22 de fevereiro de 2009

O Mínimo do Mínimo




Jornal O Estado do Maranhão


A imprensa costuma se referir à elevação anual da massa de salário proporcionada pela elevação do mínimo como equivalente ao crescimento do consumo global da economia. A Folha de S. Paulo recentemente deu em manchete: "Aumento do mínimo injeta R$ 21 bilhões e reduz crise", acrescentando que esse dinheiro todo ajudaria o setor de alimentos. De fato, o aumento do mínimo, a curto prazo, elevará a demanda por alimentos de parte das classes de renda mais baixas. O problema é saber se mais à frente essa demanda será mantida, ou seja, se o eventual aumento de hoje se manterá em termos reais pouco adiante.
Qualquer leitor atento, todavia, poderá fazer a pergunta óbvia: Se por um simples decreto relativo ao salário mínimo, foi possível ao governo "injetar" na economia aquela montanha de dinheiro, por que então não injetou logo, pelo mesmo decreto, R$ 42 bilhões, R$ 84 bilhões ou um R$ 1 trilhão, acabando de uma só canetada com a crise econômica? O leitor faria, então, uma segunda pergunta óbvia: Saiu do cofre de quem essa bolada? Foi o governo o criador desse dinheiro todo? Como?
Como qualquer estudante de economia do primeiro período saberá, apesar da péssima qualidade do nosso ensino universitário, se o custo de um serviço que o consumidor adquire se eleva e sua própria renda não, isto é, se o seu salário fica onde estava, então ele estará transferindo renda aos beneficiários dessa elevação, neste caso os trabalhadores de salário mínimo.
Tomemos como exemplo o vigia que o proprietário de um castelo em Minas Gerais, nem em sonho pertencente a um deputado corregedor da Câmara, paga com o fim de evitar assaltos ao imóvel. Afinal, ele não gostaria de dar 100 anos de perdão a ninguém. Se os rendimentos do dono do imóvel não aumentarem a fim de compensar o pagamento adicional que terá de fazer, então, na prática, ele irá transferir parte do que ganha ao vigia, ou diminuir sua poupança ou então abrir mão do serviço. Deixo de fora, em benefício da simplificação da exposição, os efeitos sobre os lucros e investimento das empresas.
A Folha quase acertou ao falar em crescimento da demanda por alimentos porque, em verdade, o efeito do aumento do mínimo se fará sentir por meio das propensões ao consumo das diversas classes de renda. Ela é de 1, para as de renda mais baixas, significando que aumentos de seu salário será consumido imediatamente e não poupado.
Como aquele estudante também saberá – sejamos bondosos e façamos a suposição –, o resultado final, em termos de aumento do consumo global, será determinado pela diferença entre a propensão ao consumo (igual a 1) desta última classe de consumidores e a propensão (menor do que 1) da classe de renda mais alta, que, como já vimos, terá parte de seus rendimentos transferida para outro grupo.
Em termos numéricos e de maneira simplificada, seria assim. Independentemente de qualquer alteração no salário mínimo, um fluxo de renda de R$ 21 bilhões das classes de renda mais elevadas não são gastos em sua totalidade, gerando - se a propensão delas a consumir for menor do que 1, digamos de 0,8 - um consumo de R$ 16,8 bilhões (propensão de 0,8 x R$ 21 bilhões). Se transferidos para os trabalhadores, após o incremento do mínimo, esses mesmos R$ 21 bilhões seriam agora gastos em sua totalidade, gerando, dessa forma não R$ 16,8 bilhões, mas R$ 21 bilhões de consumo (propensão de 1 x R$ 21 bilhões). Portanto o aumento adicional ou líquido no consumo global seria de R$ 4,2 bilhões (R$ 21 bilhões consumidos agora menos R$ 16,8 bilhões, anteriormente, antes da transferência induzida pelo aumento do mínimo). Significa dizer tão só 20% de R$ 21 bilhões. Assim, foram "injetados" no consumo parte relativamente pequena da "injeção". Foi apenas o mínimo do mínimo.

