Eis a questão

Jornal O Estado do Maranhão

Formou-se uma polêmica de forma alguma trivial, porque centrada em ameaça concreta a nossas vidas, a respeito da chamada Lei Seca. Esta não cria, mas torna mais estreitos os limites, menores do que os anteriores, mas não zero, de ingestão de bebidas alcoólicas, além dos quais é ilegal dirigir veículos automotores.
Comecemos pelos números. As estimativas correntes falam de 50 mil mortos no trânsito anualmente no Brasil, grande parte em acidentes envolvendo pessoas alcoolizadas. Temos mais mortes no trânsito em um ano do que os Estados Unidos tiveram em toda a Guerra do Vietnam. Mas, esperem. De fato, a realidade terrível é pior ainda, porque as estatísticas se referem tão-só a falecimentos no local do acidente, com omissão de óbitos em hospitais e de seqüelas inevitável nos feridos, componentes de um batalhão dez vezes maior do que o de mortos.
A recente lei não inovou no uso de bafômetros para medir o teor alcoólico do sangue de infratores. Antes, como hoje, eles têm a opção constitucional de não se submeter a essa avaliação, pois não são obrigados a produzir provas contra eles mesmos, como qualquer aluno do primeiro período de direito deve saber.
Ninguém está, como não poderia estar, proibido de beber. Proibido está é de beber e depois sair dirigindo por aí, ameaçando vidas, e ser ele mesmo juiz da quantidade de álcool que pode ingerir sem risco aos outros. O bêbado, no entanto, é a pessoa menos qualificada para avaliação de suas próprias habilidades. O sujeito, claro, pode saborear quantos barris de cerveja quiser, de vinho, de uísque ou de Caninha 51. Pode depois quebrar móveis em casa, se lhe der na veneta, pode se suicidar jogando-se com o carro da ponte ou jogar dinheiro fora. Problema dele. Não pode é bater na mulher, jogar os filhos do alto de edifícios ou assassinar usando como armas a bebida e o automóvel. O álcool deve andar no tanque, não no sangue e no cérebro enevoado do motorista.
No Brasil há leis que não pegam, sempre por inércia até aqui. Agora, parece haver uma campanha com o fim de fazer a lei não pegar, para depois dizerem que não pegou. Surgiram de repente estatísticas surrealistas revelando queda de 25% na venda de bebida em bares e restaurante no primeiro fim de semana após a vigência da lei, levando, afirmam, a considerável aumento do desemprego no setor, o que justificaria a revogação dela. Bem, o argumento também justificaria a permanência da produção de cocaína na Colômbia, mas nem assim as pessoas defendem sua manutenção, a não ser, claro, os produtores da droga. Nem seus consumidores o fazem.
Direitos constitucionais estariam sendo violados. Quais? O de matar impunemente? Quem vai para a cadeia no Brasil por crimes no trânsito? Chega a ser patética a história sobre a possibilidade de multa e prisão a quem dirigir após ingerir xarope contra tosse, usar líquidos de higiene bucal ou ingerir alimentos servidos ao molho de vinho. Se algum agente da polícia prender alguém por isso, deve, ele sim, ser preso. Seria, esse procedimento, problema de aplicação da lei, facilmente corrigível, não da lei. Tal lenda me recorda a resistência que houve em São Luís contra as barreiras eletrônicas, que tantas vidas têm salvado, nas ruas da cidade. Todo mundo seria assaltado se diminuísse a velocidade ao passar por elas. O negócio era acelerar e atropelar quem estivesse na frente. Até o momento não se tem notícia da previsão ter se confirmado.
Essa lei é, no trânsito, o equivalente da Lei de Responsabilidade Fiscal na economia. Servirá para mudar práticas antes consideradas imutáveis. Quando a preservação de vidas humanas está em jogo, melhor é pecar por excesso, se necessário, do que por falta. Beber ou não beber ao volante, eis a inevitável e inarredável questão.

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