29 de dezembro de 2002

Qual tempo?

Jornal O Estado do Maranhão
Sempre me ocorre fazer esta pergunta, às vésperas do Ano Novo: Passamos pelo tempo ou o tempo passa por nós? Ao longo do ano, a simples andar dos dias, das semanas e dos meses não nos dá, ou o faz de uma maneira muito atenuada, essa percepção de passagem do tempo ou de nossa passagem por ele. Períodos de vinte e quatro horas, de sete dias e ou de trinta dias são pequenos demais para fazer com que desejemos comemorá-los. As celebrações de períodos tão curtos se tornariam banais, desinteressantes e enfadonhas, pela sua freqüência. Deve ser por isso que não se comemoram aniversários mensalmente nem semanalmente.
O fim de um mês, ou de um dia, e começo de outro, não nos oferece a mesma sensação de conclusão de uma volta completa e começo de outra dada pelo fim do ano. Esta última impressão nos faz sentir essa passagem como um marco temporal natural, adequado. È a intuitiva confirmação do retorno periódico de todas as coisas, até mesmo do próprio universo, no seu eterno processo de expansão, após grandes explosões, como no Big Bang da teoria dos astrofísicos e astrônomos, e contração, pela força de gravidade, prevista também por eles, até nova explosão, em um incessante recomeçar.
O tempo sempre foi percebido pela humanidade como algo absoluto, sem princípio nem fim, em relação ao qual tudo deveria acontecer, como a medida última de todas as coisas de nossas existências. Quem sabe a indagação sobre essa infinitude, em contraste com nossa finitude, tenha sido uma das primeiras, ou talvez a primeira, feita pelo ser humano, e origem de todo o nosso filosofar. Tudo seria relativo, menos o tempo.
No entanto, essa é mais uma das percepções errôneas sobre fatos do nosso cotidiano, para os quais o senso-comum tão-somente é um guia em quem não se deve confiar. Aliás, se fôssemos orientar todas as nossas decisões pelas aparências, pelo que parece ser, apenas, pelo entendimento comum, todo o conhecimento científico que possuímos atualmente poderia ser abandonado como a base de nosso progresso material e espiritual como tem sido desde o início da civilização.
No começo do século XX, há quase cem anos, portanto, Albert Einstein mostrou que tempo absoluto não existe, é uma ilusão. Para um viajante espacial, deslocando-se a altíssimas velocidades, seu relógio, de qualquer espécie, mesmo do tipo biológico, como o tique-taque de seu coração, torna-se mais lento do que o de uma pessoa deixada na Terra. Para o viajante o tempo irá passar mais devagar, comparado com o do observador em nosso planeta. No seu retorno seu irmão gêmeo estará mais velho do que ele. Isso não é ficção nem delírio de magos ou bruxos, mas a teoria da relatividade especial.
A razão de não percebermos esse fenômeno no nosso dia-a-dia está em que ele somente pode ser observado a velocidades que não podem ser alcançadas, próximas à da luz. Atualmente, com tecnologias relativamente primitivas, isso somente pode ser feito com partículas sub-atômicas, aceleradas em laboratórios com bons equipamentos. Se fosse possível fazer alguém viajar a tais velocidades, mesmo sem sair da Terra, a diferença na passagem do tempo poderia ser facilmente percebida.
Mas, a verdade é esta: cada um de nós, independentemente das leis da física e dos postulados da relatividade, tem seu tempo particular, seu ritmo único de fazer as coisas e de estar no mundo. Haverá sempre alguém que vê a vida com pressa, como se todos os seus planos tivessem de ser realizados imediatamente, como se nada pudesse esperar até amanhã. Outras, ao contrário, preferem viver como se sua própria vida fosse eterna, como se nada fosse tão importante que não pudesse ser adiado.
Ao fim, no entanto, podemos dizer que passar pelo tempo ou ser por ele passado pode ser uma questão de velocidade. Se não temos muita pressa o tempo como que passa por nós. Se, no entanto, formos bastante rápidos, quase tanto quanto a luz, acabamos passando por ele. Ele fica para trás deixando-nos mais jovens e felizes.

Machado de Assis no Amazon