15 de fevereiro de 2009

Fora o Fica

Jornal O Estado do Maranhão

Têm sido recorrentes propostas feitas por parlamentares de permissão de um terceiro mandato presidencial, sob o argumento da vigente popularidade do presidente. Se ele está bem, pelo menos na opinião da maioria, por que mudar? Melhor, argumentam, é deixar as coisas como estão, em que pese a possibilidade de piora na avaliação de Lula por causa da crise econômica. Mudanças na forma como o governo é avaliado ainda não se materializaram, penso eu, porque, no Brasil, apenas agora os efeitos dos problemas econômicos globais começam a apresentar efeitos relevantes em termos de aumento no desemprego e diminuição da renda das famílias.
Usando uma surrada metáfora futebolística tão ao gosto de Lula, em time que está ganhando não se mexe. Mexa-se até na Constituição, com o fim de permitir duas, ou, quem sabe, um número ilimitado de reeleições, mas não na equipe e muito menos no técnico. Com mais conveniência ainda, mantenha-se o presidente do time Brasil.
Tudo isso me faz lembrar o que escrevi em crônica de 10 de junho de 2001, há quase oito anos, portanto, com o título “Fora o ‘fora’”. Eu fazia comentários sobre a prática da época, do antigo PT, de querer botar para fora do cargo o então presidente toda vez que a popularidade dele caía. Quando subia, não se ouvia nenhum “fica”. Minhas palavras: “Tornou-se um reflexo condicionado, pavloviano, da oposição, o grito ‘fora FHC’, toda vez que se anuncia uma queda na popularidade do presidente. Começa-se a falar logo em impeachment e outras formas de tirá-lo do cargo. Essa atitude é uma faca de dois gumes. Se funcionasse, hoje, contra o governo, com mais força funcionaria contra a oposição, caso ela viesse a ser governo. Grande seria a vulnerabilidade a esse grito, somente para exemplificar, de um eventual governo de Lula.”
O alarido voltou, mas com o sinal invertido. Em vez de “fora”, tentativa de golpe por quebra de mandato, o que se ouve nestes dias é “fica”, tentativa por colagem de mandatos. Entenda-se bem, porém. O grito parte, pelo menos o ostensivo, de figuras inexpressivas da política brasileira, mas não deixa de ter repercussão, sintoma claro da existência de ocultas vozes de apoio, em silêncio por enquanto, das quais as audíveis são o reflexo. Mas ele não deixa, também, de refletir, por contraste, a maturidade institucional alcançada pelo país, como se percebe pela reação negativa à ideia de parte de amplos setores da sociedade. Já não existe no Brasil ambiente de aceitação do caos institucional que seria um governo cuja continuidade dependesse de pesquisas de opinião. Governo Ibópico, vamos dizer.
Devemos ter em mente – repito o que já disse em outras ocasiões – a inafastável impossibilidade de governar-se com base em pesquisas de opinião, ante o volátil e adúltero humor do eleitorado. Este avalia o desempenho dos governos, em primeiro lugar, com base na economia. Grosso modo, se esta vai bem, o governo é bem avaliado. Se vai mal, dá-se o inverso. Aos olhos do eleitor, existe uma associação, nem sempre de fato existente, entre governo e situação da economia. Quem poderá garantir que a popularidade do atual governo não irá cair quando todos os efeitos da crise se fizerem sentir? Se for esta a situação em futuro próximo, seria o caso de gritar “fora Lula”? De removê-lo do poder por meio de um golpe de Estado?
Franklin Roosevelt foi eleito para quatro mandatos presidenciais sucessivos. Poderia obter outros, sem limite. Morreu no exercício do quarto, tendo governado de 1933 a 1945.. Depois disso, a Emenda 22 à Constituição dos Estados Unidos limitou a reeleição a apenas uma. Na Venezuela, vemos Chávez tentar impor o caminho do continuísmo e, mais à frente, ditadura. Qual desses exemplos queremos seguir?
Grito, só um: fora o “fica”. 

