Renovação


Jornal O Estado do Maranhão

     Todo mundo clama o tempo todo contra a falta de renovação na política brasileira. Em época de campanha eleitoral, como agora, as queixas aumentam. Ora, parece que as pessoas não estão prestando atenção nos cartazes de propaganda espalhados pelo Brasil inteiro. Eles desmentem a tão apressada afirmação. Novidades na política, há muitas.
     Repare bem, caro leitor, nas fotos de muitos candidatos e faça sua própria avaliação. Não acredite em minhas palavras. Olhe com muito cuidado o primeiro cartaz que lhe atravessar o caminho. Tire a prova. Os rostos novos diante de seus olhos provocarão imensa surpresa. Você irá procurar lá no fundo de suas memórias primevas e dirá: é verdade, é tudo novo, eu nunca tinha visto nada como isso. Mas, infelizmente, uma dúvida chata e intrometida virá mais tarde se aboletar em sua mente angustiada. É esse sujeito mesmo? Faz tanto tempo! O nome dele, porém, lhe escapa.
     À noite, em casa, a propaganda política na TV aparece e lá vem a mesma foto que assombrou você à tarde na rua. Desta vez não foi possível ver o nome escrito em letras miúdas. Afinal, como são muitos candidatos, o tempo de cada um é muito pequeno, contado em segundos. Voltam as dúvidas que, vejam só, dão um jeito de aparecer em seu sonho, justamente quando aquela bonitona e rica estrela do cinema ia caindo na sua conversa, conquista que iria lhe proporcionar uma renovação de sua vida amorosa. E da financeira.
     Finalmente, pela manhã, depois da noite mal dormida, você dá o estalo. Com certeza, aquele rosto é seu velho conhecido. Eureka, você diz eufórico, a renovação, está na cara, aconteceu na cara do cara. E não foi nenhuma operação plástica, nenhum Pitanguy fez aquele milagre. Foi um recurso da informática: o velho, confiável e cheio de recursos Photoshop, sofware dado a operar milagres. Quem tem um não precisa de plástica pra coisa alguma.
     Onde foram parar as rugas, onde os cabelos encanecidos, aquele ar de vovô à antiga. Onde o ar de “no meu tempo é era tudo melhor?” Esse tempo não é somente do retratado. É seu também, pois vocês foram colegas de infância, faz um bocado de tempo.
     Alguns poderão acusar de falsa essa renovação, um estelionato eleitoral. Mas quem não concordará com uma afirmação como esta: essa renovação é melhor do que nenhuma. É preferível ter uma foto colorida, atual, moderna em lugar daquelas antigas de tonalidade sépia do tempo da vovó. Nada impede que, renovada a cara, não se renovem também as ideias. Mente nova em rosto novo. Não pode é dizer: mente de novo com cara nova. A renovação, acreditem, não se esgota nisso. Ela se dá de outra e insuspeita maneira.
     Quem não conhece a recém-aprovada Lei da Ficha Limpa? (Ou será da Ficha Suja?) Ela veio, por iniciativa popular, com o fim de excluir da política gente sem a qualificação necessária para ser representante do povo. Não vamos entrar na discussão sobre a constitucionalidade de uma lei que retroage com o fim de atingir possíveis delitos do passado, aparentemente ferindo um princípio consagrado de a lei não retroagir em prejuízo do cidadão.
     Vamos nos concentrar na sua intenção e no inesperado de sua aplicação. Quais os objetivos da lei? Impedir a turma desonesta de posar como honesta. Posta em prática, qual o seu resultado? Renovação, renovação e renovação.
     Explico. Ninguém deve se espantar com algo tão óbvio. Impedidos de concorrer nesta eleição (não se sabe nas próximas), os potenciais fichas-sujas estão lançando parentes da nova geração de suas famílias como candidatos a deputado. São os candidatos-bebês. É ou não uma renovação, um avanço nos costumes, uma inovação empolgante? As caras são jovens (e os caras), as ideias, difícil saber. Sejamos otimistas. Quem sabe tocados pelo famoso espírito de rebeldia da juventude, pela vontade de afirmação, pelo desejo de independência, eles rompam com os laços familiares, deem um grito de liberdade e adotem novíssimas e boas práticas políticas, revelando-se paladinos da ética e da moral públicas? Nada é impossível. Alguém tem alguma dúvida?

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