27 de julho de 2008

Desenvolvimento sustentável II


Jornal O Estado do Maranhão

O período inicial da formação de uma nova visão sobre desenvolvimento sustentável viu crescer a insatisfação com o fracasso das tentativas de desenvolvimento industrial acelerado das regiões mais pobres e com a ameaça de exaustão dos recursos naturais. A conseqüência foi a rejeição das visões da época sobre desenvolvimento pela opinião pública e especialistas no seu estudo nos países industrializados e, em menor proporção, nos outros.
Muitos passaram a argumentar que, a fim de se alcançar o equilíbrio entre economia e ecologia, seria necessário deter o crescimento da população e do capital industrial ou diminuir sua taxa de crescimento. Os países do Terceiro Mundo recusaram-se a aceitar esse ponto de vista, porque achavam essa uma forma disfarçada de impedir seu próprio crescimento, e afirmavam que o aumento populacional em seus países não era a causa da destruição dos recursos naturais, promovida, ao contrário, pelos países ricos em seu afã de crescimento contínuo e ilimitado.
O passo seguinte foi a Declaração de Cocoyok e o Relatório da Fundação Dag-Hammarskjold que chamaram a atenção para a necessidade de mudança na forma de acesso à terra e recursos naturais, e na própria estrutura de poder, como condição necessária a um novo tipo de desenvolvimento.
Foram apontados os impactos sobre o ambiente nos países periféricos, derivados da pobreza de suas populações, obrigadas ao uso intensivo das únicas terras acessíveis a elas, em geral as mais pobres, mas sem condições de utilizá-las com técnicas adequadas a seu cultivo, assimcomo nos países mais ricos, como o resultado do consumo suntuoso que produz impactos negativos no ar, nos rios, nos mares, na flora, na fauna e nos seres humanos.
Na seqüência, o Relatório Brudtland apesar do seu tom vago, aprofundou a discussão sobre as relações entre economia, tecnologia e política e enfatizou a necessidade de se adotar uma nova ética que levasse em consideração a necessidade de se alcançar eqüidade entre as pessoas nas sociedades do presente – por si só um esforço extraordinário – e também entre as gerações, de tal modo que a geração atual não melhorasse a qualidade de sua vida em detrimento das gerações futuras.
Há, no Relatório, recomendações sobre medidas que deveriam ser tomadas por todos os governos (preservação da biodiversidade, controle do crescimento populacional, diminuição do consumo de energia, etc.) e a definição de metas para o conjunto das nações, entre elas a implantação pela ONU de um programa de desenvolvimento sustentável.
Finalmente as relações entre o desenvolvimento e o ambiente foram incorporadas ao discurso de quase todos os governos do mundo a partir da ECO-92. A essa altura, várias pesquisas e desenvolvimentos teóricos tinham aparecido e já havia um reconhecimento de que o desenvolvimento sustentável era o caminho da conciliação das necessidades de produção de um mínimo de bem-estar material para todos com as de preservar a base de recursos naturais.
A Conferência foi útil na consolidação da noção de eqüidade (inter e intragerações), abordada antes no Relatório Brundtland. A Declaração do Rio convoca todos os países a fazerem o máximo possível com o fim de promover o desenvolvimento sustentável.
A aceitação do desenvolvimento sustentável como um ideal a ser perseguido por todas as sociedades é consensual hoje. Conhecemos, pelo visto até aqui, a principal característica a ele associada: levar em consideração, genericamente, a economia, de um lado, e o ambiente, de outro. Fundamentos teóricos existem que nos permitem afirmar que, ao adotar tal visão, não estaremos perseguindo objetivos inconsistentes e inconciliáveis. Está fora do âmbito destas observações, porém, expor a teoria que fundamenta essa afirmação.

