26 de junho de 2005

Corrupto Honesto

Jornal O Estado do Maranhão     
É permanente a ameaça de falta assunto a muitos cronistas ou articulistas, entre os quais me incluo. Tendo um compromisso com prazos inflexíveis, como não poderiam deixar de ser os prazos de jornais, entram em pânico quando não aparecem acontecimentos notáveis sobre o quais possam filosofar barato ou não, demonstrar erudição profunda ou rasa, ou simplesmente ter a ilusão de escrever um bom texto, seja lá sobre o que for, capaz de imortalizá-los perante as gerações vindouras, apesar de sabermos que os próprios imortalizados jamais estarão presentes a suas posteridades (a não ser na forma de desbotadas lembranças), quando poderiam saborear as delícias do reconhecimento de seus talentos, nunca devidamente admitidos pelos contemporâneos, sempre cegos às virtudes de escritor deles. São claras, mesmo assim, as exceções, constituídas pelos fora de série, dos quais temos vários excelentes exemplos aqui no Maranhão. Esses, em geral, são reconhecidos, embora não o sejam sempre, antes de se tornarem permanente recordação para seus sucessores na aventura da vida.
Pois o problema esta semana é exatamente o contrário desse. A ameaça agora é de excesso, não de falta. Aparentemente existe na imprensa nestes dias somente o tema da compra, pelo PT, com o objetivo de conseguir do Congresso Nacional aprovação de matérias de interesse do governo, de uma turma de deputados, deputados compráveis, é claro, por meio de uma mesada, apelidada de mensalão – termo usado também pelo fisco em seus ataques aos bolsos dos contribuintes –, mesada denunciada pelo deputado Roberto Jefferson, paladino da honestidade no Brasil de hoje. Não será difícil, no entanto, identificar vários outros assuntos derivados do principal, se acompanharmos o noticiário cuidadosamente. Por escassez de espaço, examinaremos apenas um.
É o do aquecimento do mercado de prestação de serviços de consultoria. O amigo leitor já deve ter notado este fenômeno. Ainda não? Então veja. Sempre que um desses propineiros vistos a toda hora no farto noticiário sobre corrupção é flagrado com a boca na botija, com a mão na cumbuca, com os pés na lama e a cabeça no enriquecimento ilícito, dando uma de João-sem-braço, mas colocando três mil reais em espécie no bolso, ouve-se a alegação de ser o dinheiro a contrapartida pela realização futura de trabalhos de consultoria.
Apesar disso, a que conclusão honesta se pode chegar, dando o benefício da dúvida aos aparentes culpados e julgando pela freqüência com que situações como essas ocorrem, senão a de ser a caça por esses serviços tão forte e a oferta de bons consultores tão pequena em relação à procura, que o comprador, como se viu no caso da fita de vídeo mostrada na televisão, paga adiantado, sem medo de ser enganado, e nem sequer se dá ao trabalho de exigir do consultor recibo de pagamento, com certeza por medo de ele se ofender e recusar o serviço, numa situação em que por certo é difícil conseguir outro profissional da mesma qualidade. Sem dúvida esse raciocínio faz sentido e somente a eterna malícia humana poderia ver nessa explicação a tentativa de encobrir alguma transação escusa.
Como enfatizou o chefe de departamento dos Correios chamado Marinho, ele não é corrupto. Ao justificar sua performance na tal fita, que o mostra recebendo um dinheirinho, ele disse que estava muito emocionado na ocasião. Tão emocionado que se confundiu todo e se danou a dizer mentiras a respeito do deputado Jefferson, acusando-o de comandar um grande esquema de corrupção naquele órgão público. Não sabia o que estava fazendo.
O homem dos Correios é tão-só um honesto consultor, disposto, até, a receber aquela ninharia de três mil reais. Não se pode nunca duvidar de alguém com tanto espírito de sacrifício como o dele.

