29 de janeiro de 2012

Banda Peninsular


Jornal O Estado do Maranhão         

          Li neste jornal, edição do dia 15 deste mês de janeiro, notícia de reunião entre o Ministério Público do Maranhão e a Secretaria de Trânsito e Transporte de São Luís, em que o órgão municipal se comprometeu a acatar recomendação dos promotores, de disciplinar o trânsito na chamada Península da Ponta da Areia, por ocasião do cortejo da Banda Bandida, durante todos os domingos até o fim do período de Carnaval. O acesso à área seria controlado: omente aos moradores, de posse de comprovante de residência, e hóspedes de hotéis dali, se permitiria a circulação em veículos automotores, com a finalidade, evidente, de chegarem a suas residências. As pessoas poderiam se deslocar a pé sem sofrer tal restrição, a ser iniciada às 15 horas e finalizada às 21 horas. Não sei o motivo de o acordo não ter sido honrado. Houve recuo do Ministério Público? Ou a Secretaria deu para trás? O certo é que ficou o dito pelo não dito.
          Trago o assunto à discussão por dois motivos. Primeiro, porque, como moradores do local, sofremos, eu e meus familiares bem como outras vítimas do prédio e de prédios vizinhos, as consequências da confusão criada nos últimos domingos naquele local desprovido de infraestrutura capaz de receber multidões de eventos públicos. Realizá-lo ali é como realizá-lo no Calhau, por exemplo, ou no Cohafuma, ou em quaisquer outros conjunto e área residenciais de São Luís. Qual a motivação de fazê-lo justamente lá?
          O segundo motivo é mais importante porquetem relação direta com algo de grande importância na vida civilizada, mas na nossa sociedade não é levado a sério, sendo tratado, até, como atitude exótica: o cumprimento da lei. No tempo das cavernas, elas não existiam. Mandava o mais forte. Civilizarse é estabelecer essas regras de convivência e obedecê-las. Confirma-se, pelo seu descumprimento, a correta avaliação do cronista deste jornal, Joaquim Itapary, de nesta cidade nada funcionar. Nisto está a raiz da existência de leis que pegam ou não, traço de nossa cultura tão criticado exatamente pelos que contribuem para torná-las inócuas.
Explico. Existe uma Lei do Silêncio, estadual. Ela não é cumprida, ou só o é em pouquíssimos momentos, entre o primeiro e o último minuto do evento. Na península, além do desfile de carros com potentes equipamentos de som a todo volume, existe um bar chamado Novo Trapiche, useiro e vezeiro em adicionar centenas de decibéis à balbúrdia sonora, nisso imitado pela Associação de Fiscais da Prefeitura, localizada bem perto. Independentemente, porém, do período carnavalesco, o Novo Trapiche perturba o sossego público frequentemente.
          Vamos pensar agora nisto: quem irá recuperar as calçadas dos prédios e os canteiros centrais das vias públicas danificados pelo estacionamento dos automóveis sobre eles? Nada tenho contra bandas ou contra a Bandida. Aliás, tenho nela muitos amigos e até um irmão, João Carlos, um de seus pioneiros.
          Minha luta não é contra ninguém. É favor de princípios e da lei. Tanto não tenho nada contra elas que estou organizando uma, a Banda Peninsular. Ela será a melhor da cidade e percorrerá, sem pedido de licença a ninguém, as ruas onde os líderes da Bandida residem, parando na porta de cada um. E vou levar as torcidas do Flamengo e do Corinthians!
Passemos a questões referentes ao bom senso, tão em falta em ocasiões como esta. A península não está preparada para receber multidões, repito. Provam-no os milhares de homens e mulheres (acreditem) urinando em qualquer lugar. Reflitamos, também, sobre situações de emergência. Por exemplo, um morador idoso de um prédio necessita ser transportado a um hospital. Sitiado como está, e havendo apenas duas vias de escoamento, o tempo desperdiçado no rompimento da barreira formada pela multidão pode ser a diferença entre sua vida e morte. No domingo passado, testemunhei a dificuldade de uma viatura passar pela multidão e sair da península. O veículo era do quartel do Grupamento Marítimo do Corpo de Bombeiros localizado a poucos metros do Novo Trapiche, no Forte de São Antônio, edificação de valor histórico. Temos a sensação de ser vítimas de sequestro e reféns em nossas próprias residências.
          Por que não tomar como modelo o réveillon do Rio de Janeiro, como o Ministério Público propôs inicialmente? Lá, as ruas de Copacabana são interditadas sem se ouvirem reclamações.
Não faltarão tentativas de me classificar de adversário do Carnaval, reacionário, direitista e bobagens assim. É reflexo condicionado antigo que serve de biombo à indisposição ao debate e à disposição a fazer descer pela goela alheia pontos de vista esdrúxulos. Se apegar-se aos fatos e lutar pelo fiel cumprimento dos preceitos legais servir à tentativa de colar em mim todos esses rótulos, assim seja.
Meu pedido às autoridades tem se resumido ao cumprimento da lei, que, óbvio, deve ser obedecida por todos. É pedir demais? Se não for possível cumpri-la, melhor revogá-la, por inútil. Não queremos, nem poderíamos querer, o cerceamento do direito das pessoas de ir e vir. Contudo, não podemos concordar com a lesão a nosso próprio direito. Apelamos ao bom senso dos dirigentes da Bandida e pedimos que se imaginem em nosso lugar. Há dezenas de locais na cidade adequados ao cortejo. Por que fazê-lo onde ele não cabe e provoca tantos problemas?
          Reconheço progressos no último domingo. As atividades terminaram mais cedo e a poluição sonora foi menor, graças, em grande parte, à pronta ação da delegada-geral de Polícia, dra. Cristina Meneses, com o suporte da Superintendência de Polícia da Capital, Polícia Militar e Guarda Municipal. Mesmo antes de receber qualquer apelo dos moradores, a delegada-geral já havia tomado a iniciativa de combater com firmeza os excessos, em especial os devidos à emissão de sons. Em outro trecho da Ponta Areia, o desrespeito à Lei do Silêncio já havia sido objeto antes de ação semelhante por equipes dela com pleno sucesso. Quando há determinação de fazer, há bons resultados. Temos certeza de que as coisas estarão melhores ainda neste fim de semana e assim permanecerão nos seguintes.

