18 de dezembro de 2017

Ângela e os bororós


Luiz Alfredo Raposo
Economista

          Deu na e-midia, a chanceler Ângela Merkel teria dito a juízes e altos burocratas que pleiteavam salários de professor: “como posso igualar vocês a quem os ensinou?” Aqui, inverso o quadro, indagam como reagiria uma Merkel presidente. Alemãmente, creio. Começaria por anotar os problemas federais: 1) os supersalários (acima do teto legal) têm um bruto dum peso na folha de ativos. 2) É enorme, frente à do INSS, a aposentadoria média do setor público. “Cópia” dos salários da ativa, ela continua a desigualdade. 3) Inviável mais imposto, está-se no nível alemão e muito aquém da renda per capita alemã. 4) No atual ciclo demográfico, o movimento de aposentações é tal, que a folha dos inativos promete comer, não demora, toda a receita orçamentária.
           É, desastre na Previdência gera desastre no Tesouro e descarta soluções via só (1) ou (3). P. ex., aumentar os professores e trazer os salários da elite ao nível alemão... O jeito seria atacar pelo (2). Em seu país, ela já fez duas reformas da Previdência: em 2007 (aumentou a idade mínima para 67 anos) e 2014. Faria, então, uma à moda Temer: generalizar o padrão INSS, pondo fim às superaposentadorias (!); em reforço, aumentar a idade mínima. Com isso, pensaria, se iria tomar a rota de sanear as contas e reduzir as desigualdades. Donde: 1) uma economia mais hígida e empregadora desde já e; 2) aos poucos (gradual a reforma) mais igualdade dentro e fora da área pública.
          E a “presidente” esperaria os progressistas para capitães da tropa reformista... Para logo vê-los e a grão-burocratas, enervados, sem dar um pio sobre privilégios em perigo, a encantar o povo com pajelança: “déficit é truque aritmético inventado por um governo que ‘rouba’ da Previdência e quer descontar no povo, podando-lhe direitos de aposentadoria”. Um primor de besteirol! Ilusionismo, sim, é escamotear que o “roubado” com uma mão está sendo (e em valor crescente) sobredevolvido com a outra. E a idade mínima é apenas a perna esquerda da reforma. E um não problema: hoje, real é o desemprego, que corta todo direito, entre eles o de aposentar-se mais cedo ou mais tarde. Vital para o trabalhador é seu emprego já. O que supõe a economia no rumo, logo a reforma.
          E a nobre dama concluiria que nossos progressistas odeiam progresso. Estão felicíssimos com o que aí está. Luta? Só por privilégios de castas. Parecem, sim, eles e seus clientes, empenhados em instruir-nos numa Lógica do tipo mágico. Da que Lévy-Strauss achou entre os bororós de Mato Grosso. Não admira que, amiúde, na Terra Brasilis, o absurdo pareça lógico e a Lógica sem adjetivo, bobagem ou tapeação. Triste Brasil, gemeria Frau Merkel em Baixo Alemão.

17 de dezembro de 2017

Imprevidência


Jornal O Estado do Maranhão

          Quando, nos anos 50, eu era um vivaz garotinho, como se dizia então, uma pessoa idosa era quase uma raridade. Muitos adultos usavam a expressão “lá vem o velho” para amedrontar as crianças dos casais com 7, 8, 9, 10 ou mais filhos e fazê-las ficar quietas. Conformação demográfica como essa, com muitos jovens e poucos idosos, aparecia numericamente como uma elevada participação percentual dos primeiros na população, característica dominante havia décadas. A pirâmide populacional brasileira era larga na base e bem fina no topo.
          Ocorreu a partir de então, como em outros países de nível de renda semelhante ao do Brasil, célere processo de urbanização, que levou à diminuição das taxas de fecundidade, com consequências importantes na nossa composição etária. A relação jovem/idoso começou, também aceleradamente, a cair. Países de renda mais alta do que a nossa passaram da mesma forma por essas mudanças, mas a velocidades muito mais baixas. Deixemos quietos, porém, por instantes, os garotos. Vamos examinar o topo da pirâmide.
          Simultaneamente à diminuição do número de nascimentos por casal, os idosos começaram a aumentar, como proporção da população total. A razão foi a melhoria geral, embora desigual por regiões, das condições de saneamento básico e de assistência à saúde; o aparecimento de novos medicamentos; a erradicação de doenças endêmicas; os avanços tecnológicos na medicina; a melhoria nos cuidados com a alimentação, etc. Tais avanços levaram ao aumento da expectativa de vida ao nascer. As pessoas passaram a viver mais e a participação dos mais velhos na população aumentou e aumenta a taxas maiores do que a do crescimento geral.
          O encontro desses dois fatores, diminuição do número de jovens e aumento do de idosos, é o gerador do déficit previdenciário, sem considerar aquela parte dele criada por aposentadorias especiais de alguns grupos de funcionários públicos. De cada 100 trabalhadores economicamente ativos em 2004, havia 43 jovens e 15 idosos. Em 2014, meros 10 anos depois, segundo o IBGE, esses números tinham mudado: jovens desceram a 33, e aposentados subiram a 21. Em 2060 haverá 24 jovens para 63 aposentados. Há cada vez menos pessoas trabalhando e contribuindo com a Previdência e mais se aposentando. O sistema é insustentável, como está hoje, pois o envelhecimento da população vai ser ainda mais rápido daqui por diante. O crescimento explosivo do déficit – constitutivo da maior parte do desequilíbrio fiscal –, é inevitável sem a reforma e levará à volta da inflação, recessão, desemprego, alta do dólar e mais.
          A reforma da Previdência não é questão de gosto, como disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles É de necessidade e, acrescento eu, de sobrevivência. A Grécia, dirigida por governo de esquerda, se recusou a fazê-la. Logo a seguir, foi obrigada a voltar atrás, adotando reformas muito mais drásticas e dolorosas, pela ameaça iminente do caos.

           Mas digo, se isso for consolo para o momento de pensarmos no futuro dos filhos e netos, que o problema será resolvido de uma forma de outra, por bem ou por mal, pois países não têm falência decretada. No entanto, eles, esses queridos filhos e netos, irão pagar uma conta multiplicada várias vezes e nos julgarão pela imprevidência de não fazê-la agora.