1 de fevereiro de 2009

Barak Hussein

Jornal O Estado do Maranhão,

Barak Hussein Obama contrariou os desejos dos serviços de segurança dos Estados Unidos ao determinar que as normas até agora vigentes de uso de telefone celular pelo presidente mudem: “Eu mesmo uso o meu e, por favor, providenciem um à prova de escuta”. Se não foi exatamente assim, disse a mesma coisa com outras palavras. O mesmo vale com respeito ao uso da internet por ele. Conhecedor da rede mundial como usuário experiente, o presidente americano deseja enviar e receber seus próprios e-mails pessoais, sem ninguém servindo de intermediário, bisbilhotando sua conversa com a mulher, filhas e cachorro.
O presidente começa a colocar sua marca nas políticas interna e externa americanas. Um enviado especial já está no Oriente Médio com a missão de tratar do conflito entre israelitas e palestino. Esperam-se daqui em diante abordagens menos parciais em favor de Israel de parte dos Estados Unidos. A vergonhosa prisão de Guantánamo, centro de tortura oficial, localizada em território cubano e administrada pelos americanos, em breve será passado a ser esquecido. As relações com Cuba têm chance de melhorar e a retirada das tropas americanas do Iraque são uma possibilidade de realização iminente. Na frente interna, Obama acaba de aprovar na Câmara dos Deputados pacote de ajuda à economia, alternativa infinitamente melhor do que cruzar os braços e esperar as empresas, grandes e pequenas, irem para o buraco junto com milhões de empregos. Quem tiver melhor solução, por favor levante o braço.
Ninguém, naturalmente, cometerá o erro de pensar que uma superpotência como os Estados Unidos de repente deixará de defender pela força, se preciso, seus interesses vitais no mundo. Nenhuma nação, tendo a capacidade de assim agir, deixará de fazê-lo. Agora, porém, os americanos não revogarão consolidados ideais dos pais fundadores, como o direito a julgamento justo e renúncia à tortura. Sabe-se de métodos ilegais de combate ao inimigo muitas vezes usados por eles em suas incursões militares pelo mundo. Contudo, sempre pagaram um tributo retórico a princípios humanitários tradicionalmente adotados em seu próprio território, apesar das imperfeições de seu sistema político.
Bush quebrou uma longa tradição ao implantar formalmente o uso de tortura no exterior a fim de obter informações de prisioneiros. Renunciou a princípios, implantou a barbárie legalizada. No entanto, nenhum outro país tem a capacidade americana de se reinventar permanentemente, como acaba de acontecer com a eleição de Obama, negro, filho de africano não escravizado, a não ser pelo álcool, e mãe branca não convencional. Ele teve vivência no maior país muçulmano do mundo, a Indonésia, nasceu no distante Havaí, mas seu mandato de senador é do tradicional Illinois. De mulçumano tem também o nome, Hussein.
Há esperança, sim. De onde surgiu esse homem, pergunta Saramago. Pretendo ver no inegável e permanente renascer ianque esse nascer de Obama. Tal fenômeno, não deveria ser visto como tão inesperado. Não consigo imaginar, por exemplo, um filho de argelino governando a França nem de um de turco, a Alemanha. Isso diz muita coisa. Essa a grande força simbólica americana, todavia real.
Obama é homem antenado com o mundo moderno. Entende as potencialidades da moderna tecnologia, como se vê de sua intimidade com a internet, chave do sucesso de sua campanha, que por esse meio e partindo do zero, captou contribuições de milhares de pequenos doadores, mudando a ênfase anterior nos grandes, na política americana.
As mudanças em início de implantação não são apenas de políticas, mas de visão do mundo e do ser humano e do papel de uma grande potência eocnômico-militar. Ele dá a impressão de ser um político honesto. Seria ocioso dizer mais que isto. Sim, há esperança.

Machado de Assis no Amazon