24 de agosto de 2014

Leandro, um garoto do Brejo

Jornal O Estado do Maranhão

          Início do mandato do governador Pedro Neiva de Santana, em 1971. O secretário estadual da Fazenda era Jayme Santana, que fora meu colega na antiga Faculdade de Economia; o chefe de sua assessoria, Gastão Vieira, hoje deputado federal e futuro senador; o assessor jurídico, Sálvio Dino, presentemente meu companheiro na Academia Maranhense de Letras e o chefe de gabinete, Sérgio Serra Costa, também meu colega de estudo, não na faculdade, mas sim no Colégio Maranhense, dos irmãos maristas. Faziam parte da assessoria também Edmundo Borges, Gilman Ferreira, Eduardo Casal, Arivaldo Castro Júnior, José Roberto de Moraes Rego Fernandes e Alim Maluf Filho.
          Um dia, começou a frequentar a Secretaria um jornaleiro cerca de seis ou sete anos mais novo do que o mais novo dentre nós (eu, por exemplo, tinha 23 anos). Ele chamou minha atenção, e a de todo mundo, muito mais por ler os jornais e revistas à venda em sua banca ambulante e menos pelo seu evidente talento de vender sua mercadoria a relutantes leitores. Eu nunca tinha visto seus colegas de profissão falarem sobre política ou sobre literatura. Aquele garoto, no entanto, estava em outra categoria, mostrando ter leitura suficiente para ter o interesse despertado pelos temas políticos do momento, pela história do Maranhão e o futuro do estado. Via-se logo que tinha grande curiosidade intelectual.
          Eulálio Leandro – esse era seu nome –, confirmou os prognósticos que todos faziam acerca de um futuro de triunfos daquele garoto de origem humilde, filho de um comerciante ambulante do Brejo que morreu quando ele tinha apenas oito anos, obrigando a família – mãe e mais três irmãos – a vir para São Luís em meio a imensas dificuldades de toda ordem. Foi para a Escola de Aprendizes de Marinheiro em 1975, sendo lá aceito por méritos próprios e por recomendação do então capitão de fragata, exercendo a função de capitão dos portos do Maranhão, Mauro do Herval Costa, seu sincero admirador. Leandro mais tarde escreveu A Marinha e as camadas populares no Maranhão - 1822-1872, e se tornou o único marinheiro brasileiro a ter um livro de sua autoria adotado nos cursos da Escola de Guerra Naval.
          Após deixar a Marinha, retornou ao Maranhão em 1982 e no período até 1998 obteve licenciatura e bacharelado em História, prestou concurso para o Estado, tornando-se professor da rede pública estadual, e fez pós-graduação em Administração Escolar, na Universidade Salgado de Oliveira, do Rio de Janeiro.
          Ele publicou as seguintes obras: Cidadania na visão humanística de Coelho Neto; Educação ambiental no pensamento de Coelho Neto; Coelho Neto e a ecologia no Brasil – 1890-1933 ; Por trás da toga: crime, violência e corrupção do desembargador Pontes Visgueiro; A Marinha na eloquência de Coelho Neto; A mulher na visão humanística de Coelho Neto; O negro na obra de Coelho Neto; O júri da Corte – 1866; O processo do negro Cosme. Promoveu ainda nova edição de As sete dores de Nossa Senhora, de Coelho Neto bem como de As sete dores de Maria Santíssima, de Camilo Castelo Branco.
          Nessa bibliografia podemos identificar duas linhas principais: uma é a obra de Coelho Neto, na qual recolheu textos sobre temas específicos (ecologia, cidadania, etc.) e que nos permite afirmar que entre nós pecado será falar da obra do escritor caxiense sem mencionar o trabalho de Leandro; a segunda linha é de temas históricos. Foi esse conjunto que o credenciou a ser membro da Academia Brejense de Artes e Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias e membro honorário da Academia Caxiense de Letras. O livro Cidadania na visão humanística de Coelho Neto vendeu mais de quatro mil exemplares, um best seller em termos de vendas nacionais, não local.
          Leandro venceu, apesar das desvantagens iniciais impostas a ele por sua origem em família pobre do interior, sem ajuda de relações sociais influentes, sem bolsas e cotas, contando em sua luta para se elevar tão só com disciplina e determinação, a fim de superar preconceitos e discriminações e afirmar os méritos que lhe são próprios.

