31 de dezembro de 2006

Ano Novo, Ano Velho

Jornal O Estado do Maranhão

Se o final de 2006 servir de indicador de como será 2007, não poderemos ser otimistas no Ano Novo. Dê uma olhada, caro leitor, nos jornais das duas últimas semanas para se convencer disso. Já não falo de acontecimentos lamentáveis como o escândalo da compra de votos no Congresso. Limito-me a casos mais recentes, noticiados pela Folha de S. Paulo, de onde tiro as manchetes.
Comecemos pela crise da aviação civil. “Aeroportos já têm atrasos e filas antes mesmo do Natal”, notícia de um dia depois de o presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) dizer que o feriado seria tranqüilo para os que se arriscassem a viajar de avião. Não foi, sendo necessária a intervenção da polícia a fim de conter a raiva de passageiros frustrados e revoltados com os atrasos. Aliás, o presidente da Anac continua dizendo que não haverá problemas de novo agora. Acredite quem quiser.
“Governo culpa empresas pelos atrasos nos vôos” e “TCU culpa governo pelo apagão aéreo”. É o velho jogo de todo mundo botar a culpa em todo mundo e ninguém tomar providência alguma, como se vê a toda hora. Nunca a culpa é do culpado, assim como o responsável pela epidemia de doenças coronárias é o Mac Donald, não os gulosos e sedentários ameaçados de enfarte, e, pelo câncer de pulmão, o fabricante de cigarro, em vez do próprio fumante. É como tirar da sala o sofá que serviu, digamos, de suporte ao adultério ou culpar os governos precedentes pelas besteiras dos atuais. Veja-se o mantra “herança maldita”, do governo Lula, usado com a finalidade de justificar os mensaleiros.
“Anac promete fiscalizar vendas de passagens aéreas”. Quase a Anac prometia não fiscalizar todo o resto do sistema de controle aéreo do país. Antes não fiscalizavam nem isso? Os pobres passageiros achavam estar num país seguro para a aviação. Vai ver, seguro mesmo é fazer como Ícaro e colocar penas coladas com cera nos braços e sair voando por aí, tendo o cuidado de não chegar perto do Sol, decisão mais sensata do que ir a um aeroporto e lá ficar preso.
E a história do aumento dos salários dos congressistas? Não satisfeitos com os escândalos dos mensaleiros e sanguessugas durante o ano, e, pode-se ver, preocupados com a própria remuneração, não com a do eleitor, eles resolveram em dezembro atribuir-se gordo aumento. “Salário de parlamentar sobe 91%”, para R$ 24,5 mil. Porém, não se iluda, leitor. Essa é só uma parte do dinheiro. Tem mais: R$ 3 mil de auxílio moradia, tenha ou não casa em Brasília o nosso caro legislador e, acredite, R$ 50, 8 mil de verbas de gabinete bem como uma cota de passagens de uso pessoal. Mas, ufa, “Congressistas vão à Justiça contra 91% de aumento”. É que a decisão esperta sobre o aumento foi tomada en petit comité, e nem tudo estará perdido onde há gente capaz ainda de indignar-se com benefícios pessoais, mas por certo contrários ao senso de justiça social.
Nada, no entanto, me faz ficar mais pessimista sobre 2007 do que a onda de violência nas grandes cidades brasileiras, como a desta semana no Rio de Janeiro, reedição de episódio semelhante em São Paulo. Se os próprios policiais são perseguidos e mortos pelos bandidos e o cidadão não pode contar com a proteção do Estado contra a violência que assassina pessoas indefesas, queimando-as dentro do transportes coletivos, algo está errado. Apenas a pobreza e a desigualdade não podem explicar tal barbárie. Enquanto não se resolvem os problemas sociais, não podemos ficar, entra ano, sai ano, sob o domínio dos bandidos.
Até onde iremos, a continuarem assim as coisas? Será preciso morrer mais homens, mulheres e crianças inocentes, pobres e ricos, até que as autoridades abandonem o jogo de empurra e cumpram a obrigação de proteger a sociedade? Será o Ano Novo o Ano Velho de sempre?

24 de dezembro de 2006

Justa homenagem

Jornal O Estado do Maranhão

Em casa, vindo da Assembléia Legislativa do Estado, onde assisti à solenidade de entrega do título de cidadão maranhense ao professor Raimundo Medeiros Lobato, pus-me a recordar meus tempos de aluno do colégio dos irmãos maristas de São Luís, quando ele, como membro da irmandade de origem francesa, fundada por Marcelino Champagnat, foi diretor da escola, de 1965 a 1970, tendo chegado aqui em 1964.
Durante toda minha vida de estudante, eu freqüentei escolas católicas ou ligadas ao catolicismo em alguma época: a Escola Santa Terezinha, no Monte Castelo, das irmãs Valois, a Faculdade de Economia do Maranhão, que depois faria parte da Universidade Federal do Maranhão que fora em sua origem uma instituição católica, e a Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos, considerada a segunda melhor universidade católica dos Estados Unidos, onde fiz mestrado e doutorado em economia.
No ano de minha ida para os maristas as regras de procedimento eram ainda bastante rígidas, contudo em processo de mudança, por causa do Concílio Vaticano II, então em seu início. Havia a obrigação de ir com certa freqüência à missa do padre Paulo Sampaio, em latim, na capela, e de rezar-se um rosário completo diariamente antes das aulas. Dessas exigências ninguém poderia escapar, ainda que alegasse doença grave na família, a morte de parente próximo ou um simples dedão do pé arranhado numa pelada no dia anterior.
O latim dava um tom de elevação e um ar de mistério às palavras do celebrante e à liturgia, como deveria ser em todas as religiões, pois palavras e gestos misteriosos, afastados da vulgaridade da vida cotidiana, são partes da própria essência da atitude religiosa. Mas, não sei se tudo isso serviu para salvar a alma de algum jovem da época, se por acaso temos mesmo alma, desse tipo que a crença comum imagina ir para o céu ou o inferno, e caso ela tenha mesmo salvação ou condenação.
Notas ruins ou mal comportamento em classe ou fora dela, nas dependências do colégio, eram motivos não só de convocação dos pais à escola, com o fim de conversar com o irmão responsável pela turma, chamado de titular, como de proibição do esperado jogo de futebol aos sábados. A disciplina não fez mal a ninguém e ajudou muita gente.
Um dia, quando já estávamos no antigo curso científico, apareceu um novo irmão, um homem vindo de uma terra distante, que sabíamos ser no Pará, mas que, mesmo assim, era como se fosse em lugar nenhum, algo também misterioso, especial em sua categoria de maior ilha fluvial do Brasil, Marajó, formada pelos rios Amazonas e Tocantins e o oceano Atlântico. Vinha para ensinar física e ser diretor, e tinha a tarefa de modernizar o ensino e soprar novos ares na nossa educação, depois de fazer cursos em Roma.
Cumpriu exemplarmente sua missão educacional, tendo tido papel importante na criação da TV educativa, na implantação dos inovadores Ginásios Bandeirantes e de centros tecnológicos no Estado. Acabou ficando por aqui, apaixonando-se pela terra e por sua mulher, Nazaré, constituindo família depois de deixar a ordem, porém não a religião de seu berço. Os valores morais que transmitiu iriam servir de apoio a seus ex-alunos, como eu, independentemente da fé profunda, ou não, de cada um, e até de sua ausência, ou talvez por causa dessa falta.
Durante muitos anos eu não encontrava jeito de não chamá-lo “irmão” Lobato, o único professor daquele colégio que me pôs de castigo, já não me lembro por que, logo eu um rapaz sempre bem comportado. Devo ter saído do padrão naquele dia. Agora o professor Lobato, como o chamo hoje, é maranhense formalmente, sendo-o de coração há muito tempo. É um título merecido, que honra o senso de justiça da Assembléia Legislativa do Estado e dos maranhenses nascidos aqui.

19 de dezembro de 2006

Sem Justiça

Jornal O Estado do Maranhão

O cidadão pobre e negro que tinha 33 anos de idade quando extraordinária tragédia o atingiu, deve ter pensado, como Josef K., personagem do escritor tcheco de fala alemã, Franz Kafka, no romance O processo, que alguém certamente o havia caluniado, “pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum”. As forças que a partir daquele momento deram início a lento mas inexorável movimento para esmagar aquele homem e dele retirar a dignidade, revelaram mais uma vez uma das características marcantes do mundo contemporâneo: a violência do Estado frente ao cidadão comum indefeso, e a angústia existencial e o desespero nascidos daí.
Como Wagno Lúcio da Silva, esse era seu nome, haveria de perceber, a engrenagem da burocracia estatal, posta em movimento – neste caso a burocracia do sistema de justiça, rápido em condenar pessoas da condição social humilde dele, não as de alta renda –, não pára antes de dar voltas e mais voltas. Cumpre, assim, exigência derivada somente da necessidade de autojustificação, mesmo que, assim fazendo, imponha, como impôs, injustiça em lugar de justiça. Mas, quem se importaria com essas idéias românticas de culpa e inocência, quando, na política nacional, como se viu à exaustão nos últimos meses, nem sequer certos meios, de natureza pública, usados para a manutenção do poder, servem à promoção do bem comum? Antes, se usam meios como esses com fins partidários.
Wagno, acusado de latrocínio, foi punido com 24 anos de prisão, com base, só, no testemunho, contaminado de contradições de um rapaz de 17 anos envolvido no crime. Este, mais tarde, disse ter sofrido ameaça de morte de parte dos outros assassinos, que exigiram dele a acusação contra o vigia. De início, a defesa esteve a cargo da Defensoria Pública, instituição estatal, que se mostrou incapaz de produzir qualquer defesa consistente do acusado. A polícia, outra instituição do Estado, não só não fez um inquérito correto como mostrou que o esmagamento das pessoas mencionado acima, pode dar-se não apenas no sentido existencial e moral, mas físico, pois torturou o homem e lhe destruiu todos os dentes superiores, com o nobilíssimo fim de obter uma confissão, quem sabe porque Wando, terrorista em potencial, decerto, ameaçava a segurança nacional. A justiça, mais outra instituição estatal, convalidou o inquérito criminoso e acabou por condená-lo, impondo-lhe a longa pena. Não sei como atuou o Ministério Público. O certo é isto, um inocente ficou preso durante 8 anos, sendo libertado agora.
Vi a emocionante e emocionada entrevista de Wando na televisão. Ali poderia estar um ser humano cheio de ódio, sem entender, como diversos personagens de Kafka, como pudera ser objeto de tanta injustiça. Porém, demonstrando percepção aguda do mundo em sua volta, preferiu falar sobre as injustiças da justiça brasileira, à qual, ele disse, os pobres não têm acesso, como ele bem sabe. Tivesse ele um bom e caro advogado desde o início, seria condenado? Perdoou a ex-mulher, que o abandonou tão logo ele foi preso, desculpando-a com o argumento da juventude dela e o das necessidades prementes da carne. Nenhum desejo de vingança. Que outros julgassem seus acusadores, julgadores e ex-amigos, parecia dizer. Comovente, ainda, foi a confissão de que chegou a pensar em não ir à televisão por causa da falta dos dentes. Como, ele pensou, poderia sorrir sem eles? Depois de todo o peso da engrenagem ter lhe tirado a liberdade e quase a vida, ele pensava em sorrir. Sua dignidade permanecera intacta.
O abandono de pessoas como Wando, indefesas ante a burocracia, é prova de que temos muito a fazer para criar uma sociedade onde todos possam ter iguais oportunidades. Mas, a julgar pelo quadro atual, não podemos ser otimistas no curto prazo.