3 de dezembro de 2017

Infestação

Jornal O Estado do Maranhão

          A infestação da maioria das redações dos grandes veículos de comunicação pelo “pensamento” esquerdista é matéria – uso esta palavra por ser ela objeto de veneração nesses lugares sagrados, onde existem altares a seu culto e se repete a toda hora o mantra sobre matéria atrair matéria – de um dos poucos consensos no Brasil, país tão disposto a tudo transformar em discórdia, até mesmo os argumentos acerca de comunistas terem direito de morar no Leblon, ou não terem, em apartamento com vista para o mar. Eles têm, sim, pobrezinhos! Nessas redações militam mais comunistas, é avaliação consensual, do que na China inteira, país nominalmente socialista, mas, na prática, capitalista, sendo esta a razão de o país vir crescendo tanto há tanto tempo, não por causa de imaginária sabedoria milenar chinesa.
          Pois são essas hordas de passivistas políticos cheios de indignação teórica (verdadeiros passivistas não vão às ruas, apenas insuflam as massas) que fazem proclamações sobre o “recuo” do presidente Temer, ao som de trombetas modernas de uso na internet, não só em impressos em jornal, a cada lance do complexo jogo político pela aprovação de medidas propostas pelo Executivo à Câmara e ao Senado, com o fim de tirar o país do buraco onde se encontrava até poucos meses atrás, metido lá pelas administrações petistas, durante 14 anos. O tom dos anúncios faz pensar a quem os lê pisando distraído nas estrelas que os projetos são de interesse pessoal do presidente e vitais à sobrevivência dele, de Michelzinho e de Marcelinha. O mais chocante, porém, é, nas proclamações, perceber-se assombrosa ignorância sobre o fazer político democrático.
          Se o Legislativo fosse obrigado a aprovar sem alterações os projetos que ali chegam, estaríamos na Coreia do Norte, não no Brasil. O recuo é apenas a aplicação da regra política mais elementar: cede-se em um ponto para garantir outro. Dilma e o PT tratavam o Congresso e as lideranças políticas a chicotadas. Terminaram sem mel nem cabaça. Afoitos, queriam ganhar tudo, e perderam. Temer, ao contrário, venceu todas as disputas até aqui, livrando o Brasil do caos. Se Dilma tivesse continuado, seria a queridinha das redações, dos blogs sujos e de Dallagnol – adepto do assassinato da moral pelo moralismo –, embora com o país no fundo do poço, com água pelo pescoço e sob forte temporal.
           Estas são marcas de habilidade: saber negociar; avaliar corretamente o momento de ceder ou não; agregar pessoas e não as desagregar, metendo-lhes os pés no traseiro; não se deixar levar pelas próprias idiossincrasias e as de outros; não subestimar os adversários, primeiro passo para a derrota certa. Em resumo, ser um político na melhor acepção da palavra. Não muitos possuem essas qualidades, como Temer possui, entre esses o presidente Sarney, que as tem de sobra.
          No Maranhão, as promessas de mudanças, sobretudo na economia e na política, prometidas há três anos em discurso com resquícios do obsoleto pensamento comuno-estruturalista, não se cumpriram nem se cumprirão. A ação da Polícia Federal e de diversos órgãos de controle mostra muito bem essa verdade. Vemos, em verdade, desculpas também velhas, no estilo Lula: “Eu não sabia, a culpa é do passado”.

12 de novembro de 2017

Façam o que eu digo...


Jornal O Estado do Maranhão

          O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, doutor pela New School University e professor visitante na Universidade Stanford, construiu um Índice de Custos do Governo – ICG, concebido para medir de maneira sintética a eficiência do governo – não deste, mas de qualquer governo – em sua relação com o Congresso. As variáveis utilizadas no cálculo são: a) no lado dos custos, conforme está em artigo por ele publicado na Folha de S. Paulo, de 9/11/2017, não num jornalzinho qualquer do PCdoB: “1) quantidade de ministérios (e secretarias com status de ministério) que um presidente decide ter em seu governo; 2) total de recursos que aloca entre os ministérios (e secretarias com status de ministério) ocupados pelos membros da coalizão; 3) montante em emendas individuais que os parlamentares fazem ao Orçamento anual e que o presidente executa”. Os itens 2 e 3 têm seus valores calculados como percentagem do PIB); b) do outro lado, dos benefícios para a administração, tem-se a quantidade de propostas do Executivo aprovadas pelo Congresso assim como a quantidade encaminhada.
          Ao contrário da ideia difundida pela histeria coletiva das redes sociais e refletida nas manadas nelas abundantes, dispostas a se jogarem no precipício, se a besta-líder (ou o besta), em veloz galope, não frear repentinamente, como nunca freia, induzindo as demais, de duas patas, a segui-la no mergulho fatal, o governo Temer, desde o primeiro de Fernando Henrique Cardoso, é o de menor custo de governança de todos até hoje, pois consegue melhores resultados gastando menos.
          Reparem, estamos falando de recursos constantes do orçamento e de nomeações feitas por quem competente para fazê-las. Ilegalidade houvesse, Janot teria aplaudido de pé, como na arena de touros? FHC, Lula e Dilma liberaram emendas para sustentar seus governos, com muito menos eficiência do que o atual presidente.
          Aos comparativos. Na escala de 0 a 100 do índice, o governo de Michel Temer teve média de 15,4 pontos como custo de administrar a base. Sabem de quanto foi a mesma medida nos governos de FHC, esse de agora pregando o abandono do governo pelo PSDB? No primeiro mandato, 36 pontos, mais do dobro do número de Temer. Espantado, caro leitor? Pois no segundo, saiba disto, Fernando Henrique quase dobrou sua própria marca, chegando a 59,5 pontos, e saiba também que o PSDB, partido dele, é paladino da moral e bons costumes, clamando contra a “compra” de votos no Congresso.
          Tem mais. No primeiro período de Dilma, essa do búlgaro antigo, o índice chegou a um número de dar nó na cabeça, de 88,1 pontos, baixando para 58 no segundo. E agora, o grande vencedor do dia, Lula da Silva, com 90,6 (!) pontos no primeiro mandato. No segundo, como dizer isso, já sei, o número matador de 95,2 pontos – quase o máximo possível de ser alcançado. Afora esse gasto sem freios para conseguir votos nos períodos petistas, o PT sempre levou uma quantidade de ministérios desproporcional a sua bancada no Congresso, para irritação de seus aliados e retirada de apoio na hora do impeachment de Dilma.
           Mas é o PT a dizer das emendas usadas por Temer para evitar ser derrubado por Janot e Joesley: “Deveriam ser gastas em educação”.

