22 de agosto de 2010

Renovação


Jornal O Estado do Maranhão

     Todo mundo clama o tempo todo contra a falta de renovação na política brasileira. Em época de campanha eleitoral, como agora, as queixas aumentam. Ora, parece que as pessoas não estão prestando atenção nos cartazes de propaganda espalhados pelo Brasil inteiro. Eles desmentem a tão apressada afirmação. Novidades na política, há muitas.
     Repare bem, caro leitor, nas fotos de muitos candidatos e faça sua própria avaliação. Não acredite em minhas palavras. Olhe com muito cuidado o primeiro cartaz que lhe atravessar o caminho. Tire a prova. Os rostos novos diante de seus olhos provocarão imensa surpresa. Você irá procurar lá no fundo de suas memórias primevas e dirá: é verdade, é tudo novo, eu nunca tinha visto nada como isso. Mas, infelizmente, uma dúvida chata e intrometida virá mais tarde se aboletar em sua mente angustiada. É esse sujeito mesmo? Faz tanto tempo! O nome dele, porém, lhe escapa.
     À noite, em casa, a propaganda política na TV aparece e lá vem a mesma foto que assombrou você à tarde na rua. Desta vez não foi possível ver o nome escrito em letras miúdas. Afinal, como são muitos candidatos, o tempo de cada um é muito pequeno, contado em segundos. Voltam as dúvidas que, vejam só, dão um jeito de aparecer em seu sonho, justamente quando aquela bonitona e rica estrela do cinema ia caindo na sua conversa, conquista que iria lhe proporcionar uma renovação de sua vida amorosa. E da financeira.
     Finalmente, pela manhã, depois da noite mal dormida, você dá o estalo. Com certeza, aquele rosto é seu velho conhecido. Eureka, você diz eufórico, a renovação, está na cara, aconteceu na cara do cara. E não foi nenhuma operação plástica, nenhum Pitanguy fez aquele milagre. Foi um recurso da informática: o velho, confiável e cheio de recursos Photoshop, sofware dado a operar milagres. Quem tem um não precisa de plástica pra coisa alguma.
     Onde foram parar as rugas, onde os cabelos encanecidos, aquele ar de vovô à antiga. Onde o ar de “no meu tempo é era tudo melhor?” Esse tempo não é somente do retratado. É seu também, pois vocês foram colegas de infância, faz um bocado de tempo.
     Alguns poderão acusar de falsa essa renovação, um estelionato eleitoral. Mas quem não concordará com uma afirmação como esta: essa renovação é melhor do que nenhuma. É preferível ter uma foto colorida, atual, moderna em lugar daquelas antigas de tonalidade sépia do tempo da vovó. Nada impede que, renovada a cara, não se renovem também as ideias. Mente nova em rosto novo. Não pode é dizer: mente de novo com cara nova. A renovação, acreditem, não se esgota nisso. Ela se dá de outra e insuspeita maneira.
     Quem não conhece a recém-aprovada Lei da Ficha Limpa? (Ou será da Ficha Suja?) Ela veio, por iniciativa popular, com o fim de excluir da política gente sem a qualificação necessária para ser representante do povo. Não vamos entrar na discussão sobre a constitucionalidade de uma lei que retroage com o fim de atingir possíveis delitos do passado, aparentemente ferindo um princípio consagrado de a lei não retroagir em prejuízo do cidadão.
     Vamos nos concentrar na sua intenção e no inesperado de sua aplicação. Quais os objetivos da lei? Impedir a turma desonesta de posar como honesta. Posta em prática, qual o seu resultado? Renovação, renovação e renovação.
     Explico. Ninguém deve se espantar com algo tão óbvio. Impedidos de concorrer nesta eleição (não se sabe nas próximas), os potenciais fichas-sujas estão lançando parentes da nova geração de suas famílias como candidatos a deputado. São os candidatos-bebês. É ou não uma renovação, um avanço nos costumes, uma inovação empolgante? As caras são jovens (e os caras), as ideias, difícil saber. Sejamos otimistas. Quem sabe tocados pelo famoso espírito de rebeldia da juventude, pela vontade de afirmação, pelo desejo de independência, eles rompam com os laços familiares, deem um grito de liberdade e adotem novíssimas e boas práticas políticas, revelando-se paladinos da ética e da moral públicas? Nada é impossível. Alguém tem alguma dúvida?