21 de agosto de 2014

Sem dúvidas

          Encontram-se de tal maneira degradados os valores éticos na vida pública, tão vulgarizados os golpes baixos nas disputas políticas, tão poderosa por todo canto a corrupção, onipresente no dia a dia da administração federal, tão grande a deterioração institucional e tão prevalecente a empulhação intelectual e moral na nossa sociedade, que o país está a ponto de ver a instalação – seja apenas em peça teatral de quinta categoria ou de quinta-coluna da democracia –, de CPI de uma CPI. Há poucos dias, o ministro Paulo Bernardo, do PT, disse em entrevista à Folha de S. Paulo e ao UOL, a respeito da farsa na CPI encarregada de investigar as falcatruas na empresa: “Isso vem desde Pedro Álvares Cabral. Porque, na primeira CPI, já deve ter acontecido isso. A não ser que a gente queira fingir que nós somos todos inocentes, que somos muito hipócritas, e falar: ‘Não, isso não acontece’”. Para lembrar os leitores, os depoentes receberam de gente do governo antecipadamente as perguntas com as respostas convenientes a serem dadas nos depoimentos à comissão. Não parece coisa das democracias venezuelana e cubana?
          As palavras do ministro equivalem a dizer que mentira repetida mil vezes se torna verdade ou crime cometido repetidamente se torna virtude. Não era essa a justificava de Lula para as falcatruas do Mensalão? “Todo mundo faz a mesma coisa”. Mas ele só admitia, claro, a existência de “simples” caixa dois, delinquência tornada virtuosa depois de encenada infinitas vezes. O ataque neste momento é contra o mais importante instrumento constitucional das minorias parlamentares no seu papel de fiscalizar o Executivo: as comissões de inquérito.
          Raras vezes se tem visto agressões tão constantes, apesar da incompetência dos perpetradores, contra os princípios de nossa democracia como nos doze anos de administração petista. O Mensalão, na seara dos lances mais ousados e deixando de lado os batedores secundários da carteira do setor público, madrugou na fila. Tornaram-se tão comuns o desassombro e a cara de pau dos assaltantes ao se atirarem ao crime nesse episódio que os acusados e depois condenados por diversos crimes alegaram ser culpados apenas de fazer caixa dois em campanhas eleitorais, e não da qual eram acusados, de maior gravidade, esperando desse modo alcançar absolvição perante a justiça. A trama foi, como se viu no julgamento dos mensaleiros, inaceitável ameaça a um dos Poderes da República, o Congresso Nacional, tentativa de subjugá-lo, à semelhança do ensaio de desmoralização de outro Poder, o STF, que julgou o caso e que tem entre seus membros, vejam a ironia, 8 de 11 membros indicados pelo governo do PT.
          O partido, há poucos meses, por decreto da presidente do Brasil, resolveu enfiar em órgãos federais conselhos (sovietes, em russo) eleitos por ninguém, cujos membros são escolhidos pelos chamados movimentos sociais. Como estes seguem orientações partidárias, o resultado na prática seria a manutenção do controle do governo pelo PT mesmo se derrotado o lulo-petismo na próxima eleição presidencial. Felizmente, o Congresso se movimenta a fim de derrubar a excrecência. As afinidades com os regimes bolivarianos da Venezuela, Bolívia e Equador não deixam dúvidas quanto à intenção dos proponentes do decreto.
          E a história do “controle social dos meios de comunicação”? Mais uma tentativa de destruir as instituições indispensáveis à democracia. É antiga obsessão de Franklin Martins, Rui Falcão, Lula, Dirceu, de todos os mensaleiros bem como do partido. Perdendo cada vez mais a esperança de se manter no comando pelo voto, desejam se eternizar no poder controlando a imprensa, aparelhando a administração do país e destruindo os mecanismos capazes de fazer funcionar uma democracia de verdade.
          E pensar que essas pessoas já se apresentaram ao povo brasileiro como membros do partido da honestidade e como verdadeiros democratas! Terão a coragem de se exibir novamente assim um dia? Quem saberá! Mas, considerando-se o histórico deles, não se pode ter dúvidas sobre isso e qualquer coisa mais.

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