22 de junho de 2008

Gomes de Souza

Jornal O Estado do Maranhão

No discurso com que dei boas vindas à Academia Maranhense de Ciência, em nome da Academia Maranhense de Letras, na sede desta, quando da instalação solene daquela, terça-feira passada, apontei a coincidência de ser o patrono da nova Academia, Joaquim Gomes de Souza, o mesmo da Cadeira 8, ocupada por mim na AML, tendo ele nascido a 15 de fevereiro, dia de meu nascimento. Creio que os fundadores da instituição recém-instalada não poderiam ter feito escolha mais acertada, pois ele é o símbolo do surgimento da Ciência Matemática no Brasil, com a particularidade de ser maranhense que viu a luz pela primeira vez à margem esquerda do Itapecuru, na fazenda Conceição, em 1829. Membro de família tradicional da elite econômico-social da Província do Maranhão (foi construído por seu pai, Inácio José Gomes de Sousa, produtor rural, o prédio onde hoje funciona o Museu Histórico e Artístico do Maranhão, na rua do Sol), ele se tornou um inquestionável mito no imaginário popular, com feitos, reais ou imaginários, ligados, na maioria das vezes, mas não unicamente, a sua condição de matemático, o que ele de fato foi em alto nível, tendo obtido em 1848 o grau doutor nessa área, o primeiro concedido pela Escola Militar da Corte. Em 1856, obteve o de doutor em medicina na Faculdade de Medicina de Paris, completando os estudos iniciados no Rio de Janeiro.
Humberto de Campos conta que, em Paris, durante uma aula do famoso matemático Cauchy, que havia apresentado aos estudantes uma equação como não integrável, Souzinha teria contestado a afirmação do mestre, mostrando-lhe o erro. Cauchy o teria, então, comovido, abraçado e se tornado seu amigo. Malba Tahan afirma entrar aí “um pouco da fantasia de Humberto de Campos”, pois o francês era considerado por seus contemporâneos como invejoso, egoísta e rancoroso. Sua reação natural seria de repúdio a Gomes de Souza. As palavras de Humberto de Campos mostram um ufanismo e, até, uma certa ingenuidade representativas de uma visão sobre a carreira de Sousinha tendente a folclorizá-lo.
Outros, como Henriques Leal, embora mais prudente em sua avaliação do grande maranhense, que era seu amigo, diz no Pantheon Maranhense: “Logo no primeiro exame fez tanta sensação o triunfo que nele obteve, que S. M. o Imperador não quis perder mais nenhum de seus atos, concorrendo assim com sua augusta presença para abrilhantá-los”. Ora, é bem conhecido o hábito do imperador de comparecer regularmente aos exames de diversas instituições de ensino sediadas no Rio de Janeiro. Seria plausível ele ter notícia do bom desempenho de Souzinha e, curioso, assistir a seus exames. Mas, dizer isso sem mencionar o hábito de Pedro II é induzir o leitor a ver como excepcional um gesto comum no soberano.
Clóvis Pereira da Silva avalia ter sido ele “o mais importante matemático brasileiro nas duas primeiras décadas da segunda metade do século XIX” e de sua produção impressionar não tanto pelo rigor, mas por ter sido desenvolvida apesar do isolamento dele do mundo científico europeu daquele tempo. Ainda na sua apreciação, a famosa tese de doutorado em matemática de Gomes de Souza, Dissertação sobre o modo de indagar novos astros sem auxílio das observações diretas , “não é um trabalho acadêmico de excepcional qualidade. Contudo, é um importante marco na historiografia da ciência no Brasil, porque ela corresponde ao início de uma importante atividade científica, a saber, a pesquisa matemática séria em nosso país.
Podemos sintetizar a figura de Gomes de Souza assim: inteligência excepcional, incomensurável curiosidade intelectual, criatividade, vontade de saber e grande talento matemático. Sua obra e personalidade ainda não tiveram o estudo consistente a que têm direito.
Separemos o mito do matemático.

Machado de Assis no Amazon