29 de outubro de 2017

Perde e ganha

Jornal O Estado do Maranhão

           A vitória de Temer contra a denúncia do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mostra sua habilidade e força políticas (não à toa, ele foi presidente da Câmara três vezes), fecha uma fase exitosa de seu governo até o momento e abre outra de extrema importância para a vida nacional, quando uma reforma da previdência poderá ser feita, com o fim de evitar o colapso da previdência social.
           Mas não procure nos grandes portais noticiosos qualquer avaliação positiva sobre o presidente, quando se fala a respeito da votação da quarta-feira passada. Ao contrário, há nesses saites avaliações de apresentadores e colunistas, que são quase unânimes em proclamar o enfraquecimento do presidente. Se ele ganhou no voto e se enfraqueceu, então, é conclusão lógica, deveria ter trabalhado para perder. Aí, sim, sairia fortalecido.
          Percebeu, caro leitor? Ganhar com a meta de perder e, logo, perder com a de ganhar. Isso não é um pouco confuso? Não lembra uma ex-presidente de um certo país sul-americano? Como foi mesmo o raciocínio? “Não acho que quem ganhar, ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. Deve ter saído dessa mente o desenho do maior desastre econômico sofrido pelo Brasil em “quinhentos anos de história”, como gostam de dizer os esquerdistas.
          O juro básico da economia no período da ex-presidente chegou a 14,25% em julho de 2015; agora está a 7,5%, a metade. Chegou a esse patamar, o menor desde abril de 2013, com o nono corte consecutivo da taxa. Desse modo, os juros da nossa dívida pública deste ano diminuirão em cerca de R$ 100 bilhões. O desemprego está em queda, os salários começam a se recuperar, o câmbio se estabilizou, as contas externas apresentam excelentes resultado e seguem em uma trajetória de ajuste, e a inflação anualizada está em 2,5%, menos da metade daquela do último mês da administração da ex-presidente.
          Você, leitor, prefere o quê? A situação anterior de juros, altos, inflação alta, desemprego alto e câmbio alto, ou a atual?
          Voltemos à quarta-feira. Viu-se na Câmara um desfile de querubins, a julgar pela indignação com a corrupção de parte de alguns deputados de oposição. Os do PT, partido com quase todos os seus dirigentes na cadeia, ou quase lá, eram os mais veementes. Um deputado de outro partido, muito próximo, porém, dos petralhas – não digo de qual Estado ele é – chegou perto de uma crise respiratória, tal o esforço com que dava provas de intolerância com os corruptos, emitindo centenas de decibéis. A Justiça, por sua vez, discorda das virtudes do parlamentar.
          O mais edificante, no entanto, foi ver o PT acusando Temer, o vice-presidente decorativo, de ser, depois de pouco mais de um ano de governo, responsável pela desastrosa recessão da economia brasileira, pelos inigualáveis níveis de desemprego e pela forte elevação da inflação, mazelas produzidas em 14 anos de governo petralha.
          – É a nossa natureza, seus filiados diriam.
          Eu já decidi. Vou me candidatar a senador. Não vimos que quem ganha perde e vice-versa? Pois bem, hoje inicio minha campanha, pedindo a todos esquecerem minha candidatura. Peço encarecidamente, não votem em mim. Só assim poderei me eleger.
          Eternamente grato, Lino.

15 de outubro de 2017

Descolado

Jornal O Estado do Maranhão

          Sabem o sujeito descolado? Diz o Houaiss: “Habilidoso na solução de questões, no trato com outrem, etc.; astuto, esperto (é um sujeito descolado, sempre consegue o que quer)”.
           Blogueiros, colunistas da grande imprensa e de internet, e muitos autonomeados especialistas (estes constituem o grupo mais divertido de profissionais; morro de rir de suas explicações óbvias e de suas previsões quase sempre erradas) deram agora de dizer que a economia se descolou da chamada crise política, sem oferecer aos leitores nenhuma evidência factual sobre o tal descolamento, mas com bastantes ideias pré-concebidas e visões ideológicas tomadas como mandamentos divinos.
            Aproveitando-se dessa suposta separação, a turma chega a conclusões engraçadas. Uma delas é a de que a recuperação atual (com estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto - PIB ainda pequenas, positivas, contudo, para 2017 e um pouco melhores em 2018, assim como com as estimativas de elevação, nesses dois anos, do emprego e da renda das famílias), nada tem a ver com as medidas tomadas pelo presidente Temer, a fim de remediar os desastrosos 13 anos de erros primários na condução da política econômica, durante a administração petista, responsável pelo tsunami inigualável na história de nossa economia.
          O defeito maior desse raciocínio está em não levar em conta isto. Se a economia é uma “descolada”, e, portanto, “sempre consegue o que quer”, por qual razão ela não se descolou da política no período petralha e teve queda recorde? Se a economia se descolou de Temer, qual a razão de não se ter descolado de Dilma, mudando para uma trajetória ascendente, como a de agora? A resposta é óbvia; todavia, atualmente no Brasil o óbvio nem sempre o é, sendo necessário repeti-lo a toda hora: não houve descolamento nenhum com Temer nem com Dilma. Ocorreu justamente o contrário no caso do presidente. Por acreditar em sua capacidade de enfrentar e derrotar as tentativas de derrubá-lo, os agentes econômicos mudaram suas expectativas em sentido positivo. Isto resultou em aumento de seus planos de investimento, com efeitos benéficos por toda a economia. Significa tudo isso dizer: aqueles agentes estão colados a Temer como nunca estiveram antes.
          Assim como os governos petistas tiveram papel fundamental na criação da recessão, com todos os seus males característicos, o atual governo também tem, mas na recuperação da economia. Os bons números da economia vistos hoje, embora ainda tímidos (não se consertam completamente barbeiragens do tamanho das do PT em menos de uma década), mostram o acerto da atual política econômica. Quem poderia estimar as profundezas tenebrosas de nossa economia hoje, com inflação provavelmente na casa de dois dígitos e subindo, patamar alcançado por Dilma antes de dar o fora, e taxas de desemprego altíssimas, se o governo dela não tivesse sido afastado?
          Por último, devo dizer isto: descolado mesmo é Temer. Ele, um homem de várias décadas de vida, tem mente mais moderna, ou descolada, do que os chamados cabeças pretas do PSDB, parlamentares jovens, de mente antiga e membros de um partido campeão da pusilanimidade e da covardia e sem coragem de defender seus próprios membros de ilegalidades contra eles cometidas.

24 de setembro de 2017

Desarrumação

Jornal O Estado do Maranhão

          Na quarta-feira passada, o “Estado de São Paulo” publicou editorial, no qual trata de assuntos de grande importância para o futuro do Brasil. Logo no início, o jornal fala de passagem de sério problema nacional. Ele nasce de característica do nosso mundo político: a concessão de benefícios aos brasileiros, sem preocupação com a fonte dos recursos indispensáveis a torná-los reais, arrancando-os da virtualidade. É o conhecido “depois se vê isso”, atitude contra a qual já me pronunciei, utilizando-me do ditado “dinheiro não dá em árvore”. Todavia, se desse, mesmo – acrescento agora –, deixaria de ser moeda, perdendo todas suas funções de instrumento de troca, meio de pagamento, reserva de valor, denominação comum de valores. Nesse caso, caroço de pitomba seria moeda tão boa quanto a outra, nascida na forma de folha já impressa nos galhos da pitombeira, pois a oferta de ambas seria infinita, o que as desvalorizaria instantaneamente. Teoria monetária esdrúxula como essa (da importância zero de emissão monetária descontrolada), presente na cabeça da quase a totalidade dos políticos de esquerda, foi utilizada pelos governos do PT. O resultado foi aumento da inflação e do desemprego, e a maior recessão da história econômica do Brasil. O petismo esteve a ponto de substituir a moeda burguesa pela proletária.
          O mais importante do editorial, contudo, foi o conjunto de observações feitas sobre o papel do Ministério Público no nosso ordenamento jurídico e a forma como a instituição está estruturada. A constituição brasileira não confere ao MP poder absoluto, diz o jornal. No entanto, é isso que se vê no dia a dia; poder, se não desse tipo, certamente uma autonomia sem controle, com resultados semelhantes aos do poder absoluto, status incompatível com o Estado de Direito. Cada um de seus membros é como se fosse a própria instituição, porque não há hierarquia funcional. Aconteceu, por uma interpretação livre das competências do MP, de muitos procuradores acabarem por tentar impor determinadas formas de organização interna aos órgãos da administração pública. Tenho experiência pessoal com isso, pois certa vez, quando eu era secretário de Meio Ambiente do Estado e achando que a intromissão havia passado dos limites, propus uma troca a certo membro da instituição: ele sentaria em minha cadeira e faria as mudanças que achasse necessárias na estrutura da Secretaria e eu ocuparia a cadeira dele, a fim de exercer rigorosa fiscalização do andamento das mudanças. Ganhei a implicância eterna do indivíduo, de consequências práticas muitos anos depois.
          Chegou- se assim, no decorrer dos anos, em torno dessa situação, ao milagre da infalibilidade ministerial e até à proposição de 10 medidas de combate à corrupção, com uma delas sendo a admissão em juízo de provas ilícitas. Quem as criticasse seria conivente com a corrupção. Mas, graças a Janot, procurador-geral da República, até alguns dias atrás, isso mudou. Ao meter os pés pelas mãos no desempenho de sua função, ele criou condições para se começar a refletir sobre o assunto e, quem sabe consertar a desarrumação institucional do país hoje. Sabe-se lá se quem propuser o debate será considerado corrupto. Ou não, como diz Caetano.