17 de dezembro de 2006

Foi-se Pinochet

Jornal O Estado do Maranhão

Foi-se Pinochet, como se vão todos os ditadores, como se foram Stálin, da União Soviética, Hitler, da Alemanha, Franco, da Espanha, Salazar, de Portugal, Somoza, da Nicarágua, Strossener, do Paraguai, ditadores africanos e mais um infinidade deles, sendo a lista extensa, capaz de nos fazer concluir com segurança que, na história da humanidade, a ditadura é regra e não exceção, não devendo tal afirmação surpreender ninguém, pois a dominação do homem pelo homem, a opressão do mais fraco pelo mais forte, o roubo, a guerra, a violência, a opressão, a tirania, muitas vezes em nome de belos ideais que têm enchido o inferno, tudo isso não é senão a mais pura expressão dos instintos, muitas vezes rebeldes ao controle do processo civilizatório, partilhados pelos humanos com os outros primatas.
Foi-se Pinochet, como iremos todos nós um dia, como uma diferença dele para nós, simples anônimos, comuns, sem pretensão nenhuma, a não ser a da fugidia felicidade: ele deixou um rastro de sangue, de dor, de morte e de barbárie poucas vezes visto na América Latina, agressor de nossos sentimentos de compaixão pelos nossos semelhantes e de empatia com a dor alheia. Enquanto os outros ditadores latino-americanos, pela sua maior parte, preferiam ordenar torturas e assassinatos por vias mais ou menos ocultas, fingindo não conhecer o labor lúgubre de seus subordinados, Pinochet nunca disfarçou sua marca nas ordens, escritas ou não, secretas ou não, de eliminação física de seus opositores. Há, até, telefonemas dele gravados no dia do golpe, sugerindo o assassinato do presidente Allende. Aviltou a humanidade e assassinou chilenos, brasileiros, argentinos, uruguaios, espanhóis com gosto, sem remorsos e sem dúvidas existenciais.
Foi-se Pinochet, mas seus partidários se utilizam do crescimento da economia, que estava a caminho do colapso durante o governo deposto, como justificação de crimes hediondos. Há, neste caso, que se qualificar os feitos do ditador. Houve a decisão correta do ponto de vista econômico de implantação de medidas liberalizantes na economia do país. Isso ocorreu em duas ondas. A primeira sob a orientação de economistas da chamada Escola de Chicago, provocou inicialmente, entre o golpe e meados dos anos 80, recessão e baixo crescimento econômico, período em que a renda per capita dos chilenos caiu 1,1% ao ano. Veio então a segunda etapa, com o aprofundamento das reformas, inclusive a previdenciária, sob o comando de Hernán Buchi, com mais abertura da economia e desvalorização da moeda a fim de estimular as exportações. Daí em diante, sim, mas só 12 anos depois do golpe, a economia começou a crescer a taxas elevadas, com a ajuda também do cobre ainda sob controle estatal, como continua hoje. Seja como for, não faz diferença para a honesta consideração do argumento dos adeptos de Pinochet a ocorrência imediata ou tardia do “milagre econômico”.
Foi-se Pinochet, deixando a seus adeptos esse discurso que gera, à primeira vista, um dilema moral, originado no princípio da solidariedade entre gerações: Seria eticamente justificável sacrificar a geração atual (a de 1973, ano da subida dele ao poder), em termos de privação de direitos humanos, em favor do bem estar material das gerações chilenas seguintes? Ou o certo seria o contrário, não sacrificá-la, já que esses direitos são um valor absoluto, em prejuízo das gerações vindouras, que não poderiam, assim, usufuir os resultados do sacrifício que seus predecessores poderiam ter feito? É falso, todavia, o dilema, último embuste do ditador, porque é possível respeitar os direitos humanos e, ao mesmo tempo, fazer crescer a economia num ambiente democrático, embora seja verdade que esse é um processo mais difícil e talvez mais lento.
Foi-se Pinochet.

10 de dezembro de 2006

Nada e tudo

Jornal O Estado do Maranhão

Folheio os jornais da semana anterior à passada e leio com alegria a notícia da absolvição pelo Superior Tribunal de Justiça, por 23 votos a zero, do desembargador Mílson Coutinho, em ação penal proposta pelo Ministério Público Federal, originada em representação da Associação dos Magistrados do Maranhão acerca de hipotética contratação irregular de funcionários pelo Tribunal de Justiça do Estado durante o período em que ele foi seu presidente. Minha surpresa foi nenhuma, pois isso era mesmo reclamado pelo bom senso, que nem sempre está presente nas proposituras do Ministério Público, ou nas sentenças dos tribunais, que dão, algumas vezes, a impressão de pretenderem atuar em algum vácuo social, cegos às exigências de uma sociedade complexa como a nossa, como no caso da derrubada pelo STF da cláusula de barreira para os partidos políticos. Surpresa foi descobrir que o STJ havia tomado a decisão havia algumas semanas, sem Milson, durante esse tempo, ter dito uma palavra sequer sobre o assunto a nós, os seus confrades da Academia Maranhense de Letras freqüentadores do Jomingo, reunião domingueira assim batizada por Benedito Buzar, numa alusão ao Sabadoyle, encontro de intelectuais cariocas aos sábados na casa de Plínio Doyle, bibliófilo e criador do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira. A nossa é aos domingos, no Renascença, na residência de Jomar Moraes. Daí o Jomingo, com o “Jo”, de Jomar, e o “mingo”, de domingo. Dela participam regularmente, além, claro, do anfitrião, Lourival Serejo, Mont’Alverne Frota e eu, sendo esse o “núcleo duro” do grupo. Há, porém, participantes eventuais, que sempre os haverá a fim de dar respaldo a nossos decretos literários. Pois Mílson, que foi defendido com brilhantismo por Alberto Viera da Silva, outro confrade da AML, preferiu, apesar dessa fraterna convivência semanal, quase esconder de nós sua vitória, aliás como ele faz com freqüência, característica sua ao longo de décadas como jornalista, advogado militante, procurador do Estado, consultor jurídico da Assembléia Legislativa do Estado, membro da AML e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e historiador com 23 livros sobre a história do Maranhão. O que fez ele, afinal, para merecer tal embaraço? Nada. Ou melhor, tudo. Tudo que era seu dever e por isso não se entende sua inclusão na ação. Sua antecessora, Etelvina Gonçalves, em corajosa iniciativa criou por lei o quadro permanente de funcionários do Tribunal velho de mais de 190 anos. Como determina a Constituição do Brasil, o preenchimento das vagas teria de ser feito por concurso público. Assumindo a presidência, Milson, apesar das resistências, determinou sua realização, mas só pôde homologar o resultado no último dia de sua gestão, após rechaçar várias ações de grupos interessados em dificultar a realização do certame. Seu sucessor, o desembargador Militão Gomes, não poderia demitir de imediato todos os contratados, sob pena de provocar o caos administrativo no Poder Judiciário. Iniciou então, gradativamente, as demissões e as nomeações, sem incluir nestas ninguém que não estivesse na lista dos aprovados. O procedimento sensato completou o processo histórico de legalizar a situação administrativa do Poder. Assim como Mílson, foram objeto da ação os ex-presidentes Jorge Rachid, Bayma Araújo, Etelvina Gonçalves, absolvidos também por unanimidade. Todavia, como não contratar sem concurso na época de suas administrações, se não houvera inda condição de criar-se o quadro de funcionários e de realizar-se o concurso?. Lamentável, é que o desembargador João Miranda Sobrinho, falecido havia 7 anos, foi também denunciado. Há uma ironia em tudo isso. O homem que apenas seguiu a lei foi acusado de desrespeitá-la. Não importa. A justiça prevaleceu.

3 de dezembro de 2006

A César...

