17 de outubro de 2004

Educação zero

Jornal O Estado do Maranhão 
Nélson Mota, que descobriu Marisa Monte, músico, escritor, compositor, produtor cultural, autor do livro de memórias Noites Tropicais e de algumas obras primas da nossa música popular, entre elas “Como Uma Onda”, em parceria com Lulu Santos, chega de Nova York depois de morar na cidade por nove anos e reclama.
Reclama com razão de alguns hábitos disseminados no Brasil que lhe causam, e a muitos, a mim pelo menos, indignação, por representarem falta de respeito ao cidadão e à vida em sociedade e aversão ao consumidor. Supostamente, este, no Brasil, é protegido por um Estatuto. Mas, na prática os efeitos positivos dessa peça de legislação são quase nenhum, apesar de alguns progressos de uns tempos para cá. Creio entender o sentimento do compositor, pois quando voltei dos Estados Unidos, depois de cinco anos de residência, sem vir uma única vez ao Brasil, também tive de reaprender a convivência com esse comportamento, sem aceitá-lo, porém. Antes o combato. Não foi nem é uma tarefa fácil, para quem se acostumou a conviver com o respeito ao consumidor, como é o caso nos Estados Unidos.
Nélson Mota fala das “autorizadas” que não consertam o forno de microondas, depois de mil promessas de fazê-lo, das “especializadas” com suas juras nunca cumpridas de fornecer orçamentos, da agência do correio onde se leva uma hora até o atendimento, do caixa “rápido” dos supermercados, cuja finalidade é atender pessoas com até dez itens de compras, mas usado por gente com dezenas de produtos, sem ninguém reclamar, e por aí vai. Eu já mencionei antes problemas semelhantes em nossa cidade, reveladores de má educação de nossa classe média e do descaso das empresas pelos clientes.
Não há quem nunca tenha sofrido as conseqüências das filas duplas e triplas nas portas de escolas dos filhos desse pessoal, somente porque as mamães ou os papais não querem estacionar seus carros no lugar certo, a fim de não andarem extenuantes vinte metros até a porta da escola. É a velha desculpa de “é rapidinho”, semelhante à usada pelo sujeito que atira lixo na rua na esperança de que só ele o faça, sem problemas, portanto, para os outros. É a falácia da composição: uma ação individualmente racional, torna-se irracional se todos a adotam simultaneamente.
E as portas de garagem bloqueadas na maior cara-de-pau, impendido-nos de sair de nossas casas ou nelas entrar? Morra quem quiser, em caso de urgência. E o desrespeito às regras do trânsito? Estas, aliás, parecem ser, aqui, diferentes do resto do Brasil. E as faixas de pedestres onde eles têm a vida ameaçada? E as contas mal explicadas das companhias telefônicas, campeãs de reclamação no Procon, sempre tentando lesar o consumidor? Somos acusados de fazer ligações, sem possibilidade de defesa, pois não conseguimos falar com seres humanos, apenas com máquinas, instaladas com a intenção de colocar uma barreira entre o usuário e as empresas. Não sei se o leitor já reparou no barbarismo call center, ridículo, usado por elas.
Faz alguns dias fui a uma agência do Banco do Brasil. Quase cheio o estacionamento, restava uma única vaga. Era destinada a pessoas com dificuldade de locomoção, conforme indicavam um enorme símbolo pintado no chão e um aviso numa placa. Não foram suficientes para impedir um musculoso rapaz de óculos escuros, com pose de gladiador decadente e sem noção de civilidade, de estacionar seu carrão ali, onde se dedicou a fazer inúmeras ligações telefônicas, enquanto esperava seu comparsa, ocupado no interior da agência. A vaga, ele não tinha dúvida, lhe fora reservada por desígnio divino.
Será com esse tipo de gente e empresas, de educação zero e fome infinita de acumulação, que construiremos uma sociedade melhor?

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