5 de novembro de 2006

Os corpos da China

Jornal O Estado do Maranhão

Uso informações do Banco Mundial divulgadas no site http://web.worldbank.org.
A taxa média de crescimento anual do PIB da China foi de 9% desde o fim dos anos 70, o que re-tirou da pobreza absoluta centenas de milhões de pessoas, tornando o país, sozinho, responsável por mais de 75% da redução da pobreza entre os países em desenvolvimento nos últimos 20 anos. Entre 1990 e 2000, o número de pessoas vivendo com um dólar por dia diminuiu em 170 milhões. As mu-danças desse período criaram uma economia dinâmica, com melhora substancial dos indicadores soci-ais. O analfabetismo adulto, por exemplo, caiu de 37% em 1978 a menos de 5% em 2002 e a mortali-dade infantil de 41 por 1,000 nascidos vivos em 1978 para 30 em 2002.
No entanto, muitos problemas persistem. A taxa de redução da pobreza diminuiu a partir de me-ados dos anos 90, a desigualdade na distribuição de renda aumentou e há sérios problemas ambientais. Apesar do sucesso do programa do governo, de corte na emissão de poluentes do ar e da água e na reversão do desflorestamento, duas décadas de rápido crescimento cobraram um preço alto da base de recursos naturais. Em resumo, e segundo ainda o Banco Mundial, as transformações na economia da China têm importantes implicações para a região e o mundo, pois incluem itens como a competitivida-de de suas exportações, integração comercial cada vez maior, capacidade de atrair investimento direto estrangeiro e demanda por importações de commodities e energia.
Em meio a esse dinamismo em tudo espetacular e em que uma nova classe empresarial aproveita todas as oportunidades de ganho, pode-se imaginar a variedade de empreendimentos que surgem a cada hora. Lá, muito se privatizou e ainda há de se privatizar e pouco escapa ao empreendedorismo libertado pelas reformas orientadas para o mercado implantadas pelo Partido Comunista da China, sob a lideran-ça de Deng Xiaoping no final dos anos 70.
Surge agora um exemplo de como esse ambiente econômico, em geral positivo, mas sem fiscali-zação efetiva, pode criar situações extremas. Há na China, em situação de quase clandestinidade, pelo menos dez fábricas de mumificação de corpos humanos por meio da retirada dos fluidos do corpo e sua substituição por plástico líquido, destinados a exposições como a chamada Mundos Corporais que já recebeu a visita de 20 milhões de pessoas em várias países, arrecadando mais de R$ 430 milhões. Como em qualquer indústria, nessa há entre os industriais acusações de concorrência desleal e tráfico de “matéria prima”, ou seja, de corpos. A fim de se ter uma idéia do montante de dinheiro envolvido no negócio, basta saber que a empresa americana Premier Exhibitions pagou há pouco tempo R$ 54 milhões como garantia de fornecimento de cadáveres conservados.
Sabe-se que nossa espécie apresentou durante sua evolução grande variedade na maneira de tratar seus mortos. Estudos recentes mostram que diversos grupos humanos, inclusive os europeus primiti-vos, praticaram o canibalismo, sendo fácil comprovar sua ocorrência, mas difícil explicá-la. A exibição dos corpos produzidos na China tem sido criticada por ativistas dos direitos humanos como desprezível mostra de empresários dispostos a fazer qualquer coisa moralmente condenável com o objetivo de ob-ter lucros. De outro ponto de vista, os industriais dizem que a maioria dos visitantes das exibições re-conhece o valor educativo e científico da produção de cadáveres. Contudo, a verdade é que certa curio-sidade mórbida, talvez inerente ao ser humano, é a principal razão para o sucesso das mostras, pois como se explica que tanta gente, de diversas culturas e, portanto, com diferentes crenças e visões do mundo e da vida, participem como consumidores desse comércio macabro? Seremos, mesmo, assim?

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