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Mostrando postagens de novembro, 2004

Um exemplo

Jornal O Estado do Maranhão Celso Furtado, morto recentemente, foi um dos mais influentes intelectuais do Brasil na segunda metade do século XX. Certamente, sua obra permanecerá como referência indispensável para os estudos da história econômica do nosso país. Seu livro, Formação econômica do Brasil , ao lado de Raízes do Brasil , de Sérgio Buarque de Holanda, Retrato do Brasil , de Paulo Prado, Casa Grande e Senzala , de Gilberto Freire, Os sertões , de Euclides da Cunha, Formação do Brasil contemporâneo , de Caio Prado Junior, e alguns livros mais, é parte da melhor interpretação, no campo da ensaística, da economia e da sociedade brasileiras. Toda uma geração de estudiosos tem buscado em sua obra os fundamentos de sólidas reflexões acerca da construção do nosso grande destino nacional. Seria, porém, injusto vê-lo apenas como um economista ou um historiador econômico. Aliás, nenhum bom economista é tão-só um economista. Ele, um erudito, tinha uma imensa esfera de interesses. Era um

A invisível

Jornal O Estado do Maranhão No meu tempo de criança, morria-se em casa, ou pelo menos ali se faziam os velórios. Era a época das mulheres encalhadas e do recolhimento aos conventos ou deportação para o Rio de Janeiro, forma certa de morte social, daquelas moças ou esposas que se “perdiam”, davam passos em falso, em compreensíveis momentos de fraqueza. Hoje em dia, não sei se para melhor ou pior, as mulheres não encalham, a não ser por vontade própria, não sendo isto propriamente um encalhe, em cujo caso não se diz que ela ficou pra titia, as “fracas” não são enviadas ao Sul ou obrigadas a se retirar deste mundo e de suas tentações, como castigo de seus pecados da carne, nem se morre ou se velam os queridos mortos no próprio lar onde, na época de meus pais, se nascia. Lembro perfeitamente da morte de um vizinho. Apesar de doente havia meses, ele nunca fora, pelo menos na minha lembrança, a um hospital, dos poucos de então. O médico, sim, eu soube depois, o visitara diversas vezes, pois

Infidelização TIM

Jornal O Estado do Maranhão Fidelização é um neologismo inventado pelos marqueteiros. Já foi incluído no Houais, provando a liberalidade, a respeito de novidades lingüísticas, da equipe que produz o dicionário hoje. A mim, soa meio bobo, em especial na boca de atendentes de empresas de telefonia celular como a TIM. Deveria ser, mas não é, isto: “conquista da constância do cliente com relação ao uso dos produtos de determinada marca, serviço, loja ou rede de pontos de venda etc”. O leitor já verá por quê. Todos sabem o significado de fidelidade, ou pensam saber. Seja como for, ela é desculpa para muita briga, mas, em todo caso, ela depende de cada um. Ninguém é fiel ou deixa de sê-lo contra sua própria vontade, a não ser por breves períodos e em circunstâncias especiais. Ela é semelhante ao amor, com quem anda de braços dados. Ninguém ama ou é fiel por causa de uma lei, decreto ou regulamento. Eu pensava, ingenuamente – dou minha mão à palmatória, que nem é mais usada, porém deveria, p

Fim do mundo

Jornal O Estado do Maranhão A certeza era imperturbável. O mundo ia se acabar, mas somente mais tarde ele me anunciou a grande nova. Não seria daqui a bilhões de anos, quando a Terra, por querer voar muito perto do Sol, qual Ícaro com suas asas soldadas com cera, cairá na estrela e se transformará em pó, à semelhança de seus habitantes desde o começo dos tempos, dessa última vez pela ação do mesmo fogo que hoje, distante, nos dá vida. O desastre seria em alguns meses ou, no máximo, um ano. Não adiantaria recorrer aos deuses, rezar, chorar, pedir, implorar. Não havia esperança de tudo se passar como na canção em que “anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”, porém tudo continuara como sempre, exceto pelas confissões de pecados mortais e veniais, com muito barulho, confusão e divórcios. Apesar da certeza da catástrofe próxima não se via nele sinal algum de desespero, diferentemente de um personagem de um filme de Woody Allen. Ao saber, ainda bem criança, do destino inexorável d