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Mostrando postagens de outubro, 2004

O verbo é Chagas

Jornal O Estado do Maranhão O verbo é o princípio de tudo. Ele nos fez e nos faz humanos, nos inventou, reinventou e reinventa permanentemente. É a própria essência da interminável luta pela comunicação significante com nossos semelhantes, quantas vezes frustrada, mas indissoluvelmente parte da nossa natureza. Ele nos distingue como superiores – o antropocentrismo aqui é justificado – aos seres dos quais, não fora por essa diferenciação tão cotidiana, todavia tão poderosa, estaríamos separados tão-só por alguns genes. O verbo, sim, é o inventor daquilo que chamamos de espírito ou alma. Mas, como todos nós aprendemos à custa de muitos desencontros e desentendimentos, o manejo do verbo não é trivial, sendo embora uma faculdade distintivamente humana. Queremos dizer uma coisa e dizemos outra. Erramos no tom, erramos nas palavras, erramos nas frases. Sem remédio, pois o dito não morre depois de enunciado. Ele somente começa a viver naquele dia, como anunciou Emily Dickinson e como o prova

Bolsa-Escola

Jornal O Estado do Maranhão Voltam às manchetes novas denúncias de irregularidades em programa social do governo federal. Não é a primeira vez nem será a última, afirmação que faço na suposição de o conhecimento do passado servir, na maioria das vezes, para imaginar o futuro, se, como neste caso, as condições político-sociais que produzem uma situação vexatória como essa não mudarem. Desta vez é o chamado Bolsa-Escola, atualmente parte do Bolsa-Família, destinado a incentivar monetariamente a matrícula de crianças na escola. Pelo andar da carruagem, ele poderia mudar o nome para Bolso-Escola, pois, ao colocar dinheiro no bolso de quem já tem uns trocados, deixa de colocá-lo no de quem anda com a bolsa vazia, mas, por isso mesmo, não pode ter seu direito de embolsar alguma educação negado por causa de sua pobreza. A Bolsa vem das tetas do governo e vai parar ou passear no bolso dos bem escolados. Esse pessoal merece mesmo é bolsadas, mas com bolsas cheias de pedras, para ver se tudo qu

Educação zero

Jornal O Estado do Maranhão Nélson Mota, que descobriu Marisa Monte, músico, escritor, compositor, produtor cultural, autor do livro de memórias Noites Tropicais e de algumas obras primas da nossa música popular, entre elas “Como Uma Onda”, em parceria com Lulu Santos, chega de Nova York depois de morar na cidade por nove anos e reclama. Reclama com razão de alguns hábitos disseminados no Brasil que lhe causam, e a muitos, a mim pelo menos, indignação, por representarem falta de respeito ao cidadão e à vida em sociedade e aversão ao consumidor. Supostamente, este, no Brasil, é protegido por um Estatuto. Mas, na prática os efeitos positivos dessa peça de legislação são quase nenhum, apesar de alguns progressos de uns tempos para cá. Creio entender o sentimento do compositor, pois quando voltei dos Estados Unidos, depois de cinco anos de residência, sem vir uma única vez ao Brasil, também tive de reaprender a convivência com esse comportamento, sem aceitá-lo, porém. Antes o combato. Nã

Reforma política

Jornal O Estado do Maranhão Uma das melhores coisas destas eleições, não foi as próprias eleições, mas a rapidez de sua apuração. Não teríamos motivos de comemoração, se avaliássemos o pleito pelo analfabetismo arrogante de vários candidatos e suas promessas de realização impossível; pela nova fraude do voto migrante, pela qual eleitores, em número capaz de influenciar no resultado da disputa, têm seus títulos transferidos para municípios onde não moram, com o fim de aumentar a votação dos autores do golpe; pela balbúrdia partidária, incentivada pela legislação, permissiva nos assuntos importantes, como o da fidelidade ao partido, e restritiva nos pequenos, numa tentativa inútil de regulação exaustiva da realidade socio-política do Brasil; e pela chatice do programa gratuito de propaganda política. Todavia, progressos já ocorreram no combate à corrupção, em comparação com o tempo em que inexistiam urnas eletrônicas. Alguns dos problemas de hoje estão mais ligados à cultura política da

Ranger de dentes

Jornal O Estado do Maranhão Contaram-me que, no sábado, a turma, velho costume, estava no maior bate papo, todo mundo despreocupado da vida, copo de cerveja na mão num bar da Litorânea. Conversa de futebol, eleição e mulher. Curtição da manhã de sol e de vento forte e gostoso dessa época do ano aqui na Ilha. Gente de meia idade, com a vida mais ou menos arrumada, aparentemente sem grandes problemas. O celular toca ­– mais um – e uma voz conhecida diz que está chegando com uma novidade. “Por telefone não tem graça, quando chegar aí, eu digo. Quero ver a cara de vocês”. O pessoal ficou mudo quando ele contou. Até os vira-latas da calçada em frente sentiram a mudança dos ânimos no bar. O sujeito chegou com uma história sobre o desprestígio do pênis. De cara, pensaram ter ouvido “do tênis”. Qual tênis? Seria um exemplar de alguma velha marca, fora de moda, incapaz de sustentar os esforços prolongados de quem o coloca nos pés? Ou seriam todos os calçados desse tipo, que, de tanto usados, p