4 de fevereiro de 2001

Globalização

Jornal O Estado do Maranhão
Descobriu-se, finalmente, a causa de todos os males e bens do mundo. A gasolina subiu, o real caiu? Deu terremoto na Índia, maremoto no Japão, tempestade na Austrália? O deputado enfartou, o senador gripou, a saúde piorou? O amor acabou, o marido se mandou, a mulher nem lamentou? A seca arrasa o Nordeste, as enchentes o Sudeste? A fome mata na África, as guerras em todo lugar?  É a globalização. A recessão melhorou, a economia cresceu, o emprego aumentou? A inflação encolheu, o preço agora tá certo, deu pra comprar a TV? Fez muito sol no domingo, o futebol foi legal, deu pra jogar no bingo? É a globalização.
Fenômeno já bastante antigo, ela parece responsável por tudo no mundo de hoje. No Fórum Econômico Mundial realizado na semana passada em Davos, na Suíça, reuniram-se homens sérios e solenes. Eram chefes de Estado, economistas famosos, financistas, empresários, gente de peso econômico, para longas discussões sobre o futuro da economia mundial. Foi lá que se ouviram os mais belos discursos sobre as virtudes da globalização e os benefícios que pode trazer para todos os povos da Terra. Como contraponto, o Fórum Social Mundial reuniu-se em Porto Alegre. Aí, a história foi outra. Pela televisão, viu-se um clima dos anos setenta, velhos sobreviventes da cultura de paz e amor dos hippies – palavra tão antiga e distante – protestando contra tudo e contra nada, ar de nostalgia soprando nas ruas. Os discursos eram de repúdio à ordem econômica mundial, ao FMI, ao Banco Mundial, à Organização Mundial do Comércio, aos Estados Unidos.
Acho que não se pode conduzir um debate dessa importância com base em avaliações puramente ideológicas que, inevitavelmente, levam ao desprezo dos fatos. Se eles não estão de acordo com a teoria, vamos escondê-los ou inventar outros mais convenientes! A história é velha. Minha impressão é de que é exatamente isso que está ocorrendo. Ou se vêem somente os defeitos ou se mostram apenas os benefícios. Muito da retórica pró-globalização se sustenta no interesse próprio dos grandes conglomerados econômico-financeiros mundiais. Do outro lado, grande parte dos protestos não é, verdadeiramente, contra a globalização. O grande alvo é o sistema capitalista.
A globalização, até recentemente “capitalismo selvagem” no surrado jargão esquerdista, representa uma tendência tão antiga das economias capitalistas que não deveria mais surpreender ninguém. A formação dos estados nacionais na Europa, no fim da Idade Média, trouxe a unificação e ampliação de mercados antes divididos por barreiras locais. O processo de expansão mundial capitalista teve aí inegável apoio e, simultaneamente, forçou sua efetivação. Esse processo se completou com a chamada Segunda Revolução Industrial dos anos setenta do século XIX, levando o capitalismo a todas as partes do nosso planeta, para o bem ou para o mal.
O que se vê hoje é tão somente a aceleração desse movimento pela disponibilidade de tecnologias de comunicação que permitem a transferência instantânea de recursos financeiros entre mercados distantes. É evidente a possibilidade, com isso, da ocorrência de instabilidades, em conseqüência mesmo da velocidade de movimentação desses fundos, destinados principalmente à aplicação em mercados de liquidez imediata, ou quase, como as Bolsas de Valores.
Mas, não é e não será mais possível voltar aos velhos maus tempos para eliminar o avanço tecnológico que facilitou essas mudanças. Não há local para retorno nessa estrada de mão única. O problema do desemprego, que é o mais grave das economias de quase todos os países atualmente, não é muito diferente do que tem ocorrido em toda a história econômica. O avanço tecnológico sempre destruiu e criou empregos. Destruição nos setores atrasados tecnologicamente e criação nos de vanguarda. É uma característica do capitalismo. Sei que isso não serve de consolo para aqueles que estão desempregados, mas essa compreensão poderá certamente orientar os governos na adoção de programas corretos de treinamento de mão de obra que poderão dar aos trabalhadores dos setores defasados a empregabilidade de que eles e a sociedade necessitam.

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