15 de janeiro de 2012

Sem Culpa



Jornal O Estado do Maranhão

          Não sei se o leitor já notou a ausência de culpados morais no Brasil de hoje. De alto a baixo da escala social, dos mais ricos e influentes aos mais pobres e desamparados ninguém é culpado de nada. Pergunto apenas de forma retórica, pois sei da perspicácia de quem me lê, que não pode, a respeito do assunto, deixar de utilizar sua própria avaliação.
          Os influentes, bem, os influentes são... influentes e tem todo o dinheiro necessário à compra dos serviços de bons e matreiros advogados capazes de, no caso de seus clientes serem flagrados com a boca na botija – roubando recursos públicos por exemplo –, livrá-los dos curtos braços da abundante e confusa legislação penal brasileira. Minhas observações ignoram esses e tratam dos outros.
          Suponha o indefeso leitor que, estando no conforto e aparente segurança de sua residência, uma quadrilha de jovens assaltantes surge inesperadamente na sala onde você está assistindo a seu programa de TV favorito (coisa bem classe média e “burguesa”, no linguajar, vamos dizer, dos maconheiros da USP). Os bandidos humilham você e sua família, ameaçam matar todo mundo em meio a palavrões, levam todos os seus pertences com valor no mercado negro e fogem rapidamente, depois de pegar seu filho pequeno e ameaçar jogá-lo pela janela do nono andar.
          Em casos como esse, você não deve se revoltar e exigir providências imediatas das autoridades de (in)segurança. Em nome do “politicamente correto”, fique quieto. Exigir, a seus bens e sua vida, a proteção efetiva do Estado, que a nega até a juízes ameaçados pela bandidagem, é apenas revelar suas tendências autoritárias e fascistoides. Sem emocionalismos pequeno-burgueses, você deve parar e refletir sobre a história daqueles injustiçados: infância miserável, com ensino público de baixíssima qualidade, famílias desestruturadas, sem oportunidade de trabalho e por aí vai. As condições iniciais de vida encontradas por essas pessoas justificam uma espécie de jogo de compensação. Suas ameaças à vida civilizada apenas equilibram a disputa antes desfavorável a eles. Deve ser coisa do tal Direito encontrado nas ruas.
          Essa fantasia, infelizmente, prevalece em grande parte da grande imprensa do Brasil, em meio a muitos setores da sociedade e, naturalmente, é parte essencial do pensamento de todas as correntes e subcorrentes do PT, partido atualmente no poder no Brasil. As escolhas morais das pessoas não contam, uma vez que se pode atribuir a uma entidade etérea, chamada de “sistema”, as responsabilidades por crimes individuais. Quantos pobres escolhem esse caminho? Proporcionalmente, pouquíssimos, pois é nenhuma a relação de causa e efeito entre pobreza e criminalidade. A decisão individual por afrontar o ordenamento legal, porém, serve paradoxalmente à colocação nos criminosos do selo de vítimas do “sistema”, justificativa suficiente para incentivá-los à continuação na carreira de malfeitores. Coitadinhos, merecem compreensão, já sofreram tanto!
          Do ponto de vista das liberdades individuais, tal pensamento é nefasto. A democracia é o império das leis legitimamente estabelecidas. Passar a mão na cabeça dessa gente é descumpri-las e, assim, enfraquecer a vida democrática. Se for assim, melhor mudá-las para algo como: “Art. 1º - O portador de traumas resultantes da pobreza poderá matar, roubar, estuprar, cheirar cocaína, fumar craque e o que mais desejar. Art. 2º - Os outros ficam proibidos de agir da mesma forma. Art. 3º – Revogam-se as disposições que possam atrapalhar o fiel cumprimento desta lei.”
           Consequência mais perigosa ainda do vitimismo, de que o PT é entusiasta, é a ideia de que a alternativa à “legislação burguesa injusta” é desprezar sua mudança ou revogação por meios legais e, em seguida, obter o monopólio do poder e, dessa forma, de todo o sistema legal, em benefício de um partido político, intérprete único da “vontade do povo”. É o coletivo a eliminar a individualidade. No mundo real, milhões de pessoas foram assassinadas pela fome ou fuzilamento sumário em nome dessa utopia totalitária, por regimes socialistas.

