condenado à prisão por seus crimes, aceita ser cobaia nessa experiência. É imobilizado e mantido com seus olhos bem abertos, graças a uma espécie de separador de pálpebras, que impede até o gesto de piscar. Drogado para sentir grave desconforto, em sua frente são exibidas cenas de sexo e violência, que, associadas ao sofrimento pessoal do condenado, visam reprimir seus ímpetos de agressividade, numa experiência que nem mesmo Pavlov imaginou.
           Ao tratamento foi incorporada, em alto e bom som, a Nona Sinfonia de Beethoven, pela qual Alex DeLarge passaria a ter total aversão.
Burgess fez muitos adeptos. Parte destes transformou a Lagoa da Jansen, na capital maranhense, em campo experimental do Método Ludovico, com resultados incontestáveis.
           Construída como área de lazer, para desfrute prazeroso, aquela Lagoa foi transformada num verdadeiro castigo para os moradores da região, circunstância única que os condenou ao sofrimento através do Método Ludovico, criado para ilustrar ficção, mas que, como se vê na Lagoa, inspirou carrascos além das fronteiras artísticas.
           A diferença é que na “Laranja mecânica” o Método Ludovico é aplicado em um sádico e violentíssimo criminoso. No caso da Lagoa, os condenados são simples moradores, estudantes e trabalhadores que precisam acordar cedo para cumprir suas responsabilidades; bebês, crianças, gestantes, idosos e pessoas enfermas que precisam de sossego; famílias que gostariam de desfrutar noites e fins-de-semana tranquilos no aconchego de seus lares, mas que foram condenados a conviver com o barulho ensurdecedor de shows, transmitidos por alto-falantes potentes para serem ouvidos o mais alto e longe possível, alcançando todos os condenados do local.
           O desvirtuamento da finalidade da área da Lagoa já é fato consumado. Ali estão reiterada, emblemática e acintosamente expressas variadas e impunes violações às normas de proteção ao meio ambiente, de poluição sonora, de respeito à dignidade da pessoa humana, à paz e a segurança pública. E não adianta recorrer a ninguém. Se pedido de providência e denúncia resolvesse o problema, há muito a paz e o respeito já teriam sido ali restabelecidos.
           O que mais entristece é constatar que bons prazeres também foram proibidos com a tortura imposta aos condenados da Lagoa, como os de ouvir boa música, fazer uma leitura qualquer ou reunir amigos em sua residência. Pior, ainda, é o efeito colateral que fez com que os condenados da Lagoa não queiram mais, mesmo quando podem, ouvir as músicas usadas nesse processo torturante, mesmo que tenham sido suas melodias preferidas. O que antes era bom ouvir, não mais vale festejar. O que mais querem os condenados da Lagoa é nunca mais ouvir sequer um acorde. Até o cantador do cuscuz ideal e o sino do carro de gás já causam sofrimento.
           Mas só os condenados sabem o quanto constrange e dói esse castigo. Um jovem acadêmico, que combinara de estudar com um colega que mora na Lagoa, perguntou-lhe, ao telefone: “Não íamos estudar? Estás é no arraial?” E o colega respondeu, conformado: “Não, amigo, não estou no arraial. É o arraial que está dentro do meu quarto.”
           Os que só usam a Lagoa para estimular esse uso indevido daquela área pública só sentirão os efeitos dessa condenação se dependerem de alguém que precisava de uma boa noite de sono e que, pela manhã, não consegue manter os olhos abertos porque, à noite, os carrascos da Lagoa não precisam nem de separador de pálpebras, pois não há como esconder os tímpanos do alcance e da violência sonora dos seus alto-falantes.
           Quem sabe a mensagem do Papa Francisco sensibilize os responsáveis por esse desrespeito e eles pensem, senão nos trabalhadores que precisam de repouso, pelo menos nas crianças, nos idosos e nos enfermos a quem esse inferno causa mais danos.
           O que os condenados da Lagoa querem é um mínimo de respeito. Mas isso só será possível se cessar esse desvirtuamento da finalidade das áreas públicas da Lagoa da Jansen, silenciando-se o som abusivo das tabocas rachadas que dali ecoam, destruindo a capacidade dos ali residentes de sentir o prazer de ouvir uma boa música no aconchego de seu lar.

Machado de Assis no Amazon