10 de setembro de 2017

Nós vai ser amigo de Janot

Jornal O Estado do Maranhão

          O assunto da hora é o áudio da já famosa conversa entre, de um lado, Joesley Batista, de Goiás, o chefe do grupo JBS, e, de outro lado, o senhor Saud, seu braço direito e esquerdo simultaneamente, quando está em pauta este outro assunto: o oferecimento e repasse de propinas aos mundos político e governamental do Brasil. Como o leitor já sabe, Joesley e seu irmão, Wesley, por falcatruas variadas, assinaram acordo de delação premiada com o MPF, comandado pelo procurador-geral da república, o senhor Janot, cujo mandato termina em pouco mais de uma semana. O acordo serviria para torná-los imunes à Justiça.
          Como é notório, Joesley, muito provavelmente orientado pelo auxiliar mais próximo de Janot, o procurador Marcelo Miller, fez, na “calada da noite”, como gosta de dizer a imprensa, gravações clandestinas de conversa que teve como presidente Temer, como parte do acordo de delação. Nos áudios do diálogo, não há nada a incriminar o presidente, a meu ver e ao ver da maioria das pessoas com acesso à gravação. Mas esse material serviu ao fim de Janot, ansioso por derrubar Temer, de propor ação contra ele. A Câmara dos Deputados, no entanto, recusou a concessão da licença prevista na Constituição, para o STF julgá-lo.
          Fique bem claro. Não estou proclamando a inocência ou a culpa de Temer, porque eu e muita gente não conhecemos a verdade dos fatos. Afirmo apenas isto: a fim de julgá-lo e condená-lo, o MPF tem de apresentar provas das acusações, mas não apenas isso, terá de apresentar provas lícitas. Este critério não está presente, por definição, no flagrante preparado com o fim de gravar a conversa de Joesley com Temer. Se esse princípio básico do Estado de Direito não for atendido, então estaremos numa ditadura. O mesmo vale, por óbvio, a qualquer acusado, seja ele Lula, Palocci, Geddel, Narizinho, Saci Pererê, etc.
          Vamos agora a pequena amostra da conversa de Joesley com Saud:
          “A realidade é: Nós não ‘vai’ ser preso”. [...]. “Nós ‘vai’ acabar virando amigo de Janot” [...]. “Eu ando invocado de comer uma velha por aí. [...]. Acho que vou comer umas duas velhinhas de 50. Casadinhas” [...]. “Você quer conquistar o Marcelo [Miller? É só começar a chamar esse povo [os políticos] de bandido. Ele vai ver que você está do lado dele”.
          Parte da imprensa afirma, na tentativa de mostrar o procurador-geral como o último puro sobre a face da Terra, que ele foi enganado. Bem, se o foi, é um incompetente, pois o teria sido duplamente, por Joesley e por sua perna direita, Marcelo Miller. Este não fez jogo duplo coisa nenhuma. Seus passos eram muito bem acompanhados por seu chefe. Mas, se não foi enganado, ele é parte da conspirata para derrubar o legítimo presidente da República. Esta última hipótese é corroborada pelas claras palavras de Joesley: “Janot está sabendo”. Por muito menos, quase Temer foi derrubado. A presidente do STF, Carmem Lúcia mandou investigar tudo isso. Sabem quem foi o encarregado de comandar a investigação? Sim, o próprio Janot, quando o investigado deveria ser ele.
          Acabamos de correr o risco de sermos dominados por gente desse tipo, que explicitamente queria desmoralizar o Supremo, como vê em trecho do diálogo. É bom estar mais atento daqui em diante.

12 de julho de 2017

Condenação de Lula por Moro

Leiam aqui a parte final da decisão de Moro sobre Lula. O documento original inteiro tem mais de 200 páginas. A numeração, iniciando-se em 948, pois os itens de 1 a 947 não aparecem, é a mesma do documento original.


948. Luiz Inácio Lula da Silva

Para o crime de corrupção ativa: Luiz Inácio Lula da Silva responde a outras ações penais, inclusive perante este Juízo, mas sem ainda julgamento, motivo pelo qual deve ser considerado como sem antecedentes negativos. Conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A prática do crime corrupção envolveu a destinação de dezesseis milhões de reais a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores, um valor muito expressivo. Além disso, o crime foi praticado em um esquema criminoso mais amplo no qual o pagamento de propinas havia se tornado rotina. Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, através da cobrança de preço superior à estimativa, aliás propiciado pela corrupção, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivalente. A culpabilidade é elevada. O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de Presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um Presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes. Isso sem olvidar que o crime se insere em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobras e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada, o que também deve ser valorado negativamente. Tal vetorial também poderia ser enquadrada como negativa a título de personalidade. Considerando três vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção passiva, pena de cinco anos de reclusão.

Reduzo a pena em seis meses pela atenuante do art. 65, I, do CP.

Não cabe a agravante pretendida pelo MPF do art. 62, II, "a", uma vez que seria bis in idem com a causa de aumento do §1o do art. 317 do CP.

Tendo havido a prática de atos de ofício com infração do dever funcional, itens 886-891, aplico a causa de aumento do §1o do art. 317 do CP, elevando-a para seis anos de reclusão.

Fixo multa proporcional para a corrupção em cento e cinquenta dias
multa.

Considerando a dimensão dos crimes e especialmente renda declarada de Luiz Inácio Lula da Silva (evento 3, comp227, cerca de R$ 952.814,00 em lucros e dividendos recebidos da LILS Palestras só no ano de 2016), fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último ato criminoso que fixo em 06/2014.

Para o crime de lavagem: Luiz Inácio Lula da Silva responde a outras ações penais, inclusive perante este Juízo, mas sem ainda julgamento, motivo pelo qual deve ser considerado como sem antecedentes negativos. Conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser consideradas neutras, uma vez que a lavagem consistente na ocultação do real titular do imóvel e do real beneficiário das reformas não se revestiu de especial complexidade. A culpabilidade é elevada. O condenado ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de Presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um Presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes. Isso sem olvidar que o crime se insere em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobras e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada, o que também deve ser valorado negativamente. Considerando uma vetorial negativa, de especial reprovação, fixo, para o crime de lavagem, pena de quatro anos de reclusão.

