20 de maio de 2012

O Sonho

Jornal O Estado do Maranhão

           Acaba de ser instalada a Comissão da Verdade. Sua missão, estabelecida pela Lei no 12.528, no art. 1º é: “ [...] examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.” Diz mais a Lei, no artigo 6º: “Observadas as disposições da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Comissão Nacional da Verdade poderá atuar de forma articulada e integrada com os demais órgãos públicos [...]”. A Lei no 6.683 é a da Anistia, do já longínquo ano de 1979, mas, evidente, em vigor como se sua promulgação tivesse ocorrido ontem.
          Nos dois artigos acima mencionados, assim como no restante do texto legal, nada há, ex-plicita ou implicitamente – nem pela melhor hermenêutica do companheiro mais inovador em matéria jurídica –, que possa ser usado como base para a distinção entre, de um lado, crimes de um grupo de cidadãos moralmente superiores (os delitos destes seriam os crimes bons); e de outro lado, os crimes viciosos, praticados por agentes do Estado, pessoas moralmente inferiores.
          Mas, tudo indica, essa distinção é feita por membros da própria Comissão. Um deles, Paulo Sérgio Pinheiro: “O único lado é o das vítimas, o lado das pessoas que sofreram violações de direitos humanos. Onde houver registro de vítimas de violações praticadas por agentes do Estado a comissão irá atuar. Nenhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas. Isso não existe.”
          Data vênia os méritos intelectuais do diplomata Paulo Sérgio, ocorre aí uma contradição lógica. Se existe apenas um lado, então não houve “guerra suja” nenhuma, por falta de oponentes. Como guerrear contra adversários inexistentes? Se se parte de pressuposto como esse, então não se irá esclarecer mais coisa nenhuma, pois tudo já está apurado.
          Outro membro, Rosa Maria da Cunha, advogada de Dilma Rousseff, disse que o objetivo da Comissão é investigar somente violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado contra os opositores e supostos opositores do regime ditatorial de 1964. Ora, lemos acima a letra da lei e lá não encontramos nada disso. Felizmente há na Comissão gente que discorda de Rosa e Sérgio.
          Agora, aos fatos. Os crimes da ditadura militar são muito bem conhecidos e não necessitam de exemplificação. Foram prisões arbitrárias, assassinatos em prisões especializados em torturas físicas e psicológicas, humilhações, intimidações de cidadãos envolvidos ou não nas chamadas atividades subversivas. Em contraposição, de parte dos que pegaram em armas houve o quê? O oferecimento de flores? Vejamos. Mário Kozel Filho, na ocasião com 18 anos de idade, morreu espedaçado como resultado de um carro bomba jogado por um grupo de organizações de esquerda contra um quartel do Exército onde ele servia. Qual o crime dele? Vestir uma farda em cumprimento das leis do país. Ou isso foi apenas um pequeno dano colateral dos combates? E o capitão Lamarca, que esmagou o crânio de um tenente da Polícia Militar de São Paulo, certamente perigoso inimigo do povo? E os justiçamentos sumários de companheiros de guerrilha por tribunais revolucionários sem oportunidade de defesa? As famílias de Kozel, a do tenente e as de outras vítimas de grupos armados não têm direito ao reconhecimento de que contra esses homens foram cometidos crimes bárbaros? Não serão identificados seus autores? Os assassinados não têm famílias, só os outros?
          Espalha-se por aí a ideia de que a guerrilha lutava pela democracia. Quem tem informações sobre grupos como Colina, VPR e VAR-Palmares sabe ser tal afirmação mentirosa. De verdade, queriam derrubar pela força uma ditadura para, também à força, implantar outra, ao gosto deles. Eram heróis da liberdade de oprimir a “burguesia” e com ela a sociedade. Queriam replicar aqui os modelos de retidão moral stalinistas, maoístas, pol-potistas, castristas e assemelhados. Era esse o sonho.

