24 de maio de 2015

Desajuste

Jornal O Estado do Maranhão

          Ora, vejam só como tudo anda embaralhado na política brasileira. Parcela dos que deveriam, porque teoricamente, da base de apoio ao governo no Congresso, apoiar o corte de despesas, aumento de receitas ou uma combinação das duas primeiras alternativas, são justamente os que se declaram contra, o PT e os partidos a ele associados. As medidas foram propostas pelo Executivo com o fim de tornar efetivo o indispensável ajuste nas contas públicas do Brasil, desarrumadas por Dilma em seu primeiro mandato. Portanto, Dilma terá de arrumá-las agora. Quem se esperava que fosse a favor, porque tomar medidas de contenção do gasto público se tornou necessário para a economia e cidadãos brasileiros, tomou posição contra, conforme manifestação de vários parlamentares do PSDB e partidos menores supostamente de oposição. Aliás, o PSDB tem se caracterizado por ser partido de oposição que não se opõe ao governo, de onde se pode concluir que deveria ser partido de aceitação.
          Economistas brasileiros advertiram as autoridades fiscais e monetárias, pelos meios de comunicação e em publicações técnicas, acerca da necessidade de se tomarem essas medidas logo, lá atrás, quando se tornou manifesta a necessidade de fazê-lo, em vista das pressões inflacionárias acumuladas desde o segundo mandato de Lula na presidência da República. Eu mesmo, numerosas vezes, fiz advertência semelhante como também mencionei o custo de não se tomar de imediato providências com o fim conter a inflação. Prevaleceu, no entanto, a ideia de não existir mal nenhum em se ter um pouco da doença inflacionária. Seria como uma mulher ficar um pouco grávida, só existe na imaginação. Com essa visão – qualquer estudante de primeiro período a reconheceria como inviável, ultrapassada e perigosa –, chegou-se à condição de, agora, termos custos econômicos e sociais muito mais elevados do que teríamos se as autoridades tivessem feito o dever de casa no momento certo. A política econômica heterodoxa adotada por Dilma, que diz ter feito faculdade de economia, tendo entrado na escola, sem a escola entrar nela, gerou tão só desastres ao redor do mundo. Como fiz anteriormente, repetidas vezes, peço: apontem-me, caros adeptos do vodu econômico, da dança da chuva, do milagre mundano, digam-me onde tal política resultou em aumento da riqueza das famílias, das empresas e da nação? Estou disposto a dar a mão à palmatória, se apenas um caso de sucesso me for apresentado. Em contraste com a heterodoxia, a ortodoxia inglesa deu excelentes resultados, como se vê nos dias atuais na Inglaterra, que colhe boa safra econômica derivada de seu ajuste na hora certa, consubstanciado no equilíbrio do orçamento. Ao mesmo tempo, os ingleses liquidaram com o mito sobre os supostos prejuízos políticos sofridos pelos governos, por ajustarem a economia de seus países, pois o fizeram e se saíram muito bem nas eleições gerais deste ano, sem estelionatos eleitorais, formando agora, o Partido Conservador, um governo que independe de outros partidos.
          O PT se declara contra a posição do Executivo, mas, sabe serem os cortes imperativos para a economia brasileira, quando se fala de combater a inflação e reativar a atividade econômica. Por isso, faz um jogo duplo: quer que os outros partidos da base do governo apoiem as medidas, enquanto boa parte do próprio PT vota contra. É, de um lado, a terceirização de ônus de ir contra propostas de equilíbrio orçamentário e, de outro, a apropriação pelo partido da imagem de preocupação com os trabalhadores. Nisso não inova, porque sempre agiu assim. Hoje, a maior resistência a Dilma não vem da oposição parlamentar. Vem de Lula, oponente do reequilíbrio das contas do país. É dele a orientação dada aos companheiros de não apoiarem o ajuste. Se obedecida, teremos aumento do desajuste, o inverso do pretendido corretamente pelo governo, liderado, na área econômica, pelo ministro Joaquim Levy. Mas, a Lula não interessa a sanidade da economia, mas, os votos que possa obter em possível, mas improvável, candidatura presidencial em 2018.