20 de julho de 2008

Desenvolvimento sustentável

Jornal O Estado do Maranhão

O conceito de desenvolvimento sustentável se firmou como resultado de um processo que se acelerou na década de 60 e que, até então, contava, entre os seus marcos mais importantes, com um estudo, Limites do crescimento, patrocinado pelo Clube de Roma, e com a realização da Conferência de Estocolmo, ambos de 1972. Tanto o estudo quanto a Conferência chamaram a atenção para a ameaça, derivada da degradação ambiental, ao sistema de sustentação de vida em nosso planeta e à capacidade das gerações futuras de poder contar com a base de recursos naturais para suas próprias necessidades.
A Declaração de Cocoyok, de 1974, e o Relatório da Fundação Dag- Hammarskjõld, de 1975, feito com a participação de 48 países, do UNEP – Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas e de 13 órgãos das Nações Unidas, apontaram as relações entre concentração de poder e degradação ambiental. As idéias contidas nesses documentos foram sistematicamente rejeitados pelos governos dos países industrializados.
Em 1987, a UNCED - Comissão das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brudtland, e por Mansour Khalid, publicou o relatório Nosso futuro comum, ou Relatório Brudtland. É desse documento a bem conhecida definição: "Desenvolvimento sustentável é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades". Tentando, simultaneamente, contentar a opinião pública dos países do Primeiro Mundo, com sua ênfase quase exclusiva nos aspectos ambientais, senão unicamente no lado "verde" da discussão, e as demandas dos países do Terceiro Mundo, pressionados pela necessidade de combater a degradação humana resultante da pobreza absoluta, Nosso futuro comum era intencionalmente vago.
Por fim, em 1992, foi realizada a Conferência da UNCED no Rio de Janeiro, a Rio-92. Para se ter uma idéia do aumento do interesse da sociedade e dos governos do mundo inteiro pelo assunto, é suftciente mencionar que, enquanto em Estocolmo estiveram presentes 114 nações, representadas por 1.200 delegados, a maioria com status ministerial, e apenas dois chefes de Estado, Olaf Palme, da Suécia e Indira Gandhi, da Índia, ao Rio de Janeiro compareceram 106 chefes de Estado e, aproximadamente, 35.000 participantes de todos os níveis. Havia a esperança de que da Rio92 resultasse a) uma declaração de princípios para a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento; b) a assinatura de convenções sobre biodiversidade, mudança climática, biotecnologia e florestas; c) um plano de ação direcionado para o desenvolvimento sustentável no século XXI, a Agenda 21, e os correspondentes acordos financeiros para sua implementação; d) a redefinição do papel das diversas agência das Nações Unidas, para adequá-las à idéia de desenvolvimento sustentável; e) um tratado sobre transferência de tecnologia.
Na parte referente à declaração de princípios, não foi alcançado um acordo. Quanto ao item b, a despeito de 153 países terem assinado Convenção sobre a biodiversidade, os Estados Unidos se recusaram a fazê-lo, impuseram a retirada de diversas cláusulas da Convenção do Clima, em muito esvaziando-a e, ainda mais, não foi possível chegar-se a um acordo sobre as florestas e desertificação. Para a implementação da Agenda 21 foi criada a UNCSD - Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e os correspodentes recursos financeiros passaram a ser administrados pelo GEF – Global Environmental Facility.
O conjunto de eventos e documentos descritos acima permite que se perceba a emergência de uma nova visão sobre os problemas de desenvolvimento, que analisaremos em próxima oportunidade.

13 de julho de 2008

Sousândrade na Academia


Jornal O Estado do Maranhão

A Academia Maranhense de Letras dará continuidade na próxima quinta-feira, dia 17, à série de palestras comemorativas do seu Centenário. Como nas outras que vem promovendo desde o início do ano, esta será em sua sede, na rua da Paz, às 20 horas. O palestrante será da própria Academia, não vem de fora como os anteriores, todos de excelente nível tanto em estudos históricos, como no caso de Andrea Daher, quanto em literatura, e especificamente em poesia, a exemplo de Marco Lucchesi, só para dar dois exemplos. O expositor será Sebastião Moreira Duarte, que na Academia Maranhense de Letras ocupa a Cadeira No 1, patroneada por Almeida Oliveira, fundada por Barbosa de Godois e ocupada antes por Luís Carvalho e Antenor Bogéa. O acadêmico é estudioso da obra de Sousândrade, sobre quem falará, numa análise comparativa com o poeta romântico inglês George Gordon Byron, o sexto Lord Byron, uma das figuras mais influentes do Romantismo.
Sebastião nasceu no Ceará, estudou na Paraíba e em Pernambuco onde fez o curso secundário nos Aspirantados Salesianos de Recife, Carpina e Jaboatão. Após abandonar a vida religiosa, radicou-se no Maranhão, sendo atualmente professor de universidades particulares e aposentado da Universidade Federal do Maranhão. É mestre em Administração Universitária pela Universidade do Alabama e doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de Illinois. Foi visiting scholar das Universidades de San Diego, na Califórnia, e de Illinois (Urbana-Champaign) além de professor da Universidade de Knoxville.
Sua bibliografia inclui no campo poético Novena de Natal, 1977; Canto essencial, 1979; Calen­dário lúdico , 1998. Na ensaística, O périplo e o porto, 1990; Estu­dos sobre o mosaico, 1992; Épica americana: O Guesa, de Sousândrade e o Canto general, de Pablo Neruda, 1992, livro proveniente de sua tese de doutoramento. Traduziu, ainda, de John Dewey: Meu credo pedagógico, 1980; de Peggy Sharpe: Espelho na rua: a cidade na obra de Eça de Queirós, 1989; de Roberto Malighetti: O Quilombo de Frechal: identidade e trabalho de campo em uma comunidade brasileira de remanescentes de escravos, 2007. Editou, também, com introduções e notas: Padre Mestre Inácio Rolim, do Pe. Heliodoro Pires, 1991; Extrato de gramática grega, do Pe. Inácio de Sousa Rolim, 1993; Noções da história natu­ral, do Pe. Inácio de Sousa Rolim, 1993; Virgílio brasileiro, de Manuel Odorico Men­des, 1995; Traduções de Voltaire (tragédias Mérope e Tancredo), 1999; Viagem ao norte do Brasil, de Ives d’Evreux, 2002 Publicou os livros de crônica Crônicas de Campo Serrano, 1980; Do miolo do sertão, 1988 (2a edição, 1992). Dirigiu as coleções Documentos Sertanejos, para a Editora Estado do Piauí, 1990-1992, e a Coleção Maranhão Sempre, para a Editora Siciliano, 2001-2002, a última com o patrocínio cultural do governo do Estado, quando era governadora Roseana Sarney.
Sousândrade nasceu em Guimarães, em localidade que faz parte na atualidade de Mirinzal, a 9/7/1832 e morreu em São Luís a 21/4/1902. O Guesa, sua obra mais importante, tem como tema a lenda do sacrifício, após longa peregrinação, de um jovem, que, imolado, tornaria possível a continuidade de seu povo. Sousândrade identifica seu destino pessoal com o do jovem índio, vê no drama deste semelhança com o dos povos nativos da América, oprimidos pelos sistema colonial, e defende uma república utópica.
A revalorização da obra de Sousândrade deve-se em grande parte à publicação de inéditos dele por Jomar Moraes e Frederick Williams em 1970. Considerado um poeta extravagante em sua época, disse Sousândrade essas palavras famosas: "Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa Errante será lido 50 anos depois; entristeci – decepção de quem escreve 50 anos antes".