Jornal O Estado do Maranhão

A César o que é de César.
Declaração recente e acertada do presidente Lula, revelando seu desejo de evitar que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja mutilada, afastou algumas preocupações da sociedade brasileira a respeito da possibilidade de volta da antiga idéia, colhida na cultura do vodu econômico nacional, de que gastos do governo sem controle não devem ser combatidos e não têm nenhum efeito deletério sobre a economia, ademais de terem as características da infinitude e geração espontânea. Se fosse verdadeira, a idéia teria, muito tempo atrás, levado a humanidade, e não apenas a classe operária, ao paraíso, sem o imperativo de termos de sair da vida e voltarmos à mineral existência.
Dizia-se então, nessa pré-história do combate à inflação, como se começa a dizer agora, não ser necessário submeter o governo, em especial os estaduais, ao equilíbrio orçamentário, coisa do neoliberalismo, do capitalismo selvagem e de direitistas sem alma, como se houvesse economia de esquerda ou de direita, argumento semelhante ao usado na antiga União Soviética para a imposição, no campo cultural, de uma “arte socialista”, mas em verdade governamental, contraposta a uma renitente “arte capitalista”, de execrada tendência pequeno-burguesa, a ser extirpada pela eliminação física de seus adeptos, se preciso fosse.
A Lei, uma das mais importantes do Brasil, entre as aprovadas depois de 1988, impõe um mecanismo que força os administradores públicos a não gastar mais do que arrecadam. Serve dessa forma ao fim de controle dos exageros colocados na Constituição pelos bem intencionados constituintes, sob o nome de conquistas sociais, que só o são, no entanto, se tiverem respaldo na capacidade da economia em fornecê-las. As exigências previstas na Lei se referem a limites de endividamento e de gastos globais e não setoriais. Esta tarefa é objeto de legislação diversa. O cumprimento das exigências desta, de vinculação de dispêndios à saúde e educação, principalmente, mas não unicamente, quase nada deixa para uso em outros setores. A criação numa certa conjuntura histórica de estrutura orçamentária desse tipo criou grande rigidez na aplicação dos recursos públicos no decorrer dos anos. Os gestores, hoje, não encontram mais, do lado da despesa, maneiras de adaptar as políticas públicas a mudanças no ambiente econômico e social. Eis uma das razões de o fazerem pela elevação de impostos.
O problema tem outro aspecto, relacionado à diversidade regional brasileira. Pode ser que um município do Sul não precise aplicar, digamos, 20% de suas receitas em educação ou em saúde, mas é obrigado a fazê-lo mesmo assim, ainda que na avaliação dos seus dirigentes democraticamente eleitos fosse mais produtivo investir na preservação ambiental. No Nordeste a situação pode ser outra. Um Estado que deseje aplicar um percentual mais elevado em educação, não terá como obter os meios financeiros para fazê-lo. Pode-se ainda argumentar, contra esse sistema, que não sabemos ao certo se, na ausência de vinculação, haveria falta de recursos para aqueles setores ou se estamos tão-só diante de administrações ineficientes e de administradores irresponsáveis.
A César o que é de César.
O governo Lula está correto ao defender a Lei de Responsabilidade Fiscal, essa, sim, uma conquista social, em se empenhar em diminuir as vinculações de receitas da União e, ainda, em barrar o chamado orçamento impositivo. Este último, caso aprovado, diminuiria, mais do que a vinculação já o faz, os graus de liberdade do governo na execução de sua política econômica, aprovada em eleições livres. Aliás, essa proposição é muito parecida com aquela enfiada na Constituição e mais tarde retirada, de limitar o juro da economia brasileira a 12% ao ano.
A César...

26 de novembro de 2006

Cotas

Jornal O Estado do Maranhão

O tema é polêmico e sujeito a emocionalismo capaz de levar muita gente a esquecer o bom senso e a racionalidade, se for possível estas qualidades prevalecerem num debate a respeito de milhares de pessoas discriminadas social e economicamente.
Quero lembrar logo o fato bastante conhecido, mas esquecido com freqüência, de os Estados Unidos serem tomados como referência quando se fala do estabelecimento de cotas no ensino superior no Brasil. É natural ser assim, porquanto o sistema educacional americano é excelente, a julgar pela obtenção sistemática de Prêmios Nobel em diversos campos do saber e pelo reconhecimento mundial da excelência de sua educação universitária, apesar de defeitos que apenas destacam suas qualidades. A obtenção desse conceito se deu e se dá num contexto de crescente integração racial e criação de oportunidades de acesso à educação para os variados grupos étnicos componentes da sociedade americana.
Existirá lá um sistema de cotas raciais como esse, equivocado, que desejam implantar no Brasil? Nos Estados Unidos elas são proibidas por decisão da Suprema Corte. As melhores universidades americanas, entre elas Harvard, Yale e MIT, utilizam critérios de pontuação a fim de atribuir bônus a membros de grupos que elas, atendendo a egigências da sociedade, desejam promover. Nada de cotas ou imposições. São as políticas de ação afirmativa.
É lamentável que em meio a tanta discussão, como ocorre hoje no Brasil, não se traga com mais freqüência ao conhecimento público mas, ao contrário, se chegue, mesmo, a escamotear a experiência da Unicamp, parecida com a americana. Por sorte, o professor José Tadeu Jorge, reitor daquela instituição, em artigo de junho deste ano no jornal de circulação nacional, O Estado de São Paulo, expôs seus fundamentos a uma platéia ampla, fora do meio acadêmico.
A política afirmativa da universidade brasileira se baseia num mecanismo simples, porém eficiente. Sobre a média obtida na seleção para ingresso na instituição, são atribuídos 30 pontos aos concorrentes de escolas públicas e mais 10 pontos aos que se declararem negros ou índios, sem reserva de vagas. O sistema foi estruturado a partir de constatação relativa ao ano de 2004, de que, uma vez superada a barreira do vestibular, estudantes com aqueles perfis, tinham até então – e continuaram a ter, é evidente, no novo arranjo –, desempenho acadêmico melhor, na média, do que aqueles sem bonificação alguma. A inteligente atribuição de bônus, incentivo pequeno diante dos imensos resultados positivos sobre a qualidade do ensino e os próprios alunos, começou dessa forma.
Percebe-se no novo desenho a manutenção da exigência de mérito acadêmico e seu aperfeiçoamento, neste aspecto porque mais candidatos com desempenho acima da média estão ingressando na Unicamp, sem discriminação de ninguém, apenas pela compensação de antiga desvantagem deles no vestibular.
No Brasil e no Maranhão há infeliz tendência à implantação de cotas raciais, que reduz o número de vagas, em 50% no caso da UFMA, para os não negros e não índios, medida de pretensa inclusão social discriminatória tanto com os cotistas, por um lado, quanto, por outro, com os que ficarão de fora. A classe média encontra-se na situação de ver seus filhos barrados nas universidades federais, depois de ter feito, com enormes sacrifícios, durante anos, pesados gastos, tão pesados quanto os impostos que pagam, na educação de seus filhos em escolas privadas de nível médio, na esperança de dar a eles legítimo acesso à educação nas boas instituições públicas de educação superior.
A experiência da Unicamp é justa porque promove o mérito acadêmico, não patrocina a exclusão social e não “racifica” a inclusão social. Não há razão para não se tentar algo semelhante.

19 de novembro de 2006

Controle,não!

Jornal O Estado do Maranhão

Vem do senador e pastor, ou bispo, Marcelo Crivella, sob a forma de projeto de lei em tramitação no Senado Federal, ameaça à liberdade de informação, parecida com aquela de que falei na semana passada, de outro senador, Eduardo Azeredo, esta de vigilância dos usuários da internet. Agora o monitoramento seria sobre a imprensa. Crivella, que tem apoios interessados e bons companheiros na maldosa empreitada, quer alterar a Lei de Imprensa com o fim de proibir o que ele chama de divulgação de informações “potencialmente” ofensivas à honra.
O projeto teve parecer favorável da senadora Fátima Cleide, do PT de Rondônia, para quem a idéia transformada em lei iria “coibir a atuação leviana dos meios de comunicação que divulgam denúncias sem ao menos verificar a solidez e a autenticidade dos elementos que lhe servem de base”. A opinião dela não é desinteressada. Ao contrário, provém do interesse de seu partido em impedir denúncias de mensalões, compras de dossiês e outras maracutaias. (Permitam-me, por favor, usar esta palavra posta em circulação por Lula em outros tempos). Fosse a imprensa divulgar as falcatruas do PT somente após estar cem por cento certa da “solidez” e “autenticidade” das evidências, ainda hoje muita gente estaria recebendo sem sobressaltos seu quinhão mensal do nosso dinheiro de impostos, embora, pela impunidade quase geral dos mensaleiros, não se tenha certeza de que o esquema não será retomado em futuro próximo.
A iniciativa de um pastor evangélico surpreende justo por isso, por ser ele um ministro de Deus, ou se pensar nele como tal, intermediário entre as paragens etéreas e eternas, e o nosso mundo. Ele é, assim, de uma profissão de cujos membros não se esperaria um pecado como esse, mortal, contra a democracia da Terra, que a do paraíso deve ter outras regras de funcionamento, dispensando por certo disputas pelo poder, pois quem por acaso lá estiver, longe da imprensa, não precisará mais lutar nem mesmo pela vida, como aqui fazemos com angústia e denodo terrenos.
Mas, o apoio de membro do PT não choca mais. A trama revela antigo desejo do partido de eliminar críticas ao governo, como os compañeros fazem ou tentam fazer na Venezuela e em Cuba, bem como escancara o anseio incontrolável de controlar a imprensa, como visto na tentativa de criar leis de “regulamentação” da profissão de jornalista, com inspiração em Hugo Chávez e Fidel Castro, ou no episódio da frustrada expulsão do Brasil de um jornalista americano que disse, não sei se com acerto, que Lula bebia “pra caramba”, como lembrou durante a Copa do Mundo o jogador Ronaldo.
Pretende o senador regulamentar a conduta dos órgãos da imprensa, fazendo deles delegacias de polícia, pela exigência de produção de provas antes da divulgação de qualquer indício de crime, em especial dos cometidos pelos políticos. No entanto, cada macaco deveria se pendurar no seu próprio galho. A imprensa, usando a liberdade de expressão garantida pela Constituição, deve fazer denúncias com bom senso e de boa fé, sem censura prévia, e a polícia, esta sim , tem a obrigação de investigá-las e produzir provas a serem levadas a eventual processo na justiça. Se não for assim, se houver calúnia e difamação – todos têm notícia do ávido pedaço da imprensa amante do motivador vil metal de origem pública –, os ofendidos terão direito constitucional de reparo adequado.
Proposições desse tipo revelam um naco da mentalidade prevalecente em alguns círculos da política nacional. São parte de uma cultura de desprezo pela democracia, adjetivada de pecaminosa ou burguesa, cujo valor é visto como instrumental na busca pelo poder e não como um valor absoluto a ser preservado. O plenário do Senado saberá rejeitá-la sem demora. Não é crível, Crivella, aprová-la.

