27 de março de 2011

Veados e onças

Jornal O Estado do Maranhão

          Eu sempre fui um carnívoro radical, amante de um bom churrasco, argentino ou brasileiro. Mas, certa época, tive de enfrentar o vegetarianismo. Dava pena ver seus adeptos com ares de esfomeados, magros o quanto se pode ser com a ingestão de ervas e raízes. Eu tinha a impressão de que eles estavam o tempo todo com o pensamento num bom bife, sem jamais admitirem tal fraqueza, embora se saiba que a carne é fraca. No entanto, eu e quase todos os apreciadores de carne, quase chegamos a sofrer discriminação nos restaurantes e nas rodas sociais da cidade. Não estou certo se éramos  então maioria, pois os nossos jamais foram à boca de cena anunciar: “Eu como. Ninguém pode meter o nariz (ou a boca) nos meus hábitos”. Qual a maneira, nessas circunstâncias, de estimar quantos éramos? Certeza, tenho disto. Nossa imagem se confundia com a de trogloditas, homens da era paleolítica, por assim dizer. Tristes dias, aqueles.
Falando de tempos pré-históricos, vejam só a novidade. Tive informações na internet sobre uma tal de dieta do Paleolítico, à base de proteínas, chamada também de “Flintstone”, em referência a personagem de história em quadrinhos habitante desse período que vai de 2,5 milhões a 11 mil anos atrás, ao fim do qual, do total de alimentos ingeridos pelos seres humanos, 50% eram carne.
A dieta é em verdade uma promessa – mais uma – de fazer as pessoas preocupadas com o excesso do próprio peso emagrecerem com rapidez, com nenhum sacrifício. Algo como fazer omeletes sem quebrar os ovos. Fiquei desconfiado, contudo feliz com o anúncio, pois eu não queria propriamente perder peso. Meu desejo era comer muita carne, a melhor fonte de proteína, sem que ninguém viesse me dar conselhos sobre os malefícios do costume. Agora eu tinha respaldo científico, pensei, talvez com precipitação. E ainda poderia jogar na cara dos pretensos conselheiros a famosa pergunta retórica, no fim das contas uma afirmação: Eu não disse?
Fui ver mais de perto. Pelo anunciado aos quatro cantos do mundo pelo Dr. Arthur de Vany, o inventor da receita, economista, isso mesmo economista, cientista do comportamento e professor da Universidade da Califórnia, o primeiro mandamento alimentar dos seres humanos deve ser: “Coma apenas o que você poderia caçar, matar, colher ou tirar da terra, como um homem das cavernas”.
Cocei a cabeça. Homem das cavernas? De minha parte, seria muito difícil seguir as recomendações, eu, homem urbano em todos os sentidos, que nunca morei em cavernas nem embosquei ninguém. A esse respeito, estou na total dependência de estranhos. Confio, porém, nas palavras de Adam Smith: “Não é da bondade do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos, não a sua humanidade, mas a seu egoísmo [...]”. A carne acaba chegando ao meu prato graças ao bendito desejo de lucro do açougueiro. Sem ele, para comer, eu estaria na dependência de um burocrata no escritório central de planejamento.
As sugestões do economista, no entanto, têm um inconveniente insuperável: o jejum intermitente. Num dia, deve-se comer toda a carne possível com os acompanhamentos indicados. Depois, é ficar de papo pro ar, digerindo a refeição. Quando o estômago estiver vazio, deve-se ainda jejuar durante dois dias até se aventurar de novo, como uma vulgar sucuri após a digestão de um boi inteiro, na caça a uma linda gazela, por exemplo, recomeçando o ciclo. Essa a razão pela qual defendo a mudança do nome para dieta sucuri. O Dr. Vany garante, se algumas recomendações adicionais forem seguidas, bons resultados na perda de peso, cura da diabetes e quase todos os problemas de saúde.
Coçada a cabeça e, assim, iluminado o raciocínio, concluí ser melhor continuar com o meu próprio método: comer todos os alimentos, sem descriminação de nenhum de minha preferência, com moderação.
Coma tudo, leitor, mas não saia pelo interior da Ilha, tacape e lança em uma das mãos e a esposa na outra, arrastada pelos cabelos, à caça de proteína em forma de veados e onças.

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