21 de janeiro de 2007

Perda irreparável

Jornal O Estado do Maranhão

A vida pode nos golpear justamente quando tudo parece em seu lugar e nada indica a iminência de uma grande dor. O infortúnio costuma acontecer nos momentos em que nem nos lembramos da possibilidade de tudo de repente mudar, se tornar o contrário do que era e nos atingir com a força que só a indiferença do acaso, do destino, da fatalidade – ou o nome que se queira dar a isso –, pelo sofrimento das pessoas boas, é capaz de infligir. Surpresa dolorosa como essa aconteceu há poucos dias com a família de Raimundo Nonato Viveiros, o Viveiros de nossas brincadeiras de infância no Monte Castelo, bairro onde crescemos juntos e iniciamos uma amizade de criança que se prolongou nos adultos de hoje e já dura mais de 40 anos. Jogávamos bola, empinávamos papagaios, íamos ao cinema, a festinhas, sem imaginar que a existência pudesse reservar algum dia a um de nós sofrimentos algum, mesmo pequeno, pois outras não eram nossas preocupações senão as de estudar, apenas para não sermos postos de castigo por dona Nora, a mãe dele, ou por dona Maria, a minha, tomar nossas cervejas no bar do Nezinho nos fins de semana, ao crescermos mais um pouco, e criar coragem de conquistar uma namorada, coisa não tão fácil como agora, quando os jovens muitas vezes esperam com justificadas razões pela iniciativa das jovens. Não havia muita diferença entre nossas casas. Estar numa era quase a mesma coisa que estar na outra. Viveiros é um admirável exemplo do poder da determinação de vencer, porém nunca acreditou ser necessário “derrotar” os colegas para alcançar sucesso na carreira, crença algo incomum nos dias de hoje, em que, muitas vezes, a competição sem regras é a regra da competição pelo status social e econômico. Tornou-se, à força de muito estudo e disciplina um médico conceituado, um cirurgião admirado por seus pares e pela sociedade. Seus pacientes são unânimes em atestar a maneira humanitária com que ele os trata e a empatia dele com eles, essa capacidade rara e, até, indispensável ao exercício da medicina, de colocar-se no lugar de pessoas com males por vezes incuráveis, a fim de tentar entender o sofrimento alheio e sentir como e com o outro. Teresa, sua esposa, também da área médica, é enfermeira formada pela Universidade Federal do Maranhão, e, de igual forma como o marido, exemplo de dedicação, bastando, para comprovar minha afirmação, ver seu trabalho no Hospital Nina Rodrigues. Lá, vem dando, com bom humor e gentileza todos seus, e com grande capacidade de trabalho, importante contribuição à humanização da assistência médica e, mais importante, ao combate do preconceito contra os necessitados de tratamento naquele hospital. Eles, Viveiros e Teresa, durante mais de 30 anos construíram uma família feliz, com Delane, Breno e Ludimila, cada um desses três filhos seguindo suas inclinações com apoio dos pais e se expressando diante do mundo à sua própria maneira. Tudo parecia perfeito, mas a fatalidade traiçoeira, sem aviso, sem o mais leve sopro de advertência, sem dar sequer um pequeno sinal do perigo, resolveu cometer a injustiça de levar Breno, ele que gostava de aviões, num desastre de automóvel. Deu-se, vimos todos, uma violação da ordem natural das coisas, pela qual os pais morrem antes dos filhos, de modo a estes poderem chorar a morte daqueles e depois dar seguimento à vida. A perda é irreparável e não será esquecida. Como disse Viveiros em sua chegada da Austrália, onde se encontrava por ocasião do acidente, pedaços dele e de Teresa foram arrancados. O tempo, no entanto, que atenua a tristeza, e também a alegria, e tudo, irá aos poucos enfraquecendo a dor e fortalecendo as incontáveis boas lembranças de Breno. Assim, ele não irá embora jamais. Antes, permanecerá com seus pais, irmãs e amigos.

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