6 de maio de 2012

Juras e Juros

Jornal O Estado do Maranhão

          A presidente Dilma numa atitude voluntarista tem feito juras de morte aos altos juros brasileiros. Ao contrário de seu antecessor, Lula, cujo mérito como presidente foi ter mantido a correta política econômica herdada do governo anterior, a odiada política “neoliberal”, ela tem sistematicamente forçado a mão na tentativa de desvalorizar o real. Pretende dessa forma incentivar as exportações e proteger o mercado interno contra a competição externa, em desfavor do consumidor brasileiro. Agora quer baixar os juros na marra, usando instituições oficiais de crédito, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Em resumo, está minando os fundamentos de uma sadia política econômica.
          O que são, afinal, os juros? Do ponto de vista do poupador é a remuneração recebida por adiar seu próprio consumo, ou seja, por separar parte de sua renda com o fim de com ela obter uma renda adicional. A taxa de juros que irá remunerar esse sacrifício tem de ser suficientemente alta para incentivá-lo a efetivamente poupar.
          Para o tomador de empréstimo, por outro lado, os juros representam o valor a ser pago na obtenção de recursos financeiros de outra forma não disponíveis a ele prontamente para “fechar as contas”, quando suas receitas são inferiores a suas despesas. É o preço pela utilização do dinheiro alheio.
          Pensemos agora no governo como alguém necessitado de tomar empréstimos rotineira-mente a fim de financiar seu déficit corrente, resultado de ele manter seus gastos acima de suas receitas, ano após ano. Como tapar o buraco? O que ele faz, descrito simplificadamente, é emitir vários tipos de papéis e oferecê-los ao mercado. Quem os adquire, justamente os poupadores, recebe os devidos juros.
          Mas, quanto maior for a necessidade financiamento do setor público, maior terá de ser a taxa a ser oferecida pelo tesouro nacional porque maior será a resistência dos poupadores em aceitar aqueles papéis, em vista do perigo de calote, advindo do descontrole das contas públicas. Em outras palavras, o tesouro paga os juros exigidos pelo mercado ou não fecha as contas e seu dirigente vai para casa ou para a cadeia. Claro, há outros fatores na economia que influenciam os juros, tais como arranjos institucionais, estrutura do mercado financeiro, impactos externos, etc. Mas, em sua essência, a gastança governamental é o mais importante.
          Juros altos e em elevação são, portanto, consequência e não causa do aumento do déficit. Não resultam de maldade nem ignorância das autoridades monetárias (Banco Central). Se as autoridades fiscais no Executivo não cortam efetivamente despesas, fica inteiramente a cargo do Banco Central o ônus de conter as pressões inflacionárias, assim como fica a responsabilidade pela elevação dos juros, na ausência de emissão irresponsável de moeda sem lastro, tudo na hipótese de a estabilidade da economia ser de fato o objetivo da sociedade. O BC, de maneira correta e valendo-se da autonomia que desfrutava, cumpriu seu papel de guardião da moeda durante o governo Lula, mantendo os juros altos e evitando a tentação de baixá-los artificialmente como Dilma quer fazer a ferro e fogo, depois de ter destruído a autonomia da instituição.
          Lula, quando na oposição, foi contra o Plano Real, que debelou a inflação, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e qualquer coisa mais tendente à estabilização econômica. Mudou. Ela anda à procura de uma espécie de Plano Real dos juros na esperança de elevar sua popularidade que atualmente já é alta. No entanto, o corte nas despesas do governo, medida indispensável de combate às ameaças inflacionárias e aumento dos juros, não está à vista nem há esperança de que esteja em breve num ano eleitoral como este.
          Tentar baixar juros administrativamente é como tentar tabelares preços em geral numa economia de mercado: não funciona, nunca funcionou e não vai funcionar. Afinal, o dinheiro é uma mercadoria também e tem preço, que deve subir e não cair em presença de escassez de recursos para financiar o déficit. Sua diminuição levará à dos juros fácil e permanentemente.

Machado de Assis no Amazon