12 de novembro de 2006

Cadastro ou cadarço

Jornal O Estado do Maranhão

Não me surpreendo com o bizarro projeto do senador Eduardo Azeredo, de vigilância sobre os usuários da internet, sob a desculpa de, com essa intimidação, evitarem-se atividades ilegais na grande rede mundial. A mentalidade por trás da tentativa é velhíssima. Tão velha que chegamos a esquecer de maus exemplos do passado. De um, porém, por mais recente, o leitor se lembrará. É o do cadastro de telefones celulares pré-pagos.
Como as autoridades do Executivo são incapazes de controlar a utilização criminosa da telefonia celular, como já se viu muitas vezes – não conseguem sequer bloquear o uso de celulares nos mal afamados presídios brasileiros – decidiram que os possuidores de pré-pagos teriam de fornecer informações para a montagem de um cadastro, instituição onipresente no Brasil, onde existe um, inútil, em cada esquina. Basta ir a qualquer loja de operadoras de telefonia celular e ver a ansiedade dos vendedores em aceitar qualquer informação cadastral de fantasia fornecida pelo comprador, a fim de confirmar a inutilidade. Se me provarem que um dia houve a prevenção de um escasso crime pelo uso desses dados, anunciarei à humanidade, pela rede mundial, a boa nova. Se não tiver de fazer cadastro algum.
Sempre há alguém pronto a atribuir às pessoas comuns a responsabilidade dos governantes no combate ao crime. Desta vez foi o Legislativo, representado por Azeredo, acusado de ser o verdadeiro pai do valerioduto e, agora, padroeiro incontestável da burrice. Se os homens públicos não têm a capacidade de cumprir suas obrigações, como no caso dos celulares, transfira-se a aporrinhação para o cidadão. Essa é a cultura dominante.
Deseja-se agora atribuir aos usuários a responsabilidade por crimes na rede e aos provedores de acesso o papel de cães de guarda, pois nisso são transformados pela obrigação de fazer um cadastro de seus clientes, que ficaria à disposição das autoridades incompetentes. Na hipótese de não o fazerem, estariam sujeitos a pena de prisão de 2 a 4 anos. É como responsabilizar o revendedor de automóvel pelo mau uso dos veículos vendidos por ele. A Associação Brasileira de Provedores, o Comitê Gestor da Internet no Brasil, ONGs e a maioria dos usuários criticam o projeto.
Pela proposta, os provedores teriam de exigir toda aquela papelada infernal e checar sua autenticidade – com nome, CPF, endereço, número de telefone, carteira de identidade, etc.–, a mesma, por sinal, que nos pedem quando, por uma necessidade corriqueira qualquer, precisamos lidar com as kafkianas burocracias públicas e privadas. Pois é essa cultura que o senador quer disseminar na internet, vai ver inspirado no Big Brother, ou Grande Irmão, personagem do livro 1984, de George Orwell, em que o governo controla a vida de todos.
A idéia é ruim porque iria contra a privacidade dos usuários, seria ineficaz e um estorvo nas operações dos internautas. Mais, seus pressupostos são errados. Um é o de ser possível legislar nacionalmente sobre a internet. Não é. Outro é de ser o cadastro confiável, sabendo-se, todavia, que os criminosos, precisamente os mais capacitados a falsificações, depressa produziriam quantos documentos fossem necessários para se identificar.
Mas, o mais perigoso disso tudo é o atentado contra o espírito da rede, em que não há um centro nem um governo, embora haja regras básicas e mínimas de funcionamento, tudo produzindo uma “anarquia” produtiva e eficiente.
O certo seria inverter a direção do projeto e estabelecer rigorosa vigilância sobre políticos como Azeredo. Eles levariam uma dúzia de bolo de palmatória e ficariam impedidos de receber o mensalão, com monitoramento de 24 horas por dia, toda vez que tentassem criar cadastros que são cadarços de amarrar a liberdade dos cidadãos.

5 de novembro de 2006

Os corpos da China

Jornal O Estado do Maranhão

Uso informações do Banco Mundial divulgadas no site http://web.worldbank.org.
A taxa média de crescimento anual do PIB da China foi de 9% desde o fim dos anos 70, o que re-tirou da pobreza absoluta centenas de milhões de pessoas, tornando o país, sozinho, responsável por mais de 75% da redução da pobreza entre os países em desenvolvimento nos últimos 20 anos. Entre 1990 e 2000, o número de pessoas vivendo com um dólar por dia diminuiu em 170 milhões. As mu-danças desse período criaram uma economia dinâmica, com melhora substancial dos indicadores soci-ais. O analfabetismo adulto, por exemplo, caiu de 37% em 1978 a menos de 5% em 2002 e a mortali-dade infantil de 41 por 1,000 nascidos vivos em 1978 para 30 em 2002.
No entanto, muitos problemas persistem. A taxa de redução da pobreza diminuiu a partir de me-ados dos anos 90, a desigualdade na distribuição de renda aumentou e há sérios problemas ambientais. Apesar do sucesso do programa do governo, de corte na emissão de poluentes do ar e da água e na reversão do desflorestamento, duas décadas de rápido crescimento cobraram um preço alto da base de recursos naturais. Em resumo, e segundo ainda o Banco Mundial, as transformações na economia da China têm importantes implicações para a região e o mundo, pois incluem itens como a competitivida-de de suas exportações, integração comercial cada vez maior, capacidade de atrair investimento direto estrangeiro e demanda por importações de commodities e energia.
Em meio a esse dinamismo em tudo espetacular e em que uma nova classe empresarial aproveita todas as oportunidades de ganho, pode-se imaginar a variedade de empreendimentos que surgem a cada hora. Lá, muito se privatizou e ainda há de se privatizar e pouco escapa ao empreendedorismo libertado pelas reformas orientadas para o mercado implantadas pelo Partido Comunista da China, sob a lideran-ça de Deng Xiaoping no final dos anos 70.
Surge agora um exemplo de como esse ambiente econômico, em geral positivo, mas sem fiscali-zação efetiva, pode criar situações extremas. Há na China, em situação de quase clandestinidade, pelo menos dez fábricas de mumificação de corpos humanos por meio da retirada dos fluidos do corpo e sua substituição por plástico líquido, destinados a exposições como a chamada Mundos Corporais que já recebeu a visita de 20 milhões de pessoas em várias países, arrecadando mais de R$ 430 milhões. Como em qualquer indústria, nessa há entre os industriais acusações de concorrência desleal e tráfico de “matéria prima”, ou seja, de corpos. A fim de se ter uma idéia do montante de dinheiro envolvido no negócio, basta saber que a empresa americana Premier Exhibitions pagou há pouco tempo R$ 54 milhões como garantia de fornecimento de cadáveres conservados.
Sabe-se que nossa espécie apresentou durante sua evolução grande variedade na maneira de tratar seus mortos. Estudos recentes mostram que diversos grupos humanos, inclusive os europeus primiti-vos, praticaram o canibalismo, sendo fácil comprovar sua ocorrência, mas difícil explicá-la. A exibição dos corpos produzidos na China tem sido criticada por ativistas dos direitos humanos como desprezível mostra de empresários dispostos a fazer qualquer coisa moralmente condenável com o objetivo de ob-ter lucros. De outro ponto de vista, os industriais dizem que a maioria dos visitantes das exibições re-conhece o valor educativo e científico da produção de cadáveres. Contudo, a verdade é que certa curio-sidade mórbida, talvez inerente ao ser humano, é a principal razão para o sucesso das mostras, pois como se explica que tanta gente, de diversas culturas e, portanto, com diferentes crenças e visões do mundo e da vida, participem como consumidores desse comércio macabro? Seremos, mesmo, assim?

29 de outubro de 2006

Quem explica?

Jornal O Estado do Maranhão


Não é de hoje meu espanto com a fixação de certas figuras da política maranhense em José Sarney. Nada acontece no Maranhão, nenhum fenômeno ocorre, natural ou social, sem que Sarney seja invocado. Houve chuva demais ou não houve nenhuma, ventou muito ou a brisa parou de soprar? Vai ver foi Sarney. O sol queimou alguma pele sensível, a lua não apareceu, a safra quebrou, o preço subiu, a feijoada salgou? Foi Sarney. O pãozinho subiu, o café tá amargo, a manteiga rançosa? Sarney, Sarney e Sarney. Quanta homenagem!
Tive a oportunidade de dizer antes e repito. Idéia fixa como essa é uma forma de admiração – sabe-se lá por meio de quais misteriosos mecanismos da complexa psicologia humana ela surge –, de mesura disfarçada, de reverência enrustida, pois a criação de demônios equivale à criação de deuses. A campanha para a eleição de hoje está cheia de exemplos. Cito apenas um. Lula veio ao Maranhão, a fim de participar de um comício de apoio à senadora Roseana e pediu a seu eleitorado que votasse nela? Então ele, ingênuo como é, não se deu conta de seus próprios interesses políticos e se deixou convencer por Sarney. O presidente  não queria vir, mas acabou cedendo. Haverá homenagem maior ao poder de convencimento, por eles desqualificado, no entanto uma das razões do prestígio nacional de Sarney, e ao ato de parlamentar com arte, essência da política e qualidade que faz a diferença entre o político merecedor desse nome e o de arremedo?
É de se indagar a origem política desse pessoal, informação que pode fornecer com certeza pistas sobre esse comportamento curioso. Não o farei, contudo, porque meu confrade da Academia Maranhense de Letras, José Chagas, antecipou com o brilhantismo de sempre a resposta em crônica do dia 21 passado, com o título de “As dores libertas dos libertadores”, quando lembrou o nascimento no berço e nas fraldas sarneysistas dos atuais “libertadores” do Maranhão. Podemos nos interrogar, porém, acerca das motivações deles. Quais seriam elas, tão terríveis assim, a ponto de levá-los a se voltarem com tanta violência e desejo de vingança contra seu líder de ontem, contra aquele que mesmo proclamado como a encarnação de todos os males do Estado lhes serve de referência permanente e de apoio cuja falta eles não poderiam suportar?
Vamos supor, apenas supor, por um brevíssimo momento, que os move o desejo de, num passe de mágica, transformar o Maranhão no mais rico Estado brasileiro, no Eldorado nacional. Como essa vontade faria de Sarney o inventor da nossa economia e sociedade, como eles não se cansam de afirmar? Ao raciocinar como se ele tivesse sido responsável pela obra do marquês de Pombal, que com o estabelecimento da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão criou uma economia primária de exportação, com base na mão de obra escrava, concentradora da propriedade e da renda no Maranhão, voltada para os mercados externos consumidores de produtos tropicais– era o possível de ser feito em face da fraqueza econômica de Portugal –, como mostrei no meu livro Dois estudos econômicos, e outros mostraram também, inclusive Bandeira Tribuzi, ao raciocinar dessa maneira, eu dizia, mais uma vez reverenciam Sarney, porquanto não foi pequeno o feito do poderoso ministro de d. José que assegurou definitivamente com sua política mercantilista o controle português do território maranhense e sua incorporação à economia já globalizada naquela época, segunda metade do século XVIII. Que fazer, se os “libertadores” nunca estudaram o Estado que dizem querer libertar e não conhecem a história econômica maranhense nem a deles nem história nenhuma?
Que imagem têm do povo maranhense? Pensam nele como um bando de carneirinhos cegamente obedientes às ordens de Sarney? Qual o motivo de só ele ser ouvido e não eles, há tanto tempo? As regras do jogo político-eleitoral não são as mesmas para todos, não estamos numa democracia? Haverá uma conspiração nacional nos tribunais brasileiros, no TSE, no STF e no STJ, onde ele colocou um dos “libertadores” de hoje, com o fim de manter a liderança de Sarney no Maranhão, contra a vontade da maioria? É sempre fácil e confortável achar explicações sobre a rejeição popular em supostos defeitos dos adversários, como eles fazem, sem perceber que ao assim agir reconhecem a liderança de Sarney. Pensando bem, seria isso homenagem mesmo ou vassalagem com vergonha?
A verdade é que os move um sentimento bastante humano, é certo, mas nem por isso aceitável, como não são aceitáveis outros defeitos morais, a exemplo da tendência à apropriação da coisa alheia, o roubo, a trapaça. Move-os o incômodo com o triunfo dos outros, o ódio e o ressentimento. Se Sarney faz sucesso, como sempre fez, transforma-se no símbolo do mal. Freud explicaria esse endeusamento disfarçado? Sei lá. Se não ele, quem?

