5 de janeiro de 2003

Alguma dúvida?

Jornal O Estado do Maranhão 
Ele votou em George Bush, lutou na Guerra do Golfo e foi oficial de inteligência da marinha dos Estados Unidos. Seu nome é Scott Ritter. Ser americano, com esse currículo, não o impediu de tornar-se chefe da inspeção, exigida pelo governo de Washington e coordenada pela ONU, sobre “armas de destruição em massa”, supostamente possuídas pelo Iraque, apesar da natural suspeita dos dirigentes deste país de ele ser um mero agente do interesse do governo Bush, de invadir o seu território. Ele pareceu confirmar a avaliação de parcialidade feita pelos iraquianos ao abandonar sua função, denunciando a falta de cooperação deles com os inspetores. Mas, surpreendentemente, foi além disso. Acusou o presidente americano de manipulação do trabalho de inspeção.
Em entrevista recente, disse que atualmente “os iraquianos estão cooperando”. Em sua avaliação, serão necessários de seis a doze meses até o término da missão e a produção de um relatório conclusivo sobre a existência das armas. Qualquer ataque antes desse prazo seria como “executar um suspeito antes do julgamento”.
Em uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center for the People and the Press, nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, Alemanha e Turquia, os entrevistados, exceto entre os americanos, avaliaram ser o controle das fontes de petróleo o principal objetivo das políticas americanas no Oriente Médio. Estaria aí a razão fundamental para a obsessão com a invasão do Iraque que, tendo Saddam Hussein como grande líder, na Guerra contra o Irã, nos anos oitenta, foi equipado e treinado pelo governo americano.
Aquele tipo de armamento, como se pode deduzir da grande imprensa internacional, só pode ser legitimamente possuído, já não digo pela Rússia, Reino Unido, China, França e Estados Unidos, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mas por um ditador amigo, como o do Paquistão, especialista em torturar e enforcar adversários políticos. Ele revelou recentemente, para quem quisesse ouvir, sua intenção de utilizar-se de seu arsenal atômico contra a vizinha Índia, durante a ultima crise entre os dois países, causada pela antiga disputa pela posse da região fronteiriça da Caxemira. Nem por isso Bush lhe reprovou a bravata ou o ameaçou com a invasão do Paquistão.
Um ditador, o iraquiano inimigo, não pode ter as armas. O outro, o paquistanês amigo, não só pode como ameaça usá-las. Deve ser um ditador mais comedido ou com senso de responsabilidade mais apurado do que o do outro. Ele somente as usaria em caso de grande necessidade e sempre no momento apropriado.
Se o problema são as armas, por que permitir a posse delas por um e proibi-la ao outro? Se o argumento for o da falta de democracia, então a coisa fica pior. Não só o aliado Paquistão é uma ditadura militar das mais ferozes, como os aliados de Bush no Oriente Médio, com exceção de Israel, são todos regimes ditatoriais e retrógrados. Ritter disse também: “Não há provas de que o Iraque tenha essas armas. Eles tinham, mas ninguém mostrou que eles ainda têm”. Pode-se ver, portanto, que nem o jogo de cena de Bush, como preparação da opinião pública mundial para a invasão, tem consistência.
Mas ninguém pense que o senhor Ritter é contrário à guerra por razões morais e humanitárias. Seu argumento parece basear-se em um cálculo de custo-benefício. Ele não acredita, em caso de guerra, em uma vitória rápida das forças americanas. Qualquer demora levaria ao aumento do preço do petróleo nos mercados mundiais e, como conseqüência, a dificuldades econômicas para todos, inclusive os Estados Unidos, e ao aprofundamento da luta de movimentos palestinos no Oriente Médio, contra a ocupação israelense de seus territórios.
Chegou-se a uma situação absurda. Os inspetores não acharam as tão famosas armas. Se não foram descobertas é porque estão muito bem escondidas. Se estão escondidas, existem. Se existem, esse tal de Saddam não passa de um mentiroso, merece mesmo ser castigado. Alguma dúvida?

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