30 de junho de 2002

Finalmente!

Jornal O Estado do Maranhão
Finalmente, chegamos à decisão da Copa do Mundo de 2002. Não posso, claro, falar sobre o resultado do jogo de hoje entre Brasil e Alemanha, por ser impossível saber seu resultado no instante em que escrevo. Posso, todavia, falar um pouco sobre os times brasileiro e alemão, que têm sido, consistentemente, as maiores forças do futebol mundial, ao longo do tempo. Os dois, juntos, somam quatorze finais em dezessete Copas.
Reafirmo o que disse aqui, do dia 2 de junho, no início da Copa, sobre não haver, nunca, muitas surpresas nessa disputa. Permitam-me uma autocitação. “Em Copa do Mundo não existe zebra. Ela só deu as caras quatro vezes. Duas com o Uruguai, uma com a Inglaterra e uma com a França [...]”. Eu falava sobre o Brasil, Alemanha, Itália e Argentina. Chamava a atenção para a presença constante de uma dessas equipes nas partidas finais das Copas, desde a primeira. Na de 2002, a tradição prevaleceu. Notem. O jogo final não tem, meramente, um time desse G-4 contra outro de fora, como às vezes acontece. O confronto é entre dois times desse grupo. Somente em 1998, após 1978, a disputa pela coroa do futebol mundial não se deu entre dois times quaisquer, dentre os quatro membros dessa elite.
Seria ocioso falar sobre a excelência do Brasil, com seus três Rs – Ronaldinho, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo –, parte de um sistema de ataque que levou o Brasil a ter a melhor artilharia da competição; ou falar acerca de sua defesa, a de menor média de gols sofridos por partida, entre os times brasileiros que ganharam uma Copa, ou, ainda, mostrar suas muitas outras virtudes, surpreendentes apenas para os “entendidos” de mesa redonda. As exigências desses equivocados, por um jogo perfeito, são a idealização de um passado do qual eles só guardaram as qualidades, esquecendo-se dos defeitos, por eles mesmos execrados na ocasião. O melhor exemplo é o da Seleção de 1970. Ela saiu do Brasil tão malhada quanto um Judas de subúrbio. Mais tarde, tornou-se símbolo da perfeição impossível.
Da Alemanha, pode-se dizer o de sempre. Jogou a competição toda de acordo com suas antigas características, capazes de levá-la a sete finais de Copa do Mundo. Jogo sem muito brilho, exceto por uma ou outra jogada de Ballack, e sem muita pretensão, aparentemente, mas com muita eficiência, baseado em um excelente sistema defensivo, com um goleiro tão bom quanto Marcos. É o adversário mais difícil, acredito, porém em nada superior ao Brasil.
Devemos, por justiça, reconhecer o excelente trabalho do técnico Felipe Scolari. Seu mérito, seja qual for o resultado de hoje, foi, sobretudo, de motivação dos jogadores e de reforço continuado da autoconfiança deles. Ele conseguiu uni-los e evitar os males que egos imensos, natural em grandes astros, como esses do Brasil, podem causar em coletividades necessitadas de coesão para vencer.
Felipão afirmou, depois da vitória contra a Inglaterra: “Quero dizer ao Brasil todo: acreditem, o Brasil pode conseguir muito mais do que já conseguiu. Não só no futebol, mas em sua nação”. Palavras bastantes para a imprensa malhá-lo. Chegaram a acusá-lo de fazer “discurso populista”.
Reparem nas palavras de Carlos Drummond de Andrade, em 1958, depois da conquista da primeira Copa: “Essa vitória no estádio tem precisamente o encanto de abrir os olhos de muita gente para as discutidas e negadas capacidades brasileiras de organização, de persistência, de resistência, de espírito associativo e de técnica. Indica valores morais e eugênicos, saúde de corpo e de espírito, poder de adaptação e de superação”. Os dois, o técnico e o poeta, estão, cada um a sua maneira, dizendo as mesmas coisas, evidentes por si mesmas, mas que têm de ser repetidas à exaustão, para convencer os eternos autoflageladores.
Por fim, ganhando ou perdendo, é ainda Drummond, falando desta vez da Copa de 1974, quem irá nos socorrer: “Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de se esquecer o que se aprendeu”. Aprenderemos ou esqueceremos?

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