22 de outubro de 2006

Manipulação

Jornal O Estado do Maranhão


No debate da semana passada entre os candidatos a governador do Maranhão, encontrando-se de um lado a senadora Roseana Sarney e do outro o ex-prefeito de São Luís, Jackson Lago, este afirmou que 900.000 maranhenses já deixaram o Estado como resultado de dificuldades econômicas e pôs a “culpa” desse suposto êxodo no grupo Sarney, ao qual atribui com freqüência tudo que acontece no Maranhão desde 1612 ou antes.
Esse antiqüíssimo discurso, tão antigo quanto as idéias dos anos cinqüenta do ex-prefeito, não deixa de ser um tributo inconsciente, pois confere aos adversários terríveis poderes, capazes de fazer José Sarney voltar séculos no tempo a fim de reescrever a história, assumindo culpas antigas de nossa formação social, se se pode colocar culpa em alguém pelo males do Maranhão em quatro séculos de história. Mas, muita gente autodenominada marxista ou socialista, adepta de interpretações grandiosas e grandiloqüentes da história, não resiste ao impulso de procurar culpados individuais, esquecendo suas próprias idéias sobre “grandes forças históricas”. Que fazer?, como perguntaria o companheiro Lenine.
O leitor estranhará por certo o gigantesco número 900.000, quase um milhão. Qual o sentido de falar-se em um movimento migratório do tamanho desse, se não se indica o período de sua ocorrência, se não se especifica a unidade de tempo? A idéia de fluxo, pois é disso que estamos tratando, é a de “quantidade por unidade de tempo”.
Se, por exemplo, esse monte de gente saiu daqui durante, digamos, o ano passado, então poderemos dizer que o fluxo foi de “900.000 pessoas (quantidade) em um ano (unidade de tempo)”. Neste caso, um quinto da população teria emigrado e estaríamos diante de um fenômeno extraordinário, incomum em qualquer lugar ou tempo, comparável talvez ao acontecido no século XIX com o Paraguai. O país teve a população em muito diminuída como conseqüência da Guerra com a Tríplice Aliança composta pelo Brasil, Uruguai e Argentina. Ao que eu saiba, o Maranhão nunca guerreou, vamos dizer, com o Pará, por questões de limite, que as houve durante certo tempo, nem com o Piauí nem com ninguém.
Se não foi assim e a migração ocorreu em período muito mais longo, de, vamos supor, 100 anos, então a conversa é outra e estaríamos falando de um fenômeno de natureza diversa, todavia comum, aceitável, compreensível, porque a saída de tanta gente num tempo tão longo se enquadra em padrões migratórios de longo prazo . Se, no entanto, isso aconteceu nos últimos quatro, oito ou doze anos, deveríamos analisar os números com mais cuidado. Para isso, sua apresentação de maneira honesta é necessária.
O certo é isto. A menção a dados numéricos no debate exemplifica muito bem a manipulação de informações de parte do candidato da antiga oposição, hoje no governo, bem como torna evidente a tentativa de enganar o eleitor, na suposição de ser fácil fazê-lo. Ele, no entanto, está mais atento do que imagina esse agrupamento de oficialistas ruborizados que se recusa a admitir que tem o apoio desse mesmo governo na presente eleição.
Atitudes como essa de agora mostram um padrão de outrora. Quem não se lembra da negativamente famosa inovação representada pelas inaugurações de obras públicas em forma de maquetes, feitas pelo ex-prefeito às vésperas de deixar o cargo, no afã de criar uma imagem de governante empreendedor e de tirar proveito eleitoral de obras de ficção, deixando porém o pepino da cobrança dos eleitores nas mãos e no cofre de seu sucessor? Quem lesse as notícias dos jornais da época acreditaria que obras de pedra e cal e não de gesso e cola seriam inauguradas.
Métodos de administrar desse tipo levaram a escândalos como o do sumiço de caminhões da Coliseu, empresa de coleta de lixo da prefeitura.


15 de outubro de 2006

Tempo de pagar

Jornal O Estado do Maranhão

Começo por onde terminei na semana passada: “Se, como foi anunciado com euforia na imprensa governista, Roseana foi rejeitada por 52,8% do eleitorado, então, pelo mesmo raciocínio, Jackson o foi por 65,6%, Vidigal por 85,8% e os outros, juntos, por quase 100%”.
Costumam dizer os americanos, com aquele espírito materialista, prático e realista característico deles, dando-nos a impressão de frieza e indiferença, no entanto apenas superficiais, como sabe quem teve a oportunidade de com eles conviver, que não existe almoço de graça. Tudo tem custos e preço, embora, em algumas circunstâncias eles não sejam aparentes nem pagos por quem deveria. Significa dizer que alguém mais se encarregou de fazê-lo, quem sabe um sujeito oculto, um malfeitor, um vigarista qualquer, um malandro ou um benfeitor, um filantropo, um anjo, um santo.
O leitor desejará saber a relação dessas idéias com rejeição eleitoral. Em verdade tem muito. Rejeições de 65,6% e de 85,8%, têm de possuir uma explicação, não surgiram do nada. É o preço, alto neste caso, resultante da soma de custos de administrações municipais ruins em São Luís, especialmente a última das três de Jacson Lago, entre janeiro de 2001e abril de 2002. Em outras palavras, o almoço de graça não é de graça, vai ser pago no segundo turno da eleição com a moeda da rejeição ao governo (o cálculo não é meu, mas da antiga oposição), embora aos que irão pagá-lo agora a refeição parecesse grátis durante certo período. Achavam que não seriam obrigados a liquidar a conta.
Uma das fontes dessa cobrança está na criação de uma oligarquia municipal no Palácio La Ravardière há mais de vinte anos. Quem não se lembra de São Luís, Patrimônio Cultural da Humanidade, Jamaica Brasileira, Atenas Brasileira, Cidade dos Azulejos, transformada , infelizmente, em um lixão só de uma ponta à outra da ilha? Em 2002, o sucessor do então prefeito Jackson Lago na prefeitura, do mesmo partido dele, decretou calamidade pública como decorrência de sua avaliação sobre a situação da saúde pública, de fato ameaçada pela montanha de lixo não recolhido.
O sistema de coleta havia entrado em colapso em 2001 e a população exigia solução imediata para o problema. A estatal encarregada da coleta, a Companhia de Limpeza e Serviços Urbanos – Coliseu, não coletava quase nada, fazia o mínimo. Ela fora levada a uma situação falimentar pela mesma má administração que criou as condições para o sumiço de vários caminhões da empresa. A falência desta aconteceu sem surpresa de ninguém.
O lixo, não sendo recolhido ou o sendo em volume muito abaixo do criado pela sua produção numa cidade grande como a nossa e sendo levado – por certo nos caminhões que restaram depois do desaparecimento misterioso investigado pela polícia –, em quantidade muito pequena até o aterro sanitário municipal da Ribeira, lugar onde deveria receber destinação adequada, o lixo, dizíamos, encontrava então mais um problema: a ausência de tratamento, de tal forma que ele era jogado ali sem cuidado algum. Como conseqüência, no período de chuvas em São Luís, aquela área se transformava num grande lamaçal, com os impactos desastrosos, conhecidos de todos, sobre o ambiente em seu entorno e, portanto, sobre as pessoas. O número de urubus atraídos para o local foi sempre muito superior ao de outros aterros sanitários no Brasil e no exterior e cresceu tanto que o vôo deles se transformou em ameaça a outros vôos, os dos aviões, pois o aterro está próximo do aeroporto.
Por fim, caro leitor, o elevado preço da negligência administrativa de Jackson Lago será desembolsado em breve pela antiga oposição com pesados juros. As urnas receberão o débito e darão o recibo, para não restar dúvida. O almoço não será de graça de modo nenhum. Se pensavam que outros pagariam por eles, enganaram-se.
 

