18 de março de 2001

Coco mata

Jornal O Estado do Maranhão
Hoje, já não se sabe mais o que fazer para ter uma vida dita saudável. Durante anos, ouviu-se dizer que o uso da margarina, em substituição à manteiga, é que é o certo para evitar o mau colesterol e outros problemas. Um estudioso qualquer, que levou anos pesquisando, enquanto a gente enchia o pão e a frigideira de margarina, está dizendo que não faz diferença. Um dia pode, outro dia não pode. Um dia deve, outro não. Desse jeito acaba-se morrendo é de susto, no mais perfeito estado de saúde.
Houve um tempo em que correr, “fazer cooper”, era o máximo. Quem não fizesse ia, já, já, ter um ataque de coração, talvez um derrame cerebral, hoje apelidado de AVC, Acidente Vascular Cerebral. Ou uma doença ia atacar. Qualquer uma. Depois de muitas vértebras deslocadas, tendinites e outras mazelas, veio a novidade: andar é muito melhor do que correr. Nada de forçar a coluna, prejudicar o joelho, torcer o tornozelo etc.
Nessa época, um amigo meu ia à praia, diariamente, “fazer cooper”. Em uma bela manhã de sol, lá vem ele trotando pelas areias da praia de São Marcos. Belas jovens, daquelas que se vêem nas revistas masculinas, observam seu desempenho olímpico, cochichando e rindo. Ele interpretou o alvoroço como admiração por seus dotes atléticos. Vai ver, elas estavam dando bola pro coroa. Ele, peito pra fora, barriga pra dentro, queixo pra cima, acelera o passo. Aí...:
— Olha aí, vovô, cuidado com o coração! Vai devagar! Até hoje ele não se recuperou do trauma. Vovô... Nem de tio lhe chamaram! Ficou achando que essas recomendações para manter a forma são feitas por jovens atletas para humilhar senhores como ele. O pior é que, de tão obsessivo com o “cooper”, ele acabou ficando mais ansioso, em vez de menos, como esperava. — É batata. Tu vais relaxar depressinha — tinha garantido um vizinho entendido.
Isso me faz lembrar o conselho que nos dão, de fazer check-ups anuais, depois de certa idade. O sujeito consulta especialistas, toma todas as precauções, faz os exames indicados, fica ansioso à espera do resultado. No fim, vem a notícia: — Está tudo ótimo... Para sua idade! Foi o caso de outro amigo.
O pobre coitado ficou sem saber se a notícia era boa ou ruim. Será que tudo estava bem, mas a idade não? Qual o mistério daquele “para sua idade”? Mas, se era a idade que estava mal, como podia o resto estar bem? Será que tudo estava mal? Isso teria conserto? Uma cirurgia resolveria tudo, ou o caso era perdido?
— Aposto como esse médico quer me enrolar Esse “está tudo ótimo” não me engana — pensou a vítima. — Vai ver que estou com alguma doença grave. Essas dores de cabeça que eu venho sentindo, esse cansaço... Aí tem. Talvez eu tenha que ir pra um lugar onde a medicina disponha de mais recursos.. Era por isso que eu não queria fazer esses exames. Culpada é minha mulher que me obrigou.
O sujeito acaba ficando doente de verdade. Da cabeça. Se não era, passa a ser um estressado, um ansioso. A paranóia ataca: — Esses caras vão acabar me matando. Uma porção de exames pra continuar nessa dúvida! Assim vou acabar tendo um ataque de coração.
E as dietas pra emagrecimento? É a da lua, a do sol, as protéicas, as hiperprotéicas. Tem com massa, sem massa, com carne, sem carne, com fruta, sem fruta, com reza, sem reza. Interessante é que, mesmo nos casos em que a dieta é séria, a culpa pelo fracasso nunca é de quem faz. Os culpados são o Carnaval (a Semana Santa não), o São João, as festas de fim de ano, o aniversário da sogra, do irmão, da mulher, do marido, do filho, do pai, da mãe, do afilhado, do chefe no serviço. Já ouvi gente dizer que a culpa era da televisão que fica passando aquelas propagandas de comida a toda hora. Nos Estados Unidos, descobriram que lamber selo engorda.
O certo é que, pelo andar dessa carruagem, chegará o dia de se ouvir dizer que comer é perigoso, andar faz crescer a barriga, botar a cara na rua faz mal. Aí então, se alguém madrugar no quintal e um coco lhe cair na cabeça, a manchete do dia seguinte vai garantir: “Está provado. Coco de manhã cedo mata”.

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