10 de novembro de 2013

Porta de Escola


Jornal O Estado do Maranhão
          
          Há um problema sério de saúde pública, com características de epidemia. Por onde se anda, encontram-se exemplos fartos dessa realidade. Basta olhar em redor por alguns minutos e você, caro leitor, poderá ver que a coisa é séria, muito séria e requer ação e solução imediatas das autoridades da saúde, as municipais bem como as estaduais e federais. Só um esforço conjunto poderá evitar o descontrole da situação e livrar a população do agravamento de seus achaques. É um acontecimento inusitado, silencioso, mas evidente aos olhos de todos dispostos a ver. Sinto-me na obrigação de fazer este alerta porque, afinal, todos nós estamos em perigo e não sei se, contraída a enfermidade, haveria esperança de cura. Até a medicina praticada em São Paulo não poderá ajudar-nos, apesar da boa vontade dos médicos de lá.
           Se, incrédulo leitor, você achar exageradas minhas palavras posso lhe dar a custo zero uma sugestão simples de ser seguida. Vá à porta de uma escola do ensino fundamental. Qualquer uma, feche os olhos e faça uma escolha aleatória, ou peça a alguém escolher por você. Melhor, ainda, aproveite a hora de apanhar seu filho na dele. Chegue um pouco mais cedo, procure um lugar abrigado do forte sol deste época do ano e observe com atenção. Haverá com certeza duas ou mais vagas para o estacionamento de veículos pertencentes aos pais idosos ou com dificuldade de movimentos. Elas serão os elementos fundamentais para a identificação do problema. Se você, como eu, não têm boa memória, leve alguma coisa em que possa anotar a contagem a ser feita.
          Você notará em pouco tempo um fenômeno interessante: aquelas vagas nunca ficam desocupadas. É um entra e sai danado. No começo, os pais, dando exemplos aos filhos, nelas estacionam, mas não saltam do carro. Ficam ali olhando pelos cantos dos olhos, para um lado e o outro, como se estivessem com medo de assaltos. Nos tempos atuais, temor perfeitamente justificado, notadamente vindo de alguém com dificuldade de fugir rapidamente. Passando o tempo, mais confiantes, descem sem dificuldade aparente de andar, com modos juvenil, entram na escola, batem um papinho com os pais dos amiguinhos de seus queridos miúdos e voltam em, vamos dizer, rápidos dez a quinze minutos e, pronto, vão embora e dão a vaga a outros.
          Digo “sem dificuldade aparente” imaginando o esforço oculto daqueles andares. Mas a verdade é esta: por dentro, oculto o sacrifício por força de vontade insuperável, o sujeito está a ponto de pedir socorro, dizer que não aguenta mais pisar como se não tivesse nada, tendo tudo: dor nas juntas, na coluna e todas as outras imagináveis. No entanto, ao se olhar aquelas figuras lépidas e leves estacionadas em lugar aparentemente errado corre-se o risco de fazer um julgamento injusto. Quem for ansioso em fazer julgamentos definitivos sem conceder o direito a embargos infringentes e não analisar todas as circunstâncias, cometerá grande injustiça ao pensar naquelas pessoas como desrespeitadoras das regras do trânsito e da boa convivência. Eles podem miar como gato, ter rabo de gato, correr e pular como gato, mas não são gatos. Ou gatas. Ou seja, embora pareçam em perfeita forma física, são, sim, idosos que não gostam de dar o braço a torcer, disfarçados de jovens. Não vá passar uma sentença injusta, caro leitor, apenas pela aparência.
          Em pouco tempo (anotou, leitor, quantos idosos já estacionaram nas vagas?) você irá perceber o fato evidente: o negócio é de preocupar. Afinal, em todas as escolas, em todos os horários, todos os dias, a toda hora é uma multidão com aquela aparência estacionando seus veículos naqueles espaços especiais. Tanta gente com dificuldade de locomoção que só pode ser uma epidemia. De onde se pode concluir que os serviços de saúde por aqui não estão cuidando devidamente dos cidadãos. Se estivessem, mesmo os mais velhos, atléticos como seriam, nem sequer precisariam daquelas vagas e não as usariam. Ou a conclusão pode ser inversa: eles são tratados com tanta eficiência que parecem jovens demais, quando em verdade são bastante idosos.

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