8 de outubro de 2006

Números falam

Jornal O Estado do Maranhão


Na eleição de domingo passado para chefe do Poder Executivo do Maranhão havia uma cooperativa de três candidatos patrocinados pelo governo estadual e mais outro grupo de quatro, de partidos conhecidos como nanicos, sendo dois destes de cunho ideológico. Esse agrupamento tão heterogêneo – e aqui está a característica lamentável da campanha –, dedicou-se a atacar a candidata Roseana Sarney. Pouca ou nenhuma análise, idéia ou proposta., a não ser as delirantes, equivocadas ou simplesmente erradas.
Apesar dessa conjugação de forças – ou de fraquezas, para dizer melhor, a julgar pelo resultado do primeiro turno – a senadora Roseana Sarney foi vitoriosa no Estado, com 47,21% dos votos válidos, e vitoriosa em quase todos os municípios. Ela está, desse modo, a uma distância de apenas 2,8 pontos percentuais de vencer no segundo turno. Em números absolutos, foram, aproximadamente, um milhão e trezentos mil votos contra novecentos e quarenta mil do segundo colocado, que alcançou 34,36%. Disso resultou diferença a maior de perto de 13 pontos percentuais em favor de Roseana, equivalentes a trezentos e cinqüenta mil votos, pouco abaixo da votação do terceiro.
Esse resultado não deixa dúvida alguma acerca da preferência popular por Roseana, mas foi, contra a lógica e o bom senso, vendido por parte dos oficialistas como vitória deles, porque supõem que os votos do terceiro colocado e dos restantes, de expressão menor, migrarão para o segundo no próximo turno e que Roseana não acrescentará nada a seu desempenho, suposição que expressa tão-só desejos por diversas vezes frustrados em várias ocasiões anteriores.
Vejamos. A estratégia de campanha anunciada desde o início pelo próprio governo era a de apoiar mais de um candidato, no pressuposto de que o cidadão desinteressado de votar em Roseana ou em Jackson Lago, a respeito do qual havia a expectativa de ser, como de fato foi, o de performance menos ruim da antiga oposição, porém distante da senadora, poderia optar por Edson Vidigal, este e o outro, de qualquer forma, com apoio da máquina da administração pública, que agora não é mais malévola, como antes, quando se encontrava fora de alcance. As perguntas a fazer agora, depois de conhecido o resultado, são estas. O eleitor de Vidigal, terceiro colocado, migrará para o segundo? Se o fizer, qual será o tamanho ou a proporção do movimento?
Claro, boa parte do apoio desse candidato foi obtida por meio de favores do poder público a serem distribuídos também no segundo turno. Mas, será zero a rejeição a Jackson Lago, de tal maneira que só uma parcela mínima desse contingente preferirá Roseana na nova situação? O próprio raciocínio oficial supunha exatamente, como disse acima, que esses eleitores não queriam apoiar Jackson. Desconhecer isso agora é desdenhar do discernimento deles. Serão meros robôs sem capacidade de julgamento, sempre a seguir de olhos fechados as ordens dos chefes, mesmo tendo outra preferência? O voto de cabresto ressuscitará?
Suposição aceitável é outra. Uma parcela votará em branco, outra em Roseana e uma terceira no adversário dela, não havendo motivo nem informações a indicarem que a percentagem dos que o escolherão será de tal ordem superior à de Roseana que a impedirá de eleger-se. O inverso é mais provável. Ela precisará conquistar, dos 14,6% de Vidigal, apenas aqueles 2,8 pontos a que me referi e ainda poderá atrair mais alguns eleitores. A preferência dos simpatizantes dos nanicos é imprevisível. Juntos eles somam parcela inexpressiva dos votos válidos.
Por fim, podemos dizer isto. Se, como foi anunciado com euforia na imprensa governista, Roseana foi rejeitada por 52,8% do eleitorado, então, pelo mesmo raciocínio, Jackson o foi por 65,6%, Vidigal por 85,8% e os outros, juntos, por quase 100%.
Vamos ao segundo turno.
 

1 de outubro de 2006

Está na hora

Jornal O Estado do Maranhão


Nas eleições anteriores a esta, os showmícios e a poluição visual das peças de propaganda em outdoors e cartazes mais confundia do que esclarecia as pessoas, além de tornar os custos de campanha elevados, além do razoável. Isso irritava a maioria do eleitorado, em vez de agradá-lo, e divulgava o nome dos artistas, não as idéias dos postulantes. Chegávamos às urnas mais desinformados do que no início da disputa, surdos de tanto ruído e fartos de tantas “mensagens” bonitinhas, mas ordinárias, e sem condições de entendê-las, pelo conhecido vazio de conteúdo delas.
Com as restrições impostas pela legislação, a coisa melhorou, mas nem tanto. Mesmo assim, as cidades ficaram menos barulhentas e sujas, embora não se possa dizer o mesmo de candidatos de uma categoria especial, a dos mensaleiros, sanguessugas e trambiqueiros contumazes. Isso, porém, não nos impedirá de eleger os mais bem qualificados entre os outros.
É salutar ainda para a sanidade da política brasileira a nova exigência, expressa na cláusula de barreira da Lei dos Partidos Políticos, segundo a qual o partido que não alcançar 5% dos votos válidos da eleição proporcional de deputado federal, distribuídos em 9 Estados, com um mínimo de 2% do total em cada um destes, perderá no Congresso a estrutura de liderança, com suas salas e cargos, participará em percentagem bastante reduzida do fundo de financiamento partidário e apenas poderá expor seu programa e suas candidaturas no rádio e na televisão com diminuição substancial no tempo de que dispõe hoje, embora possa funcionar legalmente.
Falta ainda discutir o voto distrital e o facultativo e, em especial, a adoção do parlamentarismo como forma de aperfeiçoamento democrático e obtenção de uma estabilidade que não temos hoje em nosso arranjo político. Recordemos que o sistema parlamentar teve expressiva aprovação no plebiscito de 1993, ainda que a maioria tenha optado pelo presidencialismo.
Aqui no Estado, as pesquisas de intenção de voto para governador do Estado uma vez mais mostram esta verdade universal: o eleitor apóia governantes realizadores e responsáveis, como a senadora Roseana Sarney, sendo indiferente a discursos ideológicos empolados e obscuros, muito distantes do universo mental do cidadão médio e reveladores na maioria das vezes de certa postura de posse exclusiva do sentimento de justiça, de parte de quem deles costuma se valer.
Ela é favorita nas pesquisas por diversas razões, todas ligadas a essa constatação. Uma das mais importantes é a responsabilidade fiscal que teve durante os dois mandatos dela como governadora. No início do primeiro, ela promoveu forte ajuste fiscal e saneou as finanças públicas, por meio de reforma administrativa. Órgãos foram fundidos, sem que nenhuma área da administração fosse prejudicada em sua capacidade de atuação, e o custeio dos remanescentes foi reduzido, do lado da despesa.  Do lado da receita, a arrecadação própria do Estado foi aumentada por meio da melhoria da eficiência do fisco, sem aumento da carga tributária. Resultou daí a melhora da capacidade de investimento do setor público, como o mostram as muitas obras realizadas em todo o Maranhão nos governos dela. Tomemos dois exemplos, entre muitos que podem ser enumerados.
Um é o programa rodoviário com os milhares de quilômetros de estradas construídas ou asfaltadas, inclusive a Balsas-Grajaú, todas eixos de importância para a economia maranhense. Outro é o emprego de vultosos recursos na revitalização do centro histórico da capital maranhense, o que possibilitou a obtenção pela cidade do título de Patrimônio Cultural da Humanidade em dezembro de 1997.
Em poucas horas os resultados da eleição estarão disponíveis quando então poderemos ver que os bons governantes contam com o apoio popular.

24 de setembro de 2006

Pesquisas

Jornal O Estado do Maranhão


 De umas eleições para cá, apareceu na arena eleitoral uma personagem mais importante do que os próprios candidatos e mais importante do que os eleitores. É a pesquisa de intenção de voto, usada pelos ameaçados de derrota nas urnas como um pau-para-toda-obra, a última garantia de que a realidade não é tão ruim como parece e nem tudo está perdido, mesmo se os fatos teimarem em se mostrar rebeldes a sonhos e fantasias. Contudo, essa é uma tábua de salvação frágil e fugidia, a exemplo de todas as esperanças nascidas da falta de opções. Sua capacidade de socorrer, na imaginação, essas pessoas, quando elas se sentem derrotadas, tem um equivalente na outra face da luta eleitoral, pois ela também serve ao propósito complementar de mostrar que a mesma realidade, quando vista de outro ângulo, favorável aos adversários, não é tão boa assim, é mera manipulação, efeito de jogo sujo, produto do desespero.
Fala-se mais sobre ela, em certas rodas político-patidárias, do que sobre as próprias eleições, como se não fosse sequer preciso votar, como se, apenas por nela falar, apenas por dizer que ela não presta, tudo estivesse decidido, sendo o ato de votar apenas um detalhe um pouco inconveniente.
Desse modo excêntrico de raciocinar, surgem bizarros questionamentos acerca dos números das pesquisas. Tomemos o caso do Maranhão. Se os números do Ibope (uso o nome como sinônimo de instituições de sondagem de opinião, pela tradição de décadas desse instituto) são desfavoráveis à antiga oposição e favoráveis à candidata do PFL ao governo do Estado, Roseana Sarney, então argumentos primários, de todo feitio, inclusive os puramente fantasiosos, são apresentados aos eleitores, sob alegado aval do senso comum, que, como se sabe, com muita freqüência é desmentido pela investigação científica.
O mais freqüente deles, e o mais inacreditável, por revelar imensa ignorância da teoria das probabilidades em seu nível introdutório bem como da estatística elementar, é utilizado por aqueles que colocam em dúvida os números sob a alegação de nunca terem sido entrevistados por alguém daquele instituto, tomando tal constatação como evidência de fraude.
Ora, as estimativas dos resultados das eleições são probabilísticas e feitas a partir de amostras que não precisam de forma alguma ser grandes, sendo em verdade muito pequenas e tiradas ao acaso da população da qual se quer estimar o voto, após cuidadosa estruturação. Elas são construídas com certo erro conhecido, de 2% a 3% de modo geral. Isso significa dizer que, de 100 amostras que forem feitas do eleitorado, 95 estimarão de forma correta o resultado final da eleição e 5, tão-só, estarão erradas. Portanto, a probabilidade de a pesquisa estar certa é de 95%.
Claro, o erro pode sofrer redução pelo aumento do tamanho da amostra. No limite, poderíamos fazê-la do tamanho do eleitorado, menos um eleitor. Nesse caso, eu e todos os meus parentes, vizinhos e conhecidos teríamos, aí, sim, passado por entrevistas com o Ibope, o erro seria zero em termos práticos, mas infinito o custo da sondagem. Neste caso, seria como se estivéssemos realizando a própria eleição. Qual o sentido de assim proceder, se podemos obter resultados confiáveis com amostras e erros pequenos, a uma fração do custo alternativo? Nenhum. De tão rudimentar o raciocínio, não deveríamos sequer discuti-lo. Mas, é preciso repetir o óbvio em circunstâncias como as da presente eleição.
As estimativas até agora divulgadas por diversos institutos especializados no assunto, acerca da iminente vitória de Roseana, obedecem a critérios de ordem técnica, como os referidos acima. Não será com argumentos primários e inconsistentes que os números sofrerão contestação de qualquer natureza. Em uma semana confirmaremos a correção deles.

