28 de novembro de 2004

Um exemplo

Jornal O Estado do Maranhão 
Celso Furtado, morto recentemente, foi um dos mais influentes intelectuais do Brasil na segunda metade do século XX. Certamente, sua obra permanecerá como referência indispensável para os estudos da história econômica do nosso país. Seu livro, Formação econômica do Brasil, ao lado de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, Retrato do Brasil, de Paulo Prado, Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, Os sertões, de Euclides da Cunha, Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Junior, e alguns livros mais, é parte da melhor interpretação, no campo da ensaística, da economia e da sociedade brasileiras. Toda uma geração de estudiosos tem buscado em sua obra os fundamentos de sólidas reflexões acerca da construção do nosso grande destino nacional.
Seria, porém, injusto vê-lo apenas como um economista ou um historiador econômico. Aliás, nenhum bom economista é tão-só um economista. Ele, um erudito, tinha uma imensa esfera de interesses. Era um humanista, no sentido do pensador que coloca o ser humano no centro de suas preocupações filosóficas e morais. Basta ler seus escritos, em estilo elegante e claro, para se verificar que de fato é assim. A solidez e profundidade de sua cultura o conduziram à Academia Brasileira de Letras e, a convite de José Sarney, ao cargo de Ministro da Cultura. Com o fim de exemplificar suas credenciais nessa área, tomemos o seu Cultura e desenvolvimento em época de crise.
Ao falar do papel da Universidade no desenvolvimento do Nordeste, ele destaca a pesquisa, em todos os segmentos do conhecimento, como atividade primordial da instituição. No entanto, ela encontra no acentuado aumento do custo da investigação um obstáculo formidável à realização dessa tarefa. Como resolver o dilema que surge daí, entre a necessidade de obter, de um lado, financiamento para esse trabalho e, de outro, de manter a autonomia em face das instituições que fornecem os recursos para a pesquisa? É nesse quadro que a Universidade tem de atuar e realizar três tarefas fundamentais: “A difusão de conhecimentos de nível superior; a elaboração de conhecimentos de tipo instrumental e a criação de conhecimentos capazes de ampliar o horizonte de aspirações dos membros da coletividade [...]”. Instrumental aí é o conhecimento usado como vetor da ação a serviço da sociedade, na economia ou em outro campo qualquer.
No Nordeste, como em outras regiões dependentes, o ensino universitário limita-se à formação profissional, através do uso de conhecimentos pré-existentes, relegando a segundo plano a pesquisa, fonte da produção de novos conhecimentos. A classe intelectual, por sua vez, em face dessa deficiência, permanece afastada da Universidade, não se estabelecendo, deste modo, vínculos orgânicos entre a formação de nível superior e a vida intelectual propriamente dita que assume, de um modo geral, uma atitude passadista ou de aceitação indiscriminada das modas culturais dos centros mais adiantados.
Enumero essas idéias de Celso Furtado, para dizer que as condições descritas por ele me parecem ser exatamente as mesmas preponderantes hoje no Maranhão. O divórcio entre a atividade universitária e a vida intelectual, ambas, de um modo geral, essencialmente distantes dos nossos males sociais, dificulta, para a sociedade, a compreensão de sua própria realidade e, portanto, a gestação de propostas de solução adequadas à eliminação daqueles problemas.
A superação desse quadro somente ocorrerá se formos capazes de estabelecer um programa de pesquisa nas nossas Universidades voltado efetivamente para nossa realidade material e cultural, embora aproveitando as lições de outras regiões. Fora daí, pouco se alcançará. É parte do exemplar trabalho de Celso Furtado nos ajudar a perceber essa verdade.

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