13 de março de 2005

Gerundismo

Jornal O Estado do Maranhão   
Esta semana eu vou estar escrevendo sobre um modismo que vai estar agredindo por muito tempo, sem dó nem piedade, a língua pátria, a nível de analfabetismo funcional, enquanto deturpação da maneira correta de expressão verbal. Os leitores vão estar percebendo minha colocação e vão estar vendo que vou estar me referindo ao gerundismo. Alguém vai poder estar pensando que vou estar exagerando na crítica ao uso injustificável do gerúndio, característica dessa praga lingüística. Quem for estar pensando de tal forma vai estar enganando a si mesmo. Eu vou estar, até, sendo benevolente, porque o que eu deveria estar fazendo é estar pedindo às autoridades que os gerundistas estivessem sendo colocados de volta nos bancos da escola primária e estivessem levando puxões de orelha cada vez que fossem estar falando assim. Mas, eu vou estar pedindo apenas que eles parem de estar espalhando essa moda obtusa que solapa ardilosamente o idioma pátrio, tal como a globalização, que vai estar sempre tramando contra os bons costumes, a economia, o sofrido povo e as instituições democráticas do Brasil.
Depois de estar fazendo rigorosas pesquisas, para estar descobrindo a origem desse mal, eu estive chegando à seguinte conclusão. Em grande parte, o principal foco dessa doença está nas empresas de telemarketing e nos chamados call centers dos serviços de telefonia e distribuição de energia elétrica, que vão estar sempre prestando serviços da pior qualidade ao consumidor. Mais cedo ou mais tarde, o caro leitor vai estar telefonando, por exemplo, para a Cemar, e vai estar vendo que tenho razão. O rapaz ou a moça do outro lado da linha vai estar dizendo frases como estas: “O senhor vai estar recebendo uma comunicação sobre a resolução do problema”. Ou “A sua reclamação sobre a constante falta de energia vai estar sendo atendida em breve”. Naturalmente esse breve vai estar durando um bocado de tempo.
O gerundismo está sendo, e vai estar sendo, adaptado do inglês. Neste, uma construção perfeitamente aceitável, pois em perfeita consonância com sua índole, vai estar sendo transposta desajeitadamente para o português. Os gerundistas vão estar usando o tempo todo uma estrutura sintática inglesa com palavras do nosso idioma. Eles, que mal arranham sua própria língua, vão estar querendo parecer sofisticado procedendo assim. Pensam que vão estar dando a impressão de um grande domínio do inglês. Porém, sempre vão estar tentando falar um português esquisito, exótica imitação de um idioma estrangeiro que o gerundista mal está conhecendo também.
Podemos pensar no dia em que eles vão estar inventando um novo verbo, gerundir, que vai estar sendo conjugado deste modo. “Eu vou estar gerundindo, tu vais estar gerundindo, etc.”. “Hoje vou estar gerundindo o dia todo no trabalho”, alguém vai estar certamente dizendo. Tomemos outro exemplo, da empresas de telefonia celular, que vão estar o tempo todo tentando tornar seus clientes fiéis a ela na marra, dando a isso o nome de fidelização. Vamos poder estar imaginando as seguintes respostas de um de seus atendentes: “O senhor vai estar aguardando um momento, por favor, enquanto nós vamos estar transferindo sua ligação para o setor dos reclamões”. “A senhora esteve fazendo uma ligação de duas horas para as Ilhas Maldivas e vai estar pagando caro por isso”.
Eu sei que os viciados em gerundismo vão estar sofrendo crises de abstinência, vão estar se revoltando e vão poder estar se tornando violentos até. Mas, pelo bem da pátria e de nossos ouvidos, minha proposta é de se estar criando uma lei de proibição desse flagelo. Para cada infração, eles deverão estar escrevendo num caderno antigo de caligrafia, mil vezes: “Nunca mais vou estar me deixando dominar pelo vício maldito do gerundismo”.

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