17 de setembro de 2006

Sem dúvidas

Jornal O Estado do Maranhão


No Maranhão existem coisas, dizem, que só acontecem aqui, levando a situações cômicas, trágicas ou tragicômicas, pelo seu inusitado e inesperado. Todas as culturas, pela própria natureza do fenômeno cultural, conforme se pode ver de sua definição como “padrões explícitos e implícitos de comportamento [...], adquiridos e transmitidos por meio de símbolos, e que constituem as realizações características de grupos humanos”, dos antropólogos A. L. Kroeber e C. Kluckhohn, têm suas peculiaridades. Devemos vê-las, portanto, com boas doses de paciência e compreensão.
Há um caso, aqui em São Luís, contado com certa freqüência em algumas rodas sociais. É o do Cristo que, numa peça teatral de bairro, durante a Semana Santa, açoitado para valer, num realismo fora de hora de atlético centurião, largou a cruz, não tão pesada assim, investiu furioso contra o surpreso romano, tomou-lhe o açoite das mãos e, para divertimento da platéia, gritou: “Tu tá é no sério?”. O açoitado passou a açoitador e a Paixão de Cristo quase virou Cristo sem Compaixão.
Não sei se isso de fato ocorreu, se foi mesmo em São Luís ou se é, apenas, parte de um pecúlio comum pertencente ao folclore de diversas regiões brasileiras. De qualquer modo, a história poderia servir como exemplo de nossas singularidades. Por isso, não é surpreendente ver nestas eleições, no Maranhão, algo inédito com relação à eleição do chefe do Executivo.
Considere por um momento, caro leitor, ou caro eleitor, o seguinte. Em toda disputa eleitoral de cargos majoritários, a oposição sempre apresenta vários candidatos e o governo apenas um. Esse é um padrão universal de comportamento político. Uma das razões, talvez a principal, dessa unidade num lado e divisão no outro, é a forte motivação dos partidos que já estão no governo com respeito à manutenção do poder. Eles percebem os perigos decorrentes da divisão entre eles, capaz de levá-los à derrota, como aconteceria na hipótese do lançamento de várias candidaturas.
A oposição, por sua vez, ou melhor, as oposições – pois na maioria das ocasiões, mas nem sempre, há mais de uma –, embora tenham a motivação para a tomada democrática do poder, padecem da síndrome da desconfiança, pela qual cada uma raras vezes confia nas outras. A primeira dificuldade aparece logo na escolha de um nome de consenso.”Por que fulano e não eu? Depois de eleito, ele nos dará a parte do bolo que merecemos?”. Resulta disso tudo esta realidade: as oposições nunca vencem, vence uma delas isoladamente.
No governo, a realidade é outra. O exercício do poder testa a confiabilidade das pessoas. Todos conhecem todos depois de algum tempo e avaliam comportamentos com precisão.Os acordos aí, e, portanto, a unidade, são, dessa forma, mais fáceis de obter do que entre os opositores.
Pois essa lógica instintiva foi rompida no Maranhão. O atual governo dividiu-se e diz apoiar três postulantes ao cargo de governador, enquanto o outro lado – quero dizer o de peso, não o dos partidos nanicos – tem apenas Roseana Sarney como candidata. Claro, a administração anterior dela e seu carisma pessoal a tornaram muito forte eleitoralmente, conforme as pesquisam indicam. Mas, o insólito da atitude governamental confundiu seu próprio eleitorado potencial. Afinal, quem o preferido de verdade? Ninguém sabe. Onde todo mundo é pretendente, ninguém o é. O certo é que Roseana segue favorita há poucas semanas da eleição.
A história da carochinha de que as pesquisas não refletem a preferência do eleitorado é apenas o que os americanos chamam de wishful thinking, pensamento pelo qual tendemos a crer na concretização de nossos desejos profundos. Vamos aguardar a última pesquisa, a das urnas eleitorais. Aí não restarão dúvidas e o resultado não ficará na dependência de liminares.

10 de setembro de 2006

Auto-engano

Jornal O Estado do Maranhão


Estive entre os dias 25 e 29 de agosto em Grajaú, cidade de rica tradição histórica, a fim de, como consultor, prosseguir no trabalho de elaboração do plano diretor de lá, acompanhando na ocasião Gustavo Marques e equipe técnica da G Marques, que também elaborou o de Barreirinhas e prepara os de São José de Ribamar e Santo Amaro. Antes de falar da atuação do prefeito Mercial Arruda, quero dar meu testemunho de um fato político interessante.
Venho eu subindo, em minha caminhada matinal, das margens do rio Grajaú, na parte baixa e antiga da cidade, em direção da alta. Encontro um senhor de 70 anos, cordial como os que vivem em lugares sem violência, voz e andar ainda firmes. Renovo então o hábito de sondar os moradores a respeito de suas opiniões sobre a vida política brasileira. Depois de alguns minutos, ele, um pouco desconfiado – quem será esse sujeito de fora que fica fazendo perguntas pra gente – começa a fazer avaliações.
De Lula, quando falo do mensalão e dos deputados sanguessugas, ele diz: “É verdade, mas ele olhou pelos pobres”. É o efeito Bolsa-Família. De Roseana Sarney, antes de dizer qualquer coisa, diminui o passo, esboça leve sorriso, mas logo fica sério: “Moço (agradeço pelo moço), a gente vivia isolado aqui, era tudo poeira, para sair daqui era a maior dificuldade. Foi ela que asfaltou essa estrada que todo mundo está vendo”.
Daí se deduz a preocupação principal do eleitor, a melhoria da qualidade de sua vida. Ele quer governantes de fato realizadores, como Roseana. É um erro, com raiz em certezas ideológicas, e um preconceito contra as camadas mais humildes da população, supor que os eleitores mais simples não conhecem seus próprios interesses e se deixam enganar facilmente por conta de supostas manipulações. Essa visão está em linha com a teoria marxista da falsa consciência na vertente de Georg Lukács pela qual a dominação ideológica burguesa na sociedade capitalista produz fenômeno esdrúxulo como esse.
O economista Eduardo Giannetti no seu livro Auto-engano, chama essa fé – a de os crentes acreditarem possuir sempre a verdade indiscutível – de “a força do acreditar como critério de verdade”, que penso ser em geral a postura adotada por indivíduos ditos de esquerda, bem como por certos grupos evangélicos: “É a exacerbação da crença de que a verdade foi encontrada – de que as certezas e convicções que nos impelem à frente têm o valor cognitivo de uma revelação divina ou de um teorema geométrico – que trai a ocorrência de algum processo espontâneo e tortuoso de filtragem, contrabando e auto-engano”.
Vejam o “Auto-engano das Pesquisas”. Elas estão erradas quando não favorecem os candidatos dos auto-enganados. Se o resultado lhes fosse favorável, estariam certas. Se Roseana lidera como agora é porque as pesquisas foram compradas. Ademais, eles dão explicações aparentemente racionais acerca dos números ruins para seus preferidos nas sondagens de intenção de voto, mas de fato se baseiam em crenças em verdades reveladas. Não se deve duvidar de que possam mesmo pensar dessa forma. Afinal, eles vivem se auto-enganando.
Mas quero falar de novo de Grajaú para expressar admiração pelo trabalho do prefeito. Como é de amplo conhecimento, há sábio dispositivo constitucional obrigando os prefeitos a implantarem até outubro deste ano planos diretores nos municípios com mais de 20 mil habitantes. Esses estudos, transformados em lei, disciplinarão o desenvolvimento local. Pois Mercial não está meramente cumprindo uma obrigação. Além de participar das audiências públicas, como seria de esperar, ele vai a todas as oficinas, divulga as atividades de elaboração do plano, incentiva a participação da comunidade e adota procedimentos absolutamente transparentes. Vai muito bem Grajaú.