Reduzo a pena em seis meses pela atenuante do art. 65, I, do CP.

Não há causas de aumento ou de diminuição. Não se aplica a causa de aumento do §4o do art. 1o da Lei n.o 9.613/1998, pois se trata de um único crime de lavagem, sem prática reiterada. Quanto à prática da lavagem por intermédio de organização criminosa, os atos de lavagem ocorreram no âmbito da OAS Empreendimentos e não no âmbito do grupo criminoso organizado para lesar a Petrobrás.

Fixo multa proporcional para a lavagem em trinta e cinco dias multa.

Considerando a dimensão dos crimes e especialmente renda declarada de Luiz Inácio Lula da Silva (evento 3, comp227, cerca de R$ 952.814,00 em lucros e dividendos recebidos da LILS Palestras só no ano de 2016), fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último ato criminoso que fixo em 12/2014.

Entre os crimes de corrupção e de lavagem, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a nove anos e seis meses de reclusão, que reputo definitivas para o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Quanto às multas deverão ser convertidas em valor e somadas.

Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena. A progressão de regime fica, em princípio, condicionada à reparação do dano no termos do art. 33, §4o, do CP.

949. Em decorrência da condenação pelo crime de lavagem, decreto, com base no art. 7o, II, da Lei no 9.613/1998, a interdição de José Adelmário Pinheiro Filho e Luiz Inácio Lula da Silva, para o exercício de cargo ou função pública ou de diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9o da mesma lei pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade.

950. Considerando que o apartamento 164-A, triplex, Edifício Salina, Condomínio Solaris, no Guarujá, matrícula 104801 do Registro de Imóveis do Guarujá, é produto de crime de corrupção e de lavagem de dinheiro, decreto o confisco, com base no art. 91, II, "b", do CP.

951. A fim de assegurar o confisco, decreto o sequestro sobre o referido bem. Independentemente do trânsito em julgado, expeça-se precatória para lavratura do termo de sequestro e para registrar o confisco junto ao Registro de Imóveis. Desnecessária no momento avaliação do bem.

952. Independentemente do trânsito em julgado, oficie-se ao Juízo no processo de recuperação judicial que tramita perante a 1a Vara de Falência e Recuperações Judiciais da Justiça Estadual de São Paulo (processo 0018687-94.2015.8.26.01000), informando o sequestro e confisco do bem como produto de crime e que, portanto, ele não pode mais ser considerado como garantia em processos cíveis.

953. Necessário estimar o valor mínimo para reparação dos danos decorrentes do crime, nos termos do art. 387, IV, do CPP. O MPF calculou o valor com base no total da vantagem indevida acertada nos contratos do Consórcio CONPAR e RNEST/CONEST, em cerca de 3% sobre o valor deles. Reputa-se, mais apropriado, como valor mínimo limitá-lo ao montante destinado à conta corrente geral de propinas do Grupo OAS com agentes do Partido dos Trabalhadores, ou seja, em dezesseis milhões de reais, a ser corrigido monetariamente e agregado de 0,5% de juros simples ao mês a partir de 10/12/2009. Evidentemente, no cálculo da indenização, deverão ser descontados os valores confiscados relativamente ao apartamento.

954. Independentemente do trânsito em julgado, levanto a apreensão autorizada no processo 5006617-29.2016.4.04.7000 sobre o acervo presidencial que se encontra atualmente depositado e lacrado junto ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, não havendo mais motivo para mantê-lo.

955. Deverão os condenados também arcar com as custas processuais.

956. José Adelmário Pinheiro Filho está preso cautelarmente por outro processo, ação penal 5022179-78.2016.4.04.7000, e logo dará início ao cumprimento da pena da condenação em segunda instância na ação penal 5083376-05.2014.4.04.7000. Agenor Franklin Magalhães Medeiros logo dará início ao cumprimento da pena da condenação em segunda instância na ação penal 5083376-05.2014.4.04.7000. No contexto, desnecessário impor-lhes também na presente ação penal a prisão preventiva.

957. O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu ao processo em liberdade. Há depoimentos de pelo menos duas pessoas no sentido de que ele teria orientado a destruição de provas, de José Adelmário Pinheiro Filho (itens 536-537) tomado neste processo, e ainda de Renato de Souza Duque. O depoimento deste último foi tomado, porém, em outra ação penal, de no 5054932- 88.2016.4.04.7000.

958. Como defesa na presente ação penal, tem ele, orientado por seus advogados, adotado táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado, com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. Até mesmo promoveu ação de indenização contra testemunha e que foi julgada improcedente, além de ação de indenização contra jornalistas que revelaram fatos relevantes sobre o presente caso, também julgada improcedente (tópico II.1 a II.4). Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que se assumir o poder irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal (05 de maio de 2017, "se eles não me prenderem logo quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam, conformehttp://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/se-eles-nao-me-prenderem-logo-quem-sabe-eu-mando-prende-los-diz-lula/). Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever.

959. Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

960. Entrentanto, considerando que a prisão cautelar de um ex- Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade.

961. Por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável que um ex-Presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei. Prevalece, enfim, o ditado "não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você" (uma adaptação livre de "be you never so high the law is above you").

962. Transitada em julgado, lancem o nome dos condenados no rol dos culpados. Procedam-se às anotações e comunicações de praxe (inclusive ao TRE, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal).

Curitiba, 12 de julho de 2017. 


11 de julho de 2017

Aos progressistas

Luiz Alfredo Raposo


Economista

Fomos às ruas pela saída da fabricante de uma mega-calamidade econômica. A chefe de governo cega e surda à maior roubalheira da história universal da infâmia. O animal político que findou sem apoio congressual do próprio partido (vide DRU 2015). Com um time de bambas, o substituto faz um programa econômico sensato e muda a gestão das estatais. Melhora o jogo com o Congresso e não perde uma. Começa a funcionar e maio era o mês das reformas. Indigestas à alta burocracia e à elite sindical, sem elas, dizia o governo, o que víamos não passava de uma visita da saúde. Depois, sabia Deus... Tudo tomava jeito de final feliz, quando vem o suspeitíssimo episódio da gravação do empresário-delator.

Gravação de banalidade atroz. O notável era ir alguém, com o placet de altas autoridades, espionar o chefe da Nação. Mas aí entra a coisa nossa da inversão da culpa: o crime está, não em estuprar ou espionar, mas em ser estuprado ou espionado. Lembram o ex-presidente do BNDES (1998), grampeado querendo botar competição num leilão de teles? A inversão da culpa juntou-se aqui à espantosa postura das autoridades judiciárias, ao alarido de certa mídia e à onda moralista que a Lava Jato levantou e o ardor dos jovens-turcos do MP engrossou. O moralista não sabe que o melhor é prevenir. E só vê remédio em fogueira para os corruptos e rejeição em bloco do fazer político. Nesse caldo cozinha-se a crise político-institucional que põe o país em clima de saloon.