1 de janeiro de 2012

Dinastia democrática e popular

Jornal O Estado do Maranhão

          Foi de imenso pesar minha reação à notícia da morte recente do grandioso, magnânimo, iluminado, genial, astuto como Chapolin Colorado e o mais amoroso dos amantes, o camarada Kim Jong-il, guia genial do povo norte-coreano. A obra do amado comandante supremo de incontáveis vitórias continuará eternamente na lembrança dos povos progressistas. Enquanto a Coreia do Sul, engolfada por sucessivas crises do capitalismo, sistema econômico às portas da crise final e destinado ao desaparecimento da face da Terra, conforme as previsões dos mais abalizados analistas anti-imperialistas desde 1917, enquanto a Coreia do Sul, como eu ia dizendo, mas me deixei levar pela tristeza deste momento, afunda inexoravelmente na pobreza, a prosperidade internacionalista do norte é admirada em todo o mundo, menos, é claro, nos países dominados por burguesias adeptas do neoliberalismo repressor e explorador bem como da especulação financeira prejudicial ao povo popular e heroico.
          Como já informado pela imprensa livre da Coreia do Norte, no momento do nascimento do precocemente falecido líder, numa cabana no Monte Paektu, perto da fronteira com a China que, apesar de nossa amiga, se vendeu ao capitalismo decadente, uma andorinha foi vista no céu, sinalizando uma primavera precoce, e um arco-íris duplo apareceu de repente. À noite, uma estrela de luz extraordinária surgiu no céu. Agora, na hora de sua morte, um lago congelado rachou tão ruidosamente que pareceu sacudir os céus e a Terra e um misterioso brilho foi visto em uma montanha sagrada. Os céus o reverenciaram no começo e fim da vida.
          Esse chefe inigualável, Kim Jong-il, morto na semana passada, mas imortal nos corações de seus compatriotas e proletários do mundo inteiro, pertence a uma família de força moral insuperável e capacidade de inovação sem precedentes. Foi de seu pai, Kim Jong-sung-a, inquestionável condutor dos povos, a ideia, sequer cogitada antes por um único ser humano, mas por ele formulada e colocada em prática, de estabelecer democraticamente uma dinastia comuno-socialista na Coreia do Norte, com uma pequena ajuda de seu exército. Quantos, sem a inteligência assombrosa do fundador, pensariam nisso? Ninguém, evidentemente.
          De saco cheio de dinastias burguesas, tais como as da Europa, em especial a da Grã-Bretanha, reconhecidamente opressora de seu próprio povo e promotora de guerras contra povos pacíficos, ele decidiu instituir a dinastia Kim Jil-ber-to jil (tenho a impressão de que começo a misturar os nomes desse pessoal), essa, sim, verdadeiramente democrática, popular e revolucionária. Para evitar a anarquia de eleições, ele tomou sábia decisão: em vez de cada eleitor puxar numa direção, teria de haver um eleitor tão só, ele mesmo. Assim, tudo ficou mais barato e apurar o resultado não deu mais tanto trabalho. Isso prova sua generosidade e sabedoria, pois, mesmo sabendo quem ia ganhar a eleição, ele fazia questão de realizá-la, quando um ditador burguês qualquer se declararia eleito logo. Dessa forma, a paz e a tranquilidade da verdadeira nação coreana (não a falsa nação do sul) foram preservadas. E ai de quem discordar. Terá de ser reeducado no interior do país por mestres especializados do Partido.
          Como governante bondoso, ele decidiu não executar os vermes oposicionistas sem antes levar esses criminosos, capitalistas insensíveis, a julgamento em que eles deveriam confessar seus crimes contra a humanidade proletária e socialista representada por seu governo. Esses traidores eram agentes inimigos a soldo de Washington, infiltrados na pátria autêntica da liberdade.
          Agora teremos Kim III (Kim Jong-un-dois-três), jovem de menos de 30 anos, filho de Kim Jong-il. Mesmo a nojenta mídia golpista internacional (a norte-coreana, propriedade do povo, é 100% a favor do governo), não escondeu sua admiração pelas eloquentes palavras do novo soberano, o terceiro da dinastia: “Agora, quem manda sou eu, não o moleirão do meu pai. Comigo, escreveu não leu, o pau comeu. Dúvidas, meus queridos?”
Longa vida a Kim III. Que eterna seja sua dinastia.
 

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