6 de julho de 2008

Eis a questão

Jornal O Estado do Maranhão

Formou-se uma polêmica de forma alguma trivial, porque centrada em ameaça concreta a nossas vidas, a respeito da chamada Lei Seca. Esta não cria, mas torna mais estreitos os limites, menores do que os anteriores, mas não zero, de ingestão de bebidas alcoólicas, além dos quais é ilegal dirigir veículos automotores.
Comecemos pelos números. As estimativas correntes falam de 50 mil mortos no trânsito anualmente no Brasil, grande parte em acidentes envolvendo pessoas alcoolizadas. Temos mais mortes no trânsito em um ano do que os Estados Unidos tiveram em toda a Guerra do Vietnam. Mas, esperem. De fato, a realidade terrível é pior ainda, porque as estatísticas se referem tão-só a falecimentos no local do acidente, com omissão de óbitos em hospitais e de seqüelas inevitável nos feridos, componentes de um batalhão dez vezes maior do que o de mortos.
A recente lei não inovou no uso de bafômetros para medir o teor alcoólico do sangue de infratores. Antes, como hoje, eles têm a opção constitucional de não se submeter a essa avaliação, pois não são obrigados a produzir provas contra eles mesmos, como qualquer aluno do primeiro período de direito deve saber.
Ninguém está, como não poderia estar, proibido de beber. Proibido está é de beber e depois sair dirigindo por aí, ameaçando vidas, e ser ele mesmo juiz da quantidade de álcool que pode ingerir sem risco aos outros. O bêbado, no entanto, é a pessoa menos qualificada para avaliação de suas próprias habilidades. O sujeito, claro, pode saborear quantos barris de cerveja quiser, de vinho, de uísque ou de Caninha 51. Pode depois quebrar móveis em casa, se lhe der na veneta, pode se suicidar jogando-se com o carro da ponte ou jogar dinheiro fora. Problema dele. Não pode é bater na mulher, jogar os filhos do alto de edifícios ou assassinar usando como armas a bebida e o automóvel. O álcool deve andar no tanque, não no sangue e no cérebro enevoado do motorista.
No Brasil há leis que não pegam, sempre por inércia até aqui. Agora, parece haver uma campanha com o fim de fazer a lei não pegar, para depois dizerem que não pegou. Surgiram de repente estatísticas surrealistas revelando queda de 25% na venda de bebida em bares e restaurante no primeiro fim de semana após a vigência da lei, levando, afirmam, a considerável aumento do desemprego no setor, o que justificaria a revogação dela. Bem, o argumento também justificaria a permanência da produção de cocaína na Colômbia, mas nem assim as pessoas defendem sua manutenção, a não ser, claro, os produtores da droga. Nem seus consumidores o fazem.
Direitos constitucionais estariam sendo violados. Quais? O de matar impunemente? Quem vai para a cadeia no Brasil por crimes no trânsito? Chega a ser patética a história sobre a possibilidade de multa e prisão a quem dirigir após ingerir xarope contra tosse, usar líquidos de higiene bucal ou ingerir alimentos servidos ao molho de vinho. Se algum agente da polícia prender alguém por isso, deve, ele sim, ser preso. Seria, esse procedimento, problema de aplicação da lei, facilmente corrigível, não da lei. Tal lenda me recorda a resistência que houve em São Luís contra as barreiras eletrônicas, que tantas vidas têm salvado, nas ruas da cidade. Todo mundo seria assaltado se diminuísse a velocidade ao passar por elas. O negócio era acelerar e atropelar quem estivesse na frente. Até o momento não se tem notícia da previsão ter se confirmado.
Essa lei é, no trânsito, o equivalente da Lei de Responsabilidade Fiscal na economia. Servirá para mudar práticas antes consideradas imutáveis. Quando a preservação de vidas humanas está em jogo, melhor é pecar por excesso, se necessário, do que por falta. Beber ou não beber ao volante, eis a inevitável e inarredável questão.

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