E grupos de centro-esquerda depressa gritam Fora Temer! O presidente recebeu e ouviu! Visionarismo ou coisa de casaca? Mais pungente: jornada interior, rumo à infância de sacristia. Ao moralismo chapado, à manjada “beatice pequeno-burguesa”. Ao nojo dos métodos políticos. À assimilação de acordo a conchavo, falcatrua. À incompreensão de que o jogo supõe dois lados. À satanização do interesse particular. Adeus, anos de estudo do pensamento político, do caráter superestrutural de moral e política, agora basta a pruderie. E Temer é mostruário dos vícios da velha política. Mas que dizer do espião de topete e das togas complacentes?

Olhem para trás. Temer não fez tudo ao contrário de Dilma? Imaginem um vice do PT, PCdoB! Não vale nada que o PIB se recupere, cessem as demissões, a inflação e os juros caiam forte? Fez-se algo de maior efeito moral do que faxinar Petrobras, BNDES etc.? Não foi grandeza propor saneamento de longo prazo com reformas, à custa de popularidade? Olhem para a frente. Não trará o ocaso de Temer o fim das reformas? E sem o apoio do centro, nada delas nem de retomada firme, trunfo único do modelo atual? E não cairemos nos guerreiros do aventureirismo, na falta de escrúpulos que deu no que deu, ou num milagreiro saído do limbo? As pesquisas estão aí, escolham!

11 de junho de 2017

O Paraíso-presídio

Jornal O Estado do Maranhão

          Em verdade vos digo, limpeza ética total, de anúncio de detergente, não foi feita para este mundo sublunar, é tão só tarefa do mundo de Janot e de seus bem-aventurados companheiros de MPF. Ninguém tão puro como eles. E eis que, comovidos, assistimos à tentativa deles de criar no trópico o “novo homem”, à sua imagem e semelhança, perfeito, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê, em tudo diferente do velho conhecido nosso, já nascido em pecado, feito de desejo e de pó, como no poema de Auden, com defeito e virtude, egoísmo e altruísmo (mesmo que este possa ser uma forma disfarçada de egoísmo, como dizem os céticos extremados).
          Falta a esse pessoal o estudo da História, com agá maiúsculo. Os bolcheviques russos também cederam à tentação dessa utopia e partiram para a criação do novo homem e do paraíso proletário sobre a Terra. Mas, erraram a mão, usaram o que a história mostra ser a receita da tirania: negaram-se a criar instituições capazes de domar os instintos humanos mais nocivos à vida social e deixar florescer em liberdade os demais, benéficos. Quando perceberam resistência do homem de antes, mandaram às favas a solidariedade e decidiram ir em frente. O sofrimento gerado pela fome e tortura dele seria preço justo pela felicidade das novas e radiosas gerações. No fim, criaram, sobre os cadáveres de milhões, o homem novo e infeliz e se fizeram casta à parte, uns iluminados pela barbárie e pela convicção da justeza de sua missão redentora. Pelo que, em língua inglesa, se chama pejorativamente “self-righteousness”, a certeza da superioridade moral sobre o homem médio, nós, pobres cidadãos comuns.
          Aqui também, agora, se gesta o embate dos poucos bons em prol do novo homem e contra tudo o que há de degradado nos filhos de Eva. E ai de quem recalcitrar, agarrado à tábua das leis. Ele não será ouvido e sua voz soará no deserto. E ninguém fiscalizará os fiscais, na nobre missão. Alegria é soltar os mastins, que trabalharão, sem freio nenhum, varrendo da Terra Brasilis os impuros de coração, os pecadores sem remissão. De quebra (resta sempre em nós um pouco de nossos pais), ficará na boca aquele gostinho perverso de vingança.
          O trabalho será para infindáveis gerações. Feita a primeira limpeza, com o afastamento dos corruptos, uma segunda, uma terceira e infinitas outras serão necessárias, pois, como Janot sabe, a espécie humana é o que é. Não o bom selvagem de Rousseau nem o homo lupus hominis de Hobbes. Somos os dois. Limpeza assim talvez termine criando um paraíso-presídio, ou limpando para sempre o território da espécie zoológica homo sapiens.
          A fim de escapar à dependência dessa natureza boa e má, melhor seria acordar, encarar a tarefa do modo certo e edificar não um mundo-presídio, mas algo cuja arquitetura institucional desencoraje o mal e incentive o bem geral, sem necessidade de messias nem de mastins nem de professores de moral nem de antônios conselheiros. Mas com trancas e cadeados nos lugares certos. Assim, Janot, esse anjo atormentado, enfim nos deixará em paz.

30 de maio de 2017

Um substituto para Temer


Por Luiz Alfredo Raposo
Economista
Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 30/5/2017

Dobrado o cabo dos 70, adeus tempo do acanhamentoDe calar ou medir as palavrasante um perigo grave e claríssimoDaí o mandamento deste bilhete. Contra a corrente, sim. Embebido, porém, de algo que Unamunoformulou como ninguémviviré esperándoteEsperanza!
Vejamos: o quadro fiscal é grave. O déficit primário federal de 2017 deve ir a R$ 200 bi(lhões)Com os juros, de uns R$ 300 bi, eleva-se a dívida pública federal (R$3,2 tri) em 15%! Alucinante e insustentável. Nesse ritmo, emquatro anos, o Tesouro estará com água pelo nariz. E o Banco Central, é a cara feia da necessidade, passará à função (inconstitucional) de financiador do Tesouro.Recebidos os títulos, os pagará e reterá ou revenderá com deságios (prejuízos) cada vez maiores. É o cataclismo da moeda falsa, da quebradeira do Estado, da  hiperinflação. 
Ora, apenas para não brigar com os fatoso governo tem combatido bem. Equipe econômica de primeira, com a agenda certa. Estatais críticas em mãos de executivos tarimbadosTime de craques no jogo político (no Palácio, Padilha, Moreira Franco, Imbassahy; no Congresso, Jucá, André Moura, Aguinaldo Ribeiro e outros). Liderados por um “treinador” que conhecem e admiram há décadas, eles têm entregue sua alma política: sangue frio, suor e lábia. Resultado: a economia melhora. E nos matchscongressuais, mesmo os mais exigentes, o governo saiu vitorioso. Prorrogação e aumento da DRU, lei de repatriação de recursos, PEC do Teto, lei de liberalização da exploração do pré-sal, lei de reforma curricular do ensino médio, liberação do FGTS inativo etc.
Agora, são as reformas trabalhista e previdenciária que, decisivas para deter o desastre, navegam CONTRAinteresses enormes, nunca dantes afetados. E é numa hora assim que vem essa tormenta FABRICADASim, por tudo o que sei, o que houve foi uma dupla de meliantes que tentou flagrar Temer nu, pelo buraco da fechadura. E gravou uma conversa como tantas outras, duas ou três palavrinhas que, vai-se ver, nada dizem. Mas na mídia,aquele auêE um criminoso: a vítima!
Temer sente, claudica, se abate, e vem logo a procura deuma “solução”, um substituto. União nacional?Impossível! Como  negociar com quem recusreformas que, só elas, tirarão o país do atoleiro? Nem interlocutor haveria, inconcebível o diálogo com um capo di mafia réu em meia dúzia de ações criminais e, talvez, em breve condenado. E o grupo no poder? O PMDB não tem candidato, mas aceita um do PSDB? E ninguém de fora da classe política será escolhido, é minha aposta. Nem freira, nem beletrista... Quem entrar topará com o PT de sempre. E, entre os seus, avulso e sem divisas, gozará damesma ascendência e viverá (ou morrerá) dos mesmossustos que um tratador novato num zoo. Que esperar daí?A conclusão é que, antes coxo que tonto, o melhor substituto para Temer é Temer.