3 de setembro de 2006

Os anti-Sarney

Jornal O Estado do Maranhão

Em época de eleição como esta, a imaginação dos candidatos e sua ânsia por promessas impossíveis de serem cumpridas, ameaçam tornar o processo eleitoral um irretocável teatro do absurdo. Se um candidato a presidente promete a criação de dez milhões de empregos em quatro anos, o outro não fica atrás e anuncia como sua meta a geração de 12 milhões. Ou se o primeiro garante matar a fome dos pobres no primeiro ano de governo, o segundo oferece caviar a todo mundo no primeiro mês. Ninguém diz como vai cumprir as promessas e quanto elas custarão, além de palavras bonitas e vazias. O dinheiro, detalhe sem importância ao qual apenas os chatos dão atenção, já se sabe de onde virá, do magro bolso do contribuinte, sempre chamado a pagar a conta da demagogia. Exemplos de delírios como esses, convenientes para quem promete e inconvenientes para quem os ouve, típicos de temporada eleitoral, são inumeráveis. Usaríamos uma página inteira deste jornal a fim de listar pequena parte deles.
No Maranhão um fenômeno antigo e da mesma natureza, pois revela a mesma falta de imaginação dos falsos pagadores de promessas, se acentua neste período. É a compulsão que têm algumas pessoas de falar em e de Sarney. Em lugar de concentrarem seus esforços em apresentar novas idéias, recomendar políticas públicas, apontar soluções, apresentar propostas, criticar com um mínimo de consistência, em suma, agirem como candidatos preocupados com os problemas sociais e econômicos, fazem grande esforço de aparecer pela utilização a toda hora da palavra Sarney, na tentativa de elevarem-se um pouco acima do chão.
Fico a imaginar qual seria o discurso de campanha desse pessoal de variados matizes ideológicos, caso não tivessem uma referência como essa com que chamar a atenção do eleitor. Ficariam sem assunto, sem platéia e sem nada para dizer, pois a imaginação limitada não os ajudaria em nada. Falariam de quê, afinal, depois de tanto tempo nesse samba de uma nota só, depois de tanto uso do cachimbo que os põe de boca torta? Eles teriam de reinventar o nome tão do agrado deles, a fim de continuar no antigo e cansativo costume.
Um eleitor que chegasse à Terra, depois de um passeio de muitos anos a Plutão, poderia pensar, ao ouvi-los falar e sem informações adicionais, que os problemas sócio-econômicos do Maranhão, semelhantes aos de muitos estados brasileiros, são uma invenção perversa de José Sarney no dia de sua posse como governador do Estado, aperfeiçoada nos governos de Roseana.
O Maranhão não existia, ou existia apenas como idéia de paraíso, onde, como sabemos, tudo é perfeito e eterno, e não tinha história. Portanto, La Ravardière não esteve aqui, a economia agro-exportadora de arroz e algodão foi criação de Roseana, e não produto da era pombalina com a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, e, assim, nunca houve antes dela no Maranhão concentração da propriedade da terra e da renda, mesmo, ou em especial, em nosso período de maior riqueza.
Tudo de ruim foi obra dos dois, pai e filha, a quem, sem perceber, eles conferem poderes mitológicos, pois quem pode tanto, quem é capaz de criar um Estado da federação a partir do nada, num piscar de olhos, é o quê, senão um mito? Ao povo, sempre imaginado como sábio e portador de todas as virtudes, no pensamento esquemático deles, atribuem, paradoxalmente, uma passividade que o leva a se deixar dominar por tanto tempo sem reação. 

A verdade é esta. Estamos diante de um caso característico de sanguessuguismo, pois como se pode chamar esse obsessivo viver da projeção alheia e esse pretender caminhar com o brilho dos outros? Razão tem o confrade da Academia Maranhense de Letras, José Chagas. Em crônica recente, ele disse, com a perspicácia de sempre , que “Sarney dói neles”. É uma dor sem fim.

13 de agosto de 2006

Honesto desconhecido

Jornal O Estado do Maranhão


Em meio a 24 deputados da Assembléia Legislativa de Rondônia, houve um solitário que não se envolveu nas falcatruas dos três Poderes, há pouco noticiadas. Ninguém sabe seu nome, é um desconhecido. Se tivesse entrado na dança seria pop star, porque notícia boa é notícia ruim. Convoco o caro leitor a uma campanha nacional para levantar fundos destinados a erguer uma estátua a esse Honesto Desconhecido. Não se fazem estátuas do Soldado Desconhecido, em lembrança dos homens que deram a vida pela pátria, anônimos que, se não o fossem, poderiam ter os nomes colocados em ruas, avenidas, praças, rodovias? Não se estendem, de outro ponto de vista, menos nobres, tapetes vermelhos para gente que, dado o tempo suficiente, passa de ladrão do dinheiro público a benemérito da sociedade? Não se elegem para fazer leis especialistas em descumpri-las? Não se chama de excelência os que não o são? Não se aplaudem os golpistas federais? Qual a razão de não se fazer tão modesta homenagem como essa, não ao deputado de exceção, propriamente, mas a todos os seus companheiros de ousadia, também desconhecidos?
A imprensa, pelo menos fora do estado, não deu uma palavra que o pudesse individualizar ou a polícia escondeu sua identidade, talvez temendo por sua segurança. Dizem ser a virtude, muitas vezes ou quase sempre, tão-só o produto do medo de ser flagrado com a boca na botija.  A muitos virtuosos faltaria não a vontade de delinqüir, faltaria apenas a coragem de participar da gandaia daqueles a sua volta e enfrentar com indiferença as conseqüências do crime na improvável hipótese de a justiça funcionar e puni-los.  Que seja, é da natureza humana, tanto a vontade quanto o medo. Mas, vamos admitir que o Honesto Desconhecido de Rondônia tenha agido daquela forma por princípios morais. Exceções sempre existem a confirmar a regra. Por que não homenageá-lo e assim homenagear todos os Honestos Desconhecidos?
Imaginem o drama desse homem acuado e angustiado. Chega na Assembléia e descobre sua condição de pária no próprio local de trabalho. Cruza no corredor com um parlamentar e não ouve resposta a seu bom dia. No seu gabinete, chama o contínuo e pede um cafezinho a fim de relaxar um pouco. O constrangido funcionário diz não poder servi-lo, por ordem superior. Quanta humilhação! O antigo motorista não dá mais atenção a seus pedidos, com medo de perder o emprego. No plenário ouve a toda hora a frase famosa: “Lá vem aquele chato de galocha”. Pensa em recorrer ao Judiciário contra a injustiça, por breves momentos apenas, pois se lembra de que, no momento, essa não é uma medida prudente em vista do pânico no Poder em vista da prisão do presidente do Tribunal. Resolve apanhar a filha na escola. Encontra a menina aos prantos: foi vaiada por alguns colegas, filhos dos outros deputados, revoltados, os filhos e os pais, com aquela pose de honesto de Honesto.
Ele e sua mulher foram incluídos em listas negras de recepções. Nas futuras, porque no momento todas estão suspensas, até passar a onda. Não recebem convite nem para chá de panela de boneca. Ele, como medida desesperada, decidiu entrar no programa de proteção a testemunhas, pois percebeu as ameaças a sua vida e da família. Não conseguiu falar com autoridade alguma em Brasília, já muito ocupada com mensalões e sanguessugas. Não estaria melhor protegido se conseguisse sua inclusão na lista de espécies de plantas e animais ameaçadas de extinção, elaborada de acordo com critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza e Recursos Naturais? Se tantas na Amazônia estão em perigo, segundo aviso freqüente dos cientistas de várias instituições de pesquisa, não haverá dificuldade em incluir naquela lista essa raridade, frágil subespécie da espécie humana.

6 de agosto de 2006

Copacabana, Brasil

Jornal O Estado do Maranhão


Foram dois anos de angústias, sobressaltos, medo, incertezas e apenas uma certeza: se fosse descoberta seria assassinada em menos de 24 horas. Aquela mulher de 81 anos de idade, que morava na ladeira dos Tabajaras em Copacabana, chamada no passado de Princesinha do Mar, e vivia exposta aos maus humores e loucuras dos freqüentadores de uma boca de fumo próxima a sua casa, tomara a decisão de filmar as atividades diárias de traficantes e viciados em drogas em frente a sua casa. Comprou uma filmadora caseira com dificuldade, pois recebe quinhentos reais por mês como aposentada, e se pôs a reunir evidências da falta da segurança que não lhe era dada pelas autoridades.
Com base nas imagens obtidas, a polícia prendeu 32 pessoas, nove delas policiais, e a mulher (não se sabe seu nome) ganhou na primeira instância do judiciário o direito de receber R$ 150 mil, como indenização pela situação de desespero em que estava por culpa do governo. Contudo se viu obrigada a deixar sua casa às pressas por causa da ameaça dos bandidos. Enfiaram-na num tal programa de proteção a testemunhas que, se fizer muito e depressa, a protegerá durante algumas semanas. Em seguida a abandonará à própria sorte ou azar de querer consertar não o mundo, tão só a rua onde mora num bairro carioca em outros tempos agitado, mas não violento.
Não terminou aí a história que se revelaria kafkiana mais adiante e revelaria o tipo de justiça dispensada no Brasil. A procuradoria do Executivo recorreu da decisão com o argumento amoral e imoral de homens práticos cheios de razões de Estado, acostumados a olhar os cidadãos como estorvos a suas ações de representantes do Iluminismo tropical, de que o pagamento estimularia outras vítimas da violência – a verdadeira causa do problema, claro, a omissão estatal, não foi mencionada – a ir ao judiciário com pedidos semelhantes, o que levaria ao desembolso de imensas quantias de recursos públicos que, pode-se deduzir, não poderiam mais ser destinadas a sanguessugas. Os desembargadores da 16ª Câmara Cível reformaram a sentença da primeira instância e ainda condenaram a mulher ao pagamento das custas processuais no valor de R$2 mil. Se a ação de indenização não tivesse sido proposta pela Defensoria Pública, a octogenária, que solicitou gratuidade no processo, teria de desembolsar a quantia, a ser obtida do nada, por milagre da multiplicação de cédulas de reais.
Vejam o argumento da desembargadora Simone Chevrand, moradora com certeza de uma rua sem bocas de fumo: “Não se pode deixar de evidenciar que, ao assim agir, a apelada assumiu o risco das conseqüências daí advindas. E elas vieram, tanto que acabou por necessitar ser incluída em programa de proteção à testemunha”. Tamanho desprezo pela justiça e pelo sofrimento alheio, expresso por uma juíza, diz muito ou mesmo tudo sobre nosso arranjo social.
Por certo, considerando a injustiça de nossa justiça o risco foi altíssimo. Em que outro lugar, por mais injusto e opressor que fosse, um comum do povo arriscaria sua vida com o fim de fazer o trabalho da polícia omissa, forneceria as provas materiais contra os criminosos e acabaria, como recompensa, sendo punido, depois de ter comprado o equipamento de investigação com os próprios e minguados recursos? Não em uma sociedade solidária, preocupada em bem administrar a justiça e proteger seus membros mais fracos. Sorte teve de não ser presa, a importuna que ousou perturbar o bom andamento do judiciário e ameaçar o equilíbrio das finanças públicas com demandas sem pé nem cabeça ou com pés de barro e cabeça oca.
E assim la navetta brasiliana va, à deriva, mas certa no rumo de lugar nenhum enquanto as excelências, homens e mulheres da estirpe da doutora Simone , gastam seu latim macarrônico.

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