11 de maio de 2015

Laura

Jornal O Estado do Maranhão
          “Quando há dias fui enterrar o meu querido Serra, vi que naquele féretro ia também uma parte de minha juventude”. Perdoem-me os leitores por voltar, uma vez mais, à crônica de Machado de Assis, de 5 de novembro de 1888, na “Gazeta de Notícias”, por mim mencionada algumas vezes, aqui mesmo neste jornal, em que ele fala da morte de seu amigo maranhense Joaquim Serra. As circunstâncias me levam a lembrar desse belo texto.
          Quando evocamos o desaparecimento de amigos, queridos amigos, de pais e avós, de irmãos, de primos, de professores do tempo de criança, de simples conhecidos, falamos do passado, das experiências de vida em comum, de lembranças sobre as quais perdemos para sempre alguém capaz de entender, por uma simples palavra, sem necessidade de explicações e de elaborações, nossa intenção ao dizer algo. Ainda podemos falar desse passado, mas, quem nos ouvir a fala, jamais poderá captar emocionalmente o sentido particular da palavra dita, como o amigo fazia. Assim, podemos dizer que essas mortes nos fazem morrer um pouco a cada vez que se apresentam. Envelhecer é, em grande parte, tal acúmulo de perdas. As físicas são de menor importância, creio eu, e sempre podemos fazer um esforço para retardá-las.
          O que se pode dizer, porém, do falecimento prematuro de uma criança, do desaparecimento inesperado de uma vida em seu princípio? Aqui, tudo se inverte. Não estamos mais falando do passado perdido, mas, da perda do futuro. A morte de Laura Burnett Marão, há poucos dias, em violenta colisão com o carro de seu pai, de um veículo dirigido por motorista bêbado, responsável, provavelmente, por outros acidentes de trânsito semelhantes ao que a matou, como outros milhares de irresponsáveis o fazem diariamente por todo o país, sem as autoridades policiais se aplicarem para valer à repressão desses assassinos em potencial, algo fácil de fazer, quando se quer fazer, põe ante nossos olhos e corações realidade dolorosa.
          Não se perdeu tão só uma vida preciosa e tão recente, pois iniciada havia apenas 8 anos, o mesmo tempo de vida de Davi, meu filho e também neto. Por coincidência, o avô materno de Laura, Fred Burnett, foi meu colega no antigo ginásio, na mesma turma do Colégio Maranhense, dos irmãos Maristas bem como companheiro de escotismo. O tempo passou e nossos netos, Laura e Davi, acabaram na mesma turma na escola Maple Bear.
          Os pais da pequena Laura, Larissa e Marão Neto, e irmãos Felipe, gêmeo dela, e Vítor, o mais novo, perderam os sobrinhos e netos que viriam no amanhã que a ela foi criminosamente negado, e, ainda, os filhos dos netos, os filhos dos filhos dos filhos e assim por diante, até a consumação dos séculos numa sucessão infinita, como infinita é a dor. As gerações vindouras estarão desfalcadas deles. E quem pagará o preço de ter causado essa imensa tragédia? A crer-se nas nossas leis, na leniência de punição de pessoas embriagadas na direção de veículos motorizados, no máximo, o culpado confesso prestará alguns dias de serviços comunitários ou fará doação de cestas básicas a comunidades carentes e, depois, seguirá livre para repetir o crime. Carlos Diego Araújo Almeida é seu nome.
De qualquer modo, pensemos assim: muitas alegrias, não só tristezas, ficarão nas lembranças de seus pais e dos mais próximos: as primeiras palavras, a primeira vez de pronunciar mamãe, ou papai, os primeiros passos, os primeiros dentes de leite, o primeiro destes depois arrancado, o primeiro dia de escola, o mundo descoberto aos poucos, com seus belos olhos verdes claros. Elas servirão para amenizar o sofrimento de agora, assim como o tempo o faz, sem apagá-lo nunca, porém; assim como as palavras de consolo dos amigos amenizam também, mas, nada poderá fazê-lo completamente.
Os colegas elaboraram emocionalmente, cada um a sua maneira, a falta de Laura entre eles. Davi disse que ela tinha um clone e, pois, tudo voltaria a ser como antes. Ela não morrera de verdade. Ele tem razão. Ela estará viva para sempre na lembrança dos que a amaram e amarão por toda a eternidade.

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