19 de maio de 2002

Brasil 2000

Jornal O Estado do Maranhão
A construção de uma nação é uma empreitada de gerações, de caráter coletivo, sem donos nem chefes. Tem sido um equívoco persistente de muitos ver a história como um feito espetacular de homens de qualidades extraordinárias. Pela força da vontade, disciplina e capacidade de mando eles seriam capazes de moldar a trajetória dos povos, não importando a história anterior destes, seu ambiente natural e cultural, suas relações com sociedades diferentes das suas e outros fatores, poucas vezes passíveis de serem controlados por qualquer pessoa individualmente.
Ao assinalar esse engano, não quero negar a importância dos líderes. Todo grupo humano, por necessidade de sobrevivência, precisa de uma direção. Como os talentos são distribuídos desigualmente, embora tenham uma distribuição normal, haverá sempre os indivíduos com menos habilidade para conduzir e os com mais. Estes tenderão a exercitá-la de fato. É um fenômeno natural. Desejo, apenas, enfatizar a grande importância da coletividade na edificação de uma nação. Isso ajuda a não atribuirmos uma importância perigosa à praga do messianismo. Ele brota quase sem controle em momentos de crises e durante eleições, levando ao aparecimento dos nefastos salvadores da pátria.
Essa atitude profilática de desconfiança ajuda-nos também a ter consciência de uma idéia escondida nessa visão da história como produto da vontade de homens excepcionais. É a idéia de superioridade de alguns povos sobre outros. O raciocínio é o seguinte.
Surgem “grandes líderes” apenas entre alguns poucos desses povos, não entre todos. Não será sinal de incapacidade que alguns não produzam tais lideranças? Não serão eles inferiores, se nem grandes chefes conseguem gerar, para arrancá-los da pobreza? A resposta positiva a essas perguntas, ainda que inconsciente ou implícita, dada por muitos, é o alicerce dessa maneira de pensar. Todavia, as personalidades historicamente marcantes nada mais fazem do que aproveitar, por meio de seus talentos naturais, situações favoráveis a sua atuação.
Essa reflexões ocorreram-me após a divulgação do Censo 2000 do Brasil. Vê-se, pelos seus resultados, e apesar das dificuldades, o país caminhando na maioria das áreas, apesar do muito que ainda falta ser feito, ou que deva ser desfeito, especialmente a respeito da concentração na distribuição de renda regional e pessoal. Os bons resultados – e o maus, – nasceram do trabalho, não de um governo, ou de um presidente, mas de várias administrações. Foi uma realização da nação.
Na educação, estamos próximos da cobertura universal da população entre 7 e 14 anos de idade. Nessa faixa, 95% das crianças estão na escola. Mas, houve avanços em todas as outras. Devemos agora melhorar a qualidade do ensino. A taxa de mortalidade infantil está em 29,6 óbitos infantis por mil nascidos vivos. O Brasil foi além do estipulado pela Cúpula Mundial das Nações Unidas pela Criança que estabeleceu a meta de 32 óbitos para o ano 2000.
O rendimento médio dos chefes e das chefes de domicílios brasileiros aumentou 41,9% desde o último Censo, passando de 542 para 769 reais, sendo que houve uma redução na diferença de ganhos entre homens e mulheres. Fizemos progressos no consumo de bens duráveis e de serviços, como automóvel, microcomputador, aparelho de ar condicionado, rádio, televisão, geladeira, máquina de lavar roupa, telefonia, energia elétrica. A economia cresceu, elevou sua produtividade, modernizou-se, e o país melhorou na área social.
 Um observador estrangeiro disse há pouco que o principal problema com os brasileiros era sua baixa auto-estima. Porém, os resultados do Censo não autorizam uma expectativa pessimista sobre o futuro do país, apesar dos problemas ainda não resolvidos, desde as baixas taxas de crescimento do PIB nos últimos anos até as altas taxas de desemprego. Se fomos capazes de resolver vários de nossos problemas na última década, nada nos permite supor que não continuaremos a fazê-lo nos próximos anos.

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