19 de junho de 2005

Uma Forcinha

Jornal O Estado do Maranhão    
Quando a humanidade tomou conhecimento da própria existência e percebeu estar no mundo, para o bem ou mal do restante da natureza, sempre ameaçada por sua presença, refletiu sobre a vida e concluiu que tudo tem um fim, ou, pior ainda, pode ter um fim antes do fim, como no caso da chamada potência masculina. Esta pode revelar sua finitude antes de o humano e finito viver propriamente dito terminar, possibilidade alarmante para os homens de nossa espécie e capaz de lhes causar aflição sem fim.
A raça humana, ou melhor, a sua metade masculina, carregou, durante milhares de anos de evolução, em alguns aspectos, e de involução, em outros, esse medo genuinamente infinito. Bendita seja a inconsciência dos outros animais, indiferentes a detalhes fisiológicos vulgares como esse. Finalmente, depois dessa verdadeira eternidade de angústia indescritível, de tormento insuportável, de tortura existencial indizível, o comprimido azul do viagra foi inventado, para alívio dos machos e desemprego e desespero de muitos psicólogos e psicanalistas.
O produto prometia dar uma forcinha ao desempenho sexual masculino, embora sem garantia de completa satisfação à parceira de alcova. Lamentavelmente, porém, as notícias, aparentemente surgidas do nada, mas, certamente parte de uma conspiração de algum capitalista sedento de lucro e ferido em seus interesses de magnata de sofisticada rede de clínicas de saúde mental, ou alguma associação de mães, de defesa da pureza das filhas (se isso ainda existe), diziam que aqueles comprimidos causavam problemas de saúde a seus (in)felizes usuários, chegando a matá-los do coração no campo de batalha, não apenas no sentido figurado de causar grande susto, mas no de tirar suas vidas.
O problema como se soube logo, não tinha nada a ver com o comprimido, porquanto estava em alguns dos seus ansiosos consumidores. A fim de testar a pau, na marra, a eficácia do remédio e recuperar sua já vacilante macheza, mesmo por meios artificiais, portadores de patologias previamente existentes, incompatíveis com o princípio ativo do viagra, precipitaram-se em experimentá-lo, saindo-se mal, em vez de bem, como esperavam. Aproveitaram-se disso os conspiradores, a fim de espalhar aquelas mentiras, com o fim de desmoralizar a novidade, mas sem sucesso. A acusação era de que o viagra podia até colocar potência num lugar bem definido da anatomia masculina, porém a retirava de outro, o coração, que, por falta de força para bem desempenhar sua função de bombear o sangue a todos os órgãos de nosso organismo, acabava parando, reduzindo a zero qualquer esperança de recuperação dos doentes.
Superado esse primeiro ataque traiçoeiro, surgem novos boatos, pois só podem ser boatos as notícias recentes. Desta vez, os inimigos não mais falam de ameaças à vida dos usuários, inventadas com base em supostos problemas cardíacos, e sim de cegueira, visto que a acusação hoje é exatamente esta: o remédio pode cegar. Muitos homens, no entanto, preferem ser conhecidos pelo politicamente incorreto termo “ceguinho”, em vez de “brochinha”. A coisa, portanto, é grave, muito grave.
Antes, a afirmação era direta: tomou, morre. Agora, há uma insinuação sutil. O paciente ficaria cego, no sentido de perder a capacidade de enxergar, mas ficaria cego também de desejo e não mediria as conseqüências de seus atos libidinosos, criando constrangimentos para ele mesmo, suas conhecidas e, até, desconhecidas desprevenidas. Ele ficaria dominado por uma espécie de força cega, no fundo expressão de fraqueza, segundo os detratores. Daí seria fácil concluir-se equivocadamente pelo perigo social do uso do produto.
Tudo por causa dessa campanha de difamação contra o esforço de superação de angústias existenciais dos pobres machos humanos.

12 de junho de 2005

Punição e Reforma

Jornal O Estado do Maranhão   
Alguém verá como novidade a existência de corrupção, conforme noticiado pela Veja, em organizações estatais como os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil, operacionalizada com base em um arranjo pelo qual o PTB, por seu presidente, deputado Roberto Jéferson, exigia de seus indicados para cargos de direção nesses dois órgãos, e em outros, uma contribuição mensal de R$ 400 mil, ou anual de R$ 4,8 milhões?
Alguém fará ares de surpresa ante a revelação posterior, pelo acusado-acusador, mas não muito acuado, deputado, da existência de um “mensalão” de R$ 30 mil mensais, ofertório generoso do PT a diversos deputados do PL e do PP, da mal afamada “base aliada” do governo, mais aliada ainda de seus próprios bolsos, no Congresso Nacional, com o fim de garantir votos para a aprovação de matérias de interesse da administração do PT que, antigamente, batia no peito para demonstrar infinitas qualidades morais e reafirmar pretenso monopólio de todas as manifestações de certo “comportamento ético”, de que, quem sabe prevendo o sujo futuro de agora, nunca deu uma definição?
Alguém duvidará de que a crise é profunda e não representa, tão-só, tentativa da oposição de tirar proveito político da situação, embora se saiba que assim ela agirá, comportando-se, aliás, como o PT antes de chegar ao poder, provando mais uma vez a relatividade, do ponto de vista tanto da oposição quanto do governo, da ética tão propagandeada pelos dois lados?
Dirão alguns que o desejo de poder e a tendência a acumular riquezas por qualquer meio, lícito ou ilícito, enfim, o instinto da corrupção, é inerente ao ser humano e, portanto, que esse mal sempre existiu e sempre existirá em todos os governos e, igualmente, nas mais corriqueiras relações entre os seres humanos. Terão minha inteira concordância. Gente muito mais importante do que eu já disse com mais elegância, entre elas Machado de Assis, ser fácil, até, amar a espécie humana, mas não alguns de seus espécimes, ou a maioria deles, exatamente por causa dessa característica. Dessa forma, não se pode senão ser pessimista com relação aos humanos, especialmente quando se vê a corrupção de muitos políticos de quem se esperaria, como representantes do povo, comportamento exemplar.
No entanto, grande parte do processo civilizatório compõe-se justamente dos limites colocados a impulsos criminosos desse tipo que, deixados em livre e desimpedida atuação, nos levariam de volta às cavernas, ou, dito de outra forma, tornariam impossível a manutenção da sociedade civilizada. Desse modo, é revelador de má fé e de cinismo o argumento de ser inevitável a corrupção. Se o aceitássemos, deveríamos também cruzar os braços ante todos os outros crimes, como o assassinato, eterno acompanhante da humanidade desde tempos imemoriais, conforme nos lembra a metáfora de Caim e Abel.
Foi necessária a ocorrência de episódio desse gênero para finalmente surgir a idéia da discussão da reforma política, indispensável à eliminação da anarquia em nosso sistema político-partidário que quase obriga o presidente da República, incapaz de formar maioria estável e refém do Congresso, à prática do fisiologismo, porquanto as negociações, ali, para a aprovação de leis, não se dão com os partidos, mas com os congressistas individualmente, em torno de seus interesses particulares, por falta, entre outras coisas, de disciplina partidária. Infelizmente esse quadro é agravado, neste caso, pela incompetência do governo do PT.
Ameaças à governabilidade do país, sempre invocada pelos desejosos de abafar as investigações, são conversa fiada. Estaremos mais bem servidos pela apuração dos crimes do que por sua ocultação. O tratamento de choque moral contra os corruptos, sim, servirá aos interesses do Brasil.

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