2 de novembro de 2003

A soja transgênica

Jornal O Estado do Maranhão 
Quem estuda os problemas de desenvolvimento econômico percebe a dificuldade de achar-se uma explicação com validade universal para o subdesenvolvimento. A multiplicidade de fatores envolvidos no seu entendimento tem levado os estudiosos a enfatizar ora um ora outro aspecto da questão. Assim, o não especialista fica confuso, sem saber qual o melhor remédio para o atraso relativo dos países subdesenvolvidos.
Cientistas de várias áreas têm se juntado ultimamente aos economistas nessa tarefa explicativa. Um exemplo desse bem-vindo comportamento está no livro Armas, germes e aço, de um biólogo evolucionista, Jared Diamond, que faz uma interessante análise de longo prazo sobre o desenvolvimento dos povos. Por esse estudo, vemos que alguns fatores determinantes devem ser considerados. Isso é também verdadeiro no curto prazo. Neste caso, vejo a cultura, em sua reação a inovações, como uma boa explicação do atraso ou avanço econômico.
Em economias capitalistas como a nossa, a inovação em produtos e processos de produção é essencial à acumulação, isto é, à geração de recursos destinados à expansão da capacidade produtiva da economia e dos mercados consumidores em todo o mundo. Criar dificuldades à inovação é diminuir a possibilidade de avançar economicamente.
Contudo, é desse retrocesso que estamos ameaçados. A oposição no Brasil ao cultivo da soja geneticamente modificada, fonte dessa polêmica emocional, mas não emocionante, como a dos dias atuais, mostra bem a falta de sentido da discussão ideológica, com os decorrentes prejuízos para o país. Chega-se a dizer que a agricultura de algumas regiões poderia ser “contaminada” pela soja transgênica. Mas, contaminado por preconceitos está o debate.
Alguns grupos, como o Greenpeace e assemelhados, corretamente, têm alertado os tomadores de decisão sobre o perigo do uso exagerado de agrotóxicos na agricultura. Agora, porém, não querem a adoção dessa tecnologia, que usa quantidades menores desses produtos e reduz custos de produção. Estará a razão de tanta resistência na idéia de que lucro é pecado e a multinacional Monsanto, detentora dos direitos sobre a produção de sementes transgênicas, não deve lucrar com seus investimentos em pesquisa? Seria o capitalismo sem capitalistas e sem lucros, o altruísmo e a filantropia erigidos em princípio de organização da produção, como numa sociedade celestial.
Hernan Chaimovich, diretor do Instituto de Química da USP, da Academia Brasileira de Ciências e do Conselho Internacional pela Ciência – CSU, publicou há poucos dias um artigo na Folha de S. Paulo. Nele faz ele referência ao Relatório sobre Plantas Transgênicas na Agricultura, elaborado pela Royal Society, de Londres, as academias de ciências do Brasil, China, Estados Unidos, Índia, México e a Academia de Ciências do Terceiro Mundo. Com base nesse documento, Hernan diz: “alimentos produzidos por meio de tecnologias OGM [Organismos Geneticamente Modificados] podem ser mais nutritivos, estáveis, quando armazenados e, em princípio, capazes de promover a saúde”.  Outro estudo, do CSU, chegou a conclusões similares.
Se a verdadeira preocupação da oposição é ambiental, que se atenda o princípio da precaução e se façam os estudos necessários, antes do licenciamento da produção. Não se criem, porém, obstáculos como esse proposto agora, estabelecendo uma estrutura decisória sobre o tema tão confusa que será difícil tomar decisões ou realizar novas pesquisas. É uma forma de ser contra sem ter o ônus de, claramente, dizê-lo.
Daí, resultará, na prática, a proibição fantasiada de prudência. No entanto, a aceitação da soja transgênica nos mercados externos, onde o Brasil terá de competir, a fim de gerar os empregos de que necessita, dependerá dos próprios mercados, bastante exigentes, e não dos burocratas. Mas, preferimos abrir espaço à soja americana e à canadense!
O debate não terminou. O Congresso poderá modificar a proposta enviada pelo Executivo.  O bom-senso ainda poderá ter sua vez.

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