8 de agosto de 2010

Uma escola e duas canoas



 Jornal O Estado do Maranhão


     Estivemos no dia 23 de julho no Estaleiro-Escola no relançamento da canoa costeira Dinamar, restaurada e entregue a seu proprietário, o mestre Martins. O que há de especial na restauração de uma embarcação a justificar uma solenidade com a presença do criador do Museu Nacional do Mar, Dalmo Vieira Filho, de membros da Academia Maranhense de Letras (Ubiratan Teixeira, Laura Amélia Damous, Benedito Buzar e eu), do Comandante da Capitania dos Portos, o Capitão de Mar e Guerra Calmon Bahia, da imprensa, de dirigentes de órgãos públicos, de gente do mundo cultural de São Luís? Vamos recuar no tempo a fim de obter a perspectiva adequada à explicação do sucesso daquele evento.
     Há 33 anos, Luiz Phelipe Andrès aportou em São Luís para aqui se fixar e dar contribuição importante ao Maranhão, tanto na preservação do Centro Histórico, que culminou no título de Patrimônio da Humanidade, dado pelo Unesco à cidade, quanto na salvaguarda das técnicas de construção naval artesanal utilizadas em nosso vasto litoral. Elas estariam quase extintas se não tivessem sido objeto de criteriosa pesquisa de sua autoria. Por conta de iniciativas como essa, ele adquiriu credibilidade e reconhecimento no Maranhão e no Brasil. Membro do Conselho Consultivo do Iphan, em sua instância nacional, vem realizando trabalhos importantes com acervos culturais, como a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ou as cidades históricas de Parnaíba, no Piauí, e Iguape, no litoral sul de São Paulo – dou poucos exemplos –, para os quais elaborou pareceres aprovados por unanimidade pelo Conselho, viabilizando sua inclusão na lista do Patrimônio Histórico Nacional.
     Nesses anos todos, tenho acompanhado com admiração sua trajetória como servidor público dedicado e dou testemunho de como ele tem superado com habilidade obstáculos muitas vezes originadas em incompreensões, sem nunca esmorecer em sua determinação, criando parcerias, entre elas com o Iphan, que deu apoio à restauração.
     A Escola, criada e dirigida por Phelipe, se destina, à valorização e ensino daquelas técnicas, que foram utilizadas no restauro, como estratégia de evitar que a riqueza imaterial por elas representada desapareça. A feliz Dinamar pertence a uma rara tipologia de embarcações, da qual restam apenas cerca de 30 exemplares. Tal número poderá se reduzir ainda mais se o Ibama local, dirigido pelo funcionário chamado Paraguaçu, mas, de fato, um autêntico Caramuru, persistir na perseguição a essas canoas, como já fez com uma semelhante à restaurada.
     Falo da Sombra do Mar, menos feliz do que a Dinamar. Apreendida com o uso, a pedido do Ibama, da Força de Segurança Nacional, e apartada de seu humilde proprietário porque transportava meia dúzia de caranguejos a mais do permitido no período de defeso, foi colocada sob a guarda de um infiel depositário ligado à Secretaria de Meio Ambiente do município de São José de Ribamar. O secretário, Isaac Buarque de Holanda (vejam a ironia desse nome do ponto de vista cultural) permitiu sua indevida utilização por terceiros, que resultou em rápida degradação, saque e afundamento. Em resumo, sua quase destruição.
     Voltemos à solenidade. Aqueles que não conheciam a Escola disseram-se surpresos com a qualidade e beleza de suas instalações, no Sítio do Tamancão, margem esquerda do rio Bacanga, com bonita vista do Centro Histórico. Na sexta-feira, dia 30 de julho, Ubiratan Teixeira falou sobre os aspectos sociais de suas atividades, neste jornal. Este, no domingo, dia 1º deste mês, dedicou longa matéria ao assunto, destacando o trabalho dos alunos e dos mestres. Na coluna do PH, no mesmo dia, uma nota voltou ao papel social da Escola, registrando apelo de Benedito Buzar por mais apoio de parte da Univima, da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, instituição que a mantém. Acadêmicos da AML a visitarão no próximo dia 19.
     A experiência é pioneira e única no Brasil e prova de que dedicação, espírito público e capacidade de realização podem levar a bom termo ideias inovadoras, em consonância com a realidade da comunidade onde se encontram.

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