28 de maio de 2017

A favor da lei

Jornal O Estado do Maranhão

          Quando a confusão destes dias era menos frenética, em 17/5/2017, às 5:30 h, eu falava, em post no Facebook, da falta de base legal da decisão judicial de primeira instância, de interdição do Instituto Lula: “Era como interditar o prédio de um Ministério porque o ministro trambiqueiro fez reuniões suspeitas em seu gabinete, localizado no edifício”. Bem antes, reclamei da ilegalidade cometida pelo juiz Moro, ao fazer pública uma gravação de Dilma com Lula. Ela dizia ao ex-presidente que acabara de enviar, por “Bessias”, decreto de sua nomeação para cargo no Palácio do Planalto. Havia a presidente da República no áudio, embora ela não fosse o objeto da escuta. Só o STF poderia dar autorização. O ministro Teori deu um pito em Moro e proibiu a divulgação.
          Critiquei, ainda, por ditatoriais, algumas das chamadas 10 medidas de combate à corrupção, como a da aceitação em juízo de prova obtida ilegalmente e publiquei crônica, aqui no jornal, com o título “Medidas e medidas”, em 5/3/2017, falando disso. Disse em diversas ocasiões que nem para prender Lula, a quem considero chefe do Mensalão e do Petrolão, eu admitiria passar por cima da lei. Meu perfil no Facebook, os arquivos deste jornal e meu blog estão aí. Quem desejar, poderá conferir.
          Critico agora, pelo mesmo motivo, qual seja a preservação da legalidade, sem a qual não há democracia, a armadilha do flagrante, de fato uma pegadinha, preparada pelo chefe do Ministério Público para incriminar Temer. Como o Estadão afirmou em recente editorial, “há mais que indícios de que o sr. Janot já não sabe onde se situa o norte firme da lei e da Constituição”.
          Não sabe, sim, uma vez considerado outro episódio de sua atuação heterodoxa, aquele de outra divulgação, desta vez da conversa do jornalista Reinaldo Azevedo com Andreia Neves, irmã de Aécio Neves, uma de suas fontes de informação. O sigilo da relação entre esses dois é protegido constitucionalmente, como entre outros, lembrou o decano do STF, Celso de Melo, e não pode ser revelado, se não tem nada a ver com o inquérito. A PF diz não ter revelado nada, o MP também, assim como o ministro Fachin. É como uma caneta que você deixa em cima da mesa, enquanto vai depressinha ali à sua biblioteca. Na volta, você pergunta a todos em casa se sabem quem a levou do lugar onde estava. Não foi ninguém, de onde se conclui que a caneta andou sozinha. Da mesma forma, a gravação. Foi parar no processo sem ninguém levá-la, foi andando.
          O importante, porém, é ter em mente isto: não poderemos superar a atual crise, herança do período petista de governo, sem o inflexível cumprimento da lei. A visão de Janot e da força-tarefa da Lava-Jato, sobre imaginada podridão de todo os agentes públicos, com exceção dos membros do MP, hipótese não provada pela experiência histórica, além de errada, é perigosa, porque, uma vez eliminada a atividade política, estará morta a democracia. O combate à corrupção não pode se confundir com missões evangélicas nem com fanatismos religiosos, em especial se seus entusiastas nunca passaram pelo teste do mundo real. Precisamos não de procurar santos com uma lanterna no meio do dia, mas de sólidas instituições, desenhadas para resistir à falibilidade humana.

22 de maio de 2017

Força, Temer

Por Luiz Alfredo Raposo
O caso é o seguinte: Temer vinha trabalhando direitinho. Tinha a agenda certa e estava a realizá-la com habilidade. Resultado, o temporal aos poucos se dissipava: a produção ensaiava uma recuperação, depois de nove trimestres seguidos de queda contínua; a inflação anualizada despencara dos dois dígitos, em 2015, para pouco mais de 4%; as demissões estancaram, e, em fevereiro e abril, o quadro até se reverteu. Faltava, para dar força e estabilidade ao movimento de recuperação, resolver a grave questão do déficit primário crescente, diluvial que apareceu, desde 2013-14, no Orçamento da União (e dos Estados). Déficit que contamina a economia, desencorajando os investimentos e o próprio consumo de bens duráveis. E que levou à queda desastrosa da demanda e à crise econômica.
A solução era uma reforma previdenciária, que atenuasse o crescimento da despesa-mãe desse déficit, a despesa previdenciária. A demografia passou a trabalhar contra e, agora, a onda de pessoas chegando à idade de aposentadoria supera cada ano mais o contingente dos que chegam à idade produtiva (e isso, prevê o IBGE, vai durar uma geração). E, o que é ótimo, mas tem implicações sobre as contas da Previdência, os aposentados vivem cada vez mais: passam mais tempo nas costas dela. Deselegante um programa mata-velhos (tipo aposentadoria por dez anos), o jeito era a reforma nas regras, que levasse a um adiamento da aposentação e, sobretudo, a uma redução da média dos benefícios.
Particularmente grave é a situação da Previdência pública, onde a aposentadoria média é de sete vezes a média do INSS. Para operar a redução, era forçoso um rebaixamento de teto e o governo, corajosamente, propôs para o funcionalismo o mesmo teto do INSS. Aposentadoria maior? Paguem os interessados um plano de previdência complementar, nos moldes do que eu, funcionário de carreira de uma estatal, pago há 40 anos, mesmo já aposentado. E me consome perto de 11% do complemento.  Isso, é claro, mexe com a alta burocracia: juízes, procuradores, delegados, auditores etc. Não obstante a previsão de um período de transição, que cobra pouco dos que já atingiram a reta de chegada. Mas a grita tem sido grande contra “a perda de direitos dos trabalhadores”, embora os direitos que a reforma atingirá sejam esses, da camada mais alta, em geral esclarecida e progressista, alistada na luta contra as desigualdades sociais...
Era preciso também favorecer a empregabilidade, modernizando a legislação. Editada 70 anos atrás, ela hoje dificulta de tal forma o emprego que, no momento atual, em que a produção se recupera, o contingente de desempregados continua a aumentar. Em particular, o movimento de contratações ainda é nulo, quando a economia já cresce a um ritmo superior a 1% a.a. Pois bem, É DESSAS MEDIDAS E DE OUTRAS DO TIPO QUE DEPENDE NOSSA VIDA, NOSSO BEM-ESTAR! O governo atual teve a coragem de apresentar propostas em favor das quais, nos anteriores, apenas algumas vozes isoladas falavam timidamente. No Congresso, elas foram bastante “abrandadas”, à custa de muita negociação. A previdenciária, na versão final, já chegou a ser chamada de meia-reforma... É a possível, foi a constatação do governo.  Ficaram, neste mês de maio, prontas para serem votadas. E é aí que se desfere o golpe que põe o governo e o país em knock down.
Como foi? Um empresário sob investigação, conhecido como grande financiador de políticos (sua lista contém cerca de 1.900 deles), resolve no passado mês de março fazer uma delação premiada. Jogo interessante entre o crime e a Justiça, que começa por uma proposta desta: me descobre um crime encoberto de alguém, e eu te dispenso de pagar por crimes teus já descobertos. Os estatísticos do futuro vão se divertir, calculando a taxa de impunidade associada a esse jogo. Enquanto isso, a delação vai se enriquecendo de variantes e modalidades. Assim é que, segundo a versão mais difundida (há outra que inverte a ordem dos eventos), o tal empresário, assinado o contrato, consegue de um juiz da Corte Suprema autorização para ESPIONAR o presidente da República. Não é estranho? Esse juiz, dada a gravidade do fato, apesar de pessoal e sigilosa a atribuição, deveria pelo menos ter consultado antes a presidente do STF. Ou algum colega de reconhecida serenidade e discrição. Consultou? Não há notícia, até prova em contrário concedeu sozinho essa autêntica carta de corso. Fosse o tal empresário apresar o que encontrasse. Ao que tudo indica, prometia ele provas do envolvimento do presidente em safadeza grossa, no âmbito da Lava Jato. E, não bastasse a autorização recebida, ainda lhe foram oferecidos pela PGR e PF treinamento e meios para realizar sua operação. Tudo preparado com minúcias de folhetim, cuidados de diretor montando uma cena de novela de TV. Não é estranho?
Solicitado, depois de alguma relutância (confessa o delator), o presidente recebe-o em casa para uma conversa informal, tarde da noite. E a paixão anti-Temer vê crime no fato de o presidente receber o delator, receber em casa, receber informalmente, em horário avançado. Crimes novos, nunca dantes cogitados, acautelem-se os cidadãos. Agora, há o crime de receber, de ouvir e até de admitir visitas depois do horário costumeiro... Quem cogita a hipótese de terem tais circunstâncias sido ditadas pela agenda do chefe do Executivo, que não se sabe quão sobrecarregada estava?   Mas o certo é que o delator volta com uma gravação, e o que se ouve? Trechos de uma conversa protocolar, onde a primeira palavra do delator é declarar o caráter de cortesia da visita  e contabilizar o “muito” tempo, desde o último contato pessoal entre ambos. E o presidente já se livra aí, pelo menos para mim, da suspeita de uma societas sceleris, de uma éntente criminosa permanente com o delator. Dois sócios em qualquer atividade não passam tanto tempo assim sem se falar...
Depois, o delator se queixa de dificuldades de atendimento no BNDES. Queixa sintomática, sinal de que os tempos não são mais aqueles em que ele levantou bilhões de reais para se expandir, comprando empresas (investimento financeiro tradicionalmente fora do escopo do Banco e fora do Brasil, mas tornado usual na era dos campeões nacionais). Faz também alguns pedidos. O presidente transfere-os para um assessor. Um governador, um prefeito de qualquer cidade maior que faria num caso assim? Pegaria a caneta, iria preencher formulários e despachar os pedidos, responder diretamente às reclamações? Claro que não, faria o mesmo que o presidente E o presidente declarou sábado que nenhum desses pedidos foi atendido. E isso não foi negado até aqui. Onde, então, qualquer jogo de favores?
E vem, agora, o ponto crucial. Começa o delator a falar do “Eduardo” e, após referir uma mesada que estaria lhe dando (a fita fica meio obscura porque há ruídos e não se tem a contextualização do caso), ouve do presidente algo que soa como uma aprovação. Pronto, era a prova criminis esperada, pelos investigadores. E eu acho estranha essa prova. Se o delator contou o fato, o presidente claramente não sabia dele. E se falou de doações até prova em contrário sem fins ilícitos, não ver nelas nada grave tampouco configura crime. Nem uma ordem: o delator já estava contando o que fizera, sem precisar de ordem ou pedido algum.
Além do mais, aceitar tal “prova” remete universo do contrafactual. O que a imprensa divulgou, nos últimos meses foi, um, que a Justiça decidira negar a Cunha o benefício da delação premiada. Marcá-lo para exemplo e escarmento das gentes, mantê-lo até o fim seus dias no xilindró, para que todos se convençam de que, doravante, corrupção ativa ou passiva é crime que não compensa neste país. Dois, que, bloqueados seus bens e disponibilidades, estaria ele sem recursos para o pagamento dos advogados.
Suponhamos, porém, a pior hipótese: que o presidente temesse que Cunha, com ou sem delação, resolvesse abrir a boca para acusá-lo (de que?): quando é que isso aconteceria? Se demorasse um mês, já encontraria sua missão presidencial praticamente cumprida, aprovadas as reformas. Donde se conclui que não poderia um escândalo desses ter chegado em tão boa hora para os opositores. Ainda a tempo de defenestrar Temer e enviar seus projetos das reformas para o arquivo morto da história.
Mas, o mais estranho de tudo é que, dada (ou não) a ordem de espionagem, um juiz aceite como válida e se apresse em dar a público uma gravação que não atende ao requisito da lei: servir de instrumento de defesa ao delator. Em nenhum momento aparece ele sob ataque, sofrendo chantagem ou recebendo “cantadas” para praticar alguma imoralidade. Só uma explicação me ocorre: o ministro Fachin, nesse período, andou possuído de uma fúria punitiva como quase nunca se vê na proba carreira de um magistrado como ele. Talvez também tenha tido ganas de provar à opinião pública o poder de protagonismo do STF, algo obscurecido pela ação da Lava Jato. As reformas, o Brasil, o Brasil que se exploda, como diria aquele personagem humorístico.
Ah, numa hora dessas nem o humor negro se permite. O jovem Nietzsche ficou famoso com sua tese doutoral, intitulada O Nascimento da Tragédia. Enquanto escrevo, estou a acariciar a lombada do exemplar que possuo, em edição espanhola da Alianza Editorial. Nela vem a explicação: fatalistas como eram os gregos, para eles a tragédia se dava quando os personagens entravam em luta, movidos por paixões contrárias a seus interesses, a suas pulsões vitais. O Brasil vive à beira dessa hora agônica.  Dançam e cantam os adversários em volta de um governo ferido, dando como certo que liquidarão, com sua vida, sua obra nascente. Se tiverem forças para tanto (e brigo e rezo para que não tenham), e completarem esse trabalho, depois as paixões impedirão a saída. Procurarão o santo homem que nos redima, mas mesmo que o encontrem, é certo que seu caminho será de pedras. A santidade o perderá. E eu me lembro daquele que os cristãos consideram o santo dos santos e se findou numa cruz, entre dois malfeitores. Por decisão dos eleitores, que preferiram Barrabás... E o Barrabás de hoje poderia ir flanar livre e leve pelas ruas de Nova Iorque. Seja lá como for, uma coisa é certa: perpetrada uma enormidade dessas, o Brasil, com todos nós dentro, no prazo de cinco anos, regressará ao caos bíblico original. Podem anotar.
Recife, maio/